O globo, n.31376, 03/07/2019. Artigos, p. 02

 

Mercosul-UE exerce pressão sobre Bolsonaro 

03/07/2019

 

 

O teste do choque com a realidade é sempre pedagógico, desmascara qualquer discurso irreal. A vociferação do presidente Bolsonaro, na campanha e depois de eleito, contra a preservação do meio ambiente enfrentou contestações quando o ex-capitão foi alertado por representantes do agronegócio, o segmento mais dinâmico da economia brasileira, que relaxar na preservação significa causar prejuízos sérios às exportações de alimentos, em que o Brasil é um dos líderes mundiais.

Cresceu muito e tende a se fortalecer ainda mais o poder político dos movimentos preservacionistas, em função da crescente consciência de que não haverá futuro se acordos como o de Paris, para ajudar na mitigação do aquecimento global, não forem cumpridos.

E o Acordo de Paris foi alvo de Bolsonaro. As reações à ameaça de retirar o país do tratado devem ter aconselhado o ex-capitão a recuar. O fechamento do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), condicionado à manutenção do país no entendimento multilateral sobre o clima, funciona agora como forte pressão para que o Planalto se curve à necessidade da preservação do meio ambiente.

Precisa ser reconhecido o pragmatismo do governo Bolsonaro, que, na prática, engaveta o antipreservacionismo, em nome de um tratado de comércio capaz de alavancar o crescimento da região. Mais do que isso, promoverá a expansão interconectando as economias locais a cadeias globais de produção, necessário para o Brasil, por exemplo, modernizar a indústria e diversificar a pauta de exportações, muito dependente de produtos primários.

Agora, o governo precisa demonstrar a seriedade do compromisso assumido. Não pode passar despercebido que o desmatamento na Amazônia cresceu em junho 60% em relação ao mesmo mês do ano passado. O Planalto precisa mostrar serviço, deixando claro, poucos dias após o anúncio da aliança comercial Mercosul-UE, que o governo mudou de rumo na questão do meio ambiente.

A destruição em junho de 762,3 quilômetros quadrados de floresta equivale ao desmatamento de uma área duas vezes maior que a da cidade de Belo Horizonte. Nos primeiros seis meses de 2019, motosserras e equivalentes varreram o espaço ocupado por uma cidade de São Paulo e meia. É lógico relacionar o avanço do desflorestamento ao estímulo dado pela simples chegada do governo Bolsonaro.

Agora, ele terá de dar meia-volta. Não poderá, por exemplo, executar o desmonte do sistema de monitoramento e fiscalização, em especial da Amazônia. Para dar um primeiro aceno aos parceiros europeus e ao mundo, já deveria, por exemplo, recuar na ideia de rever o Fundo Amazônia, sustentado pela Noruega e Alemanha e gerenciado pelo BNDES, para financiar projetos de preservação da região. No aspecto ambiental, o governo Bolsonaro terá de começar de novo.