O Estado de São Paulo, n. 46019, 16/10/2019. Política, p. A4

 

Bivar é alvo de operação da PF e crise no PSL se agrava

Renato Onofre

Camila Turtelli

16/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Partidos. Agentes vasculham endereços ligados a presidente da sigla, acusado de montar candidaturas fictícias; em reação, grupo tenta obstruir projetos do governo na Câmara

A operação de busca e apreensão deflagrada ontem pela Polícia Federal em endereços ligados ao presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), no Recife, agravou a crise que envolve o partido do presidente Jair Bolsonaro e ameaça prejudicar o andamento de projetos de interesse do Palácio do Planalto no Congresso. O primeiro passo dessa estratégia foi dado ontem mesmo, quando a liderança do PSL na Câmara tentou obstruir a análise da Medida Provisória que trata da reestruturação administrativa da Casa Civil e da Secretaria de Governo. A manobra segurou a votação por duas horas e, embora a MP tenha sido aprovada, o gesto representou um recado do grupo “bivarista”.

O presidente do PSL é investigado por suspeita de montar um esquema de candidaturas femininas fictícias (“laranjas”) nas disputas do ano passado com o fim de desviar dinheiro do fundo eleitoral – o que Bivar nega (mais informações nesta página). Bolsonaro pediu, na semana passada, uma auditoria externa nas contas do partido dos últimos cinco anos, e cobrou a abertura da “caixa preta” do PSL. Aliados de Bolsonaro tentam assumir o controle da sigla, e enfrentam resistência do grupo de Bivar.

Na prática, a operação da PF pode dar agora a brecha jurídica necessária para deputados próximos a Bolsonaro se desfiliarem do PSL sem o risco de perder o mandato, caso ele decida mesmo sair do partido. Já a ala pró-Bivar viu as ações de ontem como “retaliação” do Planalto ao presidente da legenda.

A briga no partido, porém, está cada vez pior e ontem, após a manobra para obstruir a votação da MP sobre a reestruturação administrativa, deputados da bancada iniciaram um movimento para destituir o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), que chegou a se unir à oposição. Amigo de Bivar, Waldir negou que estivesse dando o troco na votação, mas afirmou que o próprio Bolsonaro deu sinais de que alguma coisa grave estava para ocorrer. “Só o Saci Pererê e o Papai Noel não sabiam dessa operação da Polícia Federal”, disse ele.

Advogado do presidente, o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga afirmou que o “timing” da operação da PF em endereços ligados a Bivar não tem qualquer relação com a turbulência política e foi uma “coincidência”. Admar disse, porém, que, após auditoria nas contas do PSL, Bivar poderá sofrer outra investigação, e não apenas na Justiça Eleitoral.

“Penso que cabe (processo de) improbidade administrativa. Não é só questão de Justiça Eleitoral, é de improbidade administrativa, que tem lei própria. Iria para a Justiça comum”, disse Admar ao Estado. Na avaliação do ex-ministro do TSE seriam “abundantes” os motivos para deputados do PSL deixarem o partido por justa causa, sem perder o mandato. Atualmente, deputados que mudam de legenda fora da chamada “janela partidária” – que é de seis meses antes da eleição – correm o risco de ficar sem mandato. Uma das exceções é justamente a alegação de “justa causa”.

“O presidente pode deixar o partido na hora que quiser. O problema é que ele tem preocupação com a situação política de cada um do grupo leal a ele”, disse Admar. “Mas eu o tranquilizei porque a justa causa (ali) é todos os dias. Todos os dias ela se confirma. É reunião para expulsar deputado, que aí vira só ameaça e não expulsa ninguém. Tudo para assustar, para amedrontar.”

“Guinhol”. Batizada de “Guinhol”, em alusão a marionete, a operação de busca e apreensão contra Bivar foi pedida em agosto pela Polícia Federal, mas chegou a ser negada pela juíza eleitoral Maria Margarida de Souza Fonseca, do Recife. Anteontem, porém, foi autorizada pelo Tribunal Eleitoral de Pernambuco. A investigação começou em março e, de acordo com a PF, há indícios de que o dinheiro público destinado às campanhas foi usado “de forma fictícia” e “desviado para livre aplicação do partido e de seus gestores”.

No início do ano, Bolsonaro anunciou que havia pedido à Polícia Federal uma investigação para apurar suspeitas de uso irregular de verbas de campanha por integrantes do PSL. Em 14 de fevereiro, o Estado mostrou que sete candidatos do partido a deputado federal e estadual em Pernambuco repassaram R$ 1,2 milhão para a empresa de um dirigente da sigla no Estado. À época, porém, o foco estava sobre o então ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, demitido poucos dias depois.

“Se (Bebianno) estiver envolvido e, logicamente, responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens”, afirmou Bolsonaro na ocasião. Bebianno só caiu, porém, após confronto com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho “zero dois” do presidente.

Bolsonaro se reuniu ontem à tarde, no Palácio do Planalto, com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem a PF é subordinada. No último dia 4, no fim do dia, ele também teve um encontro com o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, no Planalto. Quatro dias depois, disse para um apoiador, diante do Palácio do Alvorada, que era melhor “esquecer o PSL”. Mesmo assim, o jovem – que afirmou ser précandidato do partido no Recife – gravou vídeo ao lado de Bolsonaro, no qual elogiou Bivar. O presidente, então, pediu ao militante que apagasse a gravação, sob o argumento de que Bivar estava “queimado para caramba”.

‘Recado’

“Só o Saci Pererê e o Papai Noel que não sabiam dessa operação da PF. Todo mundo sabia depois da fala do presidente na semana passada. Ele deu o recado.”

Delegado Waldir (GO)

LÍDER DO PSL NA CÂMARA

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Dirigente diz 'estranhar' ação após racha no partido

Camila Turtelli

Renato Onofre

16/10/2019
 

 

 

Em nota apresentada por seus advogados, o deputado Luciano Bivar (PE), presidente nacional do PSL, disse “estranhar” a operação realizada ontem pela Polícia Federal, considerando o atual “momento de turbulência política” no partido – rachado entre o grupo de Bivar e o do presidente Jair Bolsonaro.

“É de se estranhar que uma investigação dessa natureza, onde ao longo de todos esses meses não se conseguiu provar nenhuma fraude no processo eleitoral, agora, e só agora, se peça uma busca e apreensão nos escritórios residências das pessoas investigadas. A defesa quer crer que isso não tenha nenhuma motivação política, isso seria, na verdade, desprezível”, diz o texto.

Também por meio de nota, a Executiva Nacional do PSL afirmou que “excessos cometidos contra o partido serão devidamente apurados para adoção das medidas cabíveis”. O texto não esclarece, porém, a quais “excessos” se refere. No documento, o partido disse ainda que eventuais dúvidas, se existirem, serão solucionadas a tempo e modo próprio. O PSL também afirma que a divergência dentro do partido é natural e deve ser sempre resolvida pelo diálogo – “sem insinuações e ameaças veladas”.

“Alguns pronunciamentos noticiados caracterizam pueril tentativa de criar fatos artificiais que visam atender a meros interesses pessoais em detrimento do interesse coletivo do partido”, diz a nota.