O globo, n.31376, 03/07/2019. Rio, p. 12

 

Um segredo vem à tona 

Chico Otavio

Vera Araújo

03/07/2019

 

 

Em depoimento à Delegacia de Homicídios (DH) da Capital, um pescador afirmou que um homem supostamente ligado ao PM reformado Ronnie Lessa, acusado de ser o assassino da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, alugou seu barco para um passeio e jogou seis armas no mar, perto das Ilhas Tijucas, a aproximadamente dois quilômetros da Praia da Barra. A Polícia Civil suspeita que estava entre elas a submetralhadora HK MP5, que teria sido usada no crime, praticado em 14 de março do ano passado no Estácio.

De acordo com investigadores, o descarte do armamento aconteceu poucos dias depois da prisão de Lessa, em 12 de março deste ano, e pode ter sido planejado por quatro pessoas: Márcio Montavano, o Márcio Gordo, apontado como o homem que alugou o barco; Eliane de Figueiredo Lessa, mulher do PM reformado; o irmão dela, Bruno Figueiredo; e Josinaldo Freitas, um amigo da família. Há quatro meses, policiais iniciaram buscas no mar, com a ajuda da Marinha e do Corpo de Bombeiros.

MULHER É OUVIDA NA DH

Na segunda-feira, a mulher de Lessa e o irmão dela prestaram depoimentos na sede da DH, na Barra. Márcio Gordo e Josinaldo foram ouvidos ontem. Além de policiais civis da especializada, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual investiga o caso.

O pescador, cuja identidade foi preservada pela DH, contou em depoimento que foi procurado por um homem que chegou de táxi ao Quebra-Mar, na Barra. O suspeito lhe disse que queria contratar uma embarcação para fazer pesca submarina perto das Ilhas Tijucas. Dono de um barco de fibra de vidro com cinco metros de comprimento e motorizado, o pescador aceitou o serviço.

Descrito como um homem forte, com idade entre 30 e 35 anos e os braços cobertos por tatuagens, o suspeito carregava uma caixa de papelão pesada e uma mala grande, nas quais o barqueiro acreditava que estavam guardados arpões e outros equipamentos. “No meio das Ilhas Tijucas”, segundo o pescador, o homem retirou da mala “seis fuzis” e, da caixa de papelão, recipientes menores, nas cores amarelo e azul. Em seguida, jogou tudo no mar.

A polícia avalia que, embora o pescador tenha dito que viu seis fuzis, uma submetralhadora HK MP5 pode fazer parte do material jogado no mar, pois as diferenças entre os dois tipos de armamento não seriam claras para um leigo.

O pescador, que havia acertado um valor de R$ 60 pelo serviço, disse ainda que sentiu muito medo e, por isso, desistiu de cobrar o pagamento. Porém, na volta, sem falar nada, o homem jogou R$ 300 dentro da embarcação e foi embora. No depoimento, o pescador também afirmou que já havia visto o suspeito em um bar do Quebra-Mar, e acrescentou que o descarte do armamento aconteceu no dia 14 ou 15 de março.

A Marinha, a Polícia Civil e o Corpo de Bombeiros chegaram a usar um sonar para fazer buscas na região onde as armas teriam sido abandonadas, sem sucesso. Além disso, mergulhadores enfrentaram dificuldade para localizar objetos a 40 metros de profundidade, por conta da água turva.

BUSCAS EM APARTAMENTO

A desova do armamento teria acontecido pouco antes de a polícia tentar cumprir um mandado de busca e apreensão no local onde estariam armazenadas. Segundo investigadores, na madrugada de 13 de março, três homens vestidos de policiais civis chegaram num Fiat Palio com placa clonada a um conjunto residencial no Pechincha, em Jacarepaguá, onde mora a sogra de Lessa. O síndico, que é militar, desconfiou do grupo e não permitiu a entrada.

Porém, no dia seguinte, um homem sozinho — com as mesmas características descritas pelo pescador — conseguiu passar pela portaria e foi até um apartamento, do qual saiu com uma caixa e uma mala. Policiais da DH apareceram logo depois, mas nada encontraram no imóvel: havia apenas jornais espalhados pelo chão. No entanto, os agentes conseguiram pegar imagens de câmeras de segurança, que registraram a saída do suspeito.

Para a DH, a mulher de Lessa teve envolvimento com a ação. Elaine, de acordo com investigadores, determinou a retirada da mala e da caixa do apartamento no Pechincha. Se ficar provado que coordenou o plano, supostamente a mando do marido, ela poderá responder por obstrução de investigação de organização criminosa.

O LOCAL INDICADO

Pescador diz que armas usadas no assassinato de Marielle e Anderson foram abandonadas na região das Ilhas Tijucas

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Ex-PM era sócio de academia em área de milícia 

03/07/2019

 

 

A polícia já sabe que Elaine de Figueiredo Lessa tem vínculos com Ronnie Lessa que vão além do casamento. Os dois eram sócios da Academia Super Nova Saúde do Corpo LTDA ., empresa aberta em 2013 com capital social de R$ 60 mil. Chama a atenção da polícia o fato de o estabelecimento ter funcionado em Rio das Pedras, reduto de uma milícia investigada no inquérito da Operação Intocáveis e do Escritório do Crime, como é chamado um grupo de matadores de aluguel.

A Operação Intocáveis foi realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual em janei rodes teano. E, segundo investigações, o Escritório do Crime é chefiado pelo ex capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Adriano Magalhães da Nóbrega, foragido da Justiça desde então.

Na próxima quarta-feira, Lessa deverá participar da segunda parte da audiência de instrução e julgamento do caso das peças de 117 fuzis apreendidas na casa de um amigo dele, no Méier. O exPM Élcio Vieira Queiroz, acusado de ser o motorista do carro usado na emboscada a Marielle e Anderson, também será ouvido. Os dois estão no Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. No primeiro depoimento, por videoconferência, Lessa disse que o material apreendido era para armas de airsoft.

Fontes da Receita Federal já detectaram que o CNPJ da academia servia como referência para a entrega das peças de armas de airsoft. Um laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli atestou, porém, que elas poderiam ser adaptadas para fuzis M-16.

Já a próxima audiência do processo que investiga o assassinato de Marielle e Anderson está prevista para sexta-feira da semana que vem.