Correio braziliense, n. 20501, 08/07/2019. Opinião, p. 11

 

Nova Previdência desestimula a contribuição

José Luis Oreiro

Márcio Carvalho

08/07/2019

 

 

O site oficial do governo sobre a Nova Previdência tem uma página que anuncia em seu título: “Quanto mais tempo a pessoa contribuir, mais vai ganhar”. Infelizmente, esse título não corresponde à realidade dos fatos.

A fórmula da Nova Previdência, que foi alterada e aprovada pela Comissão Especial na semana passada, permite que uma mulher contribua por 15 anos sobre R$ 3 mil mensais e se aposente ganhando R$ 1.800. Já uma outra mulher que contribuir por 40 anos, sendo por 15 desses sobre R$ 3 mil, e pelos outros 25 sobre R$ 1 mil, ganhará os mesmos

R$ 1.800 de benefício que a primeira mulher. Para que servem os 25 anos de contribuição sobre R$ 1 mil mensais da segunda mulher? Em sua “propaganda”, o governo diz que ela vai ganhar mais, mas a verdade é que se trata de “propaganda enganosa”.

Originalmente, a proposta do ministro Paulo Guedes continha um erro na fórmula de cálculo dos benefícios previdenciários que permitia que, em alguns casos, quem contribuísse mais ganhasse menos; fato exposto pelo Correio Braziliense em 7/4/2019 e solenemente ignorado pelo ministro quando questionado sobre o assunto pelo deputado Alessandro Molon, em duas audiências públicas na Comissão Especial.

O erro era tão grave que a própria equipe econômica solicitou o estudo matemático que o descrevia e alertou a equipe do relator da Comissão Especial. Este, por sua vez, fez uma alteração na fórmula, inserindo um dispositivo “salva-guarda” no Parágrafo 6 do Artigo 27 do texto substitutivo.

Antes da alteração, um homem que contribuísse por 20 anos sobre R$ 4 mil mensais se aposentaria ganhando R$ 2.400, enquanto que um outro homem que contribuísse por 24 anos, sendo por 20 desses sobre R$ 4 mil e pelos outros quatro sobre R$ 1 mil, ganharia R$ 2.380, um valor menor e incoerente se comparado ao do primeiro homem.

Agora, com a alteração feita e aprovada pela Comissão Especial, contribuir mais não fará com que o segundo homem ganhe menos, pois os dois homens do parágrafo anterior ganharão os mesmos R$ 2.400, mas também não fará com que ele ganhe mais tendo contribuído por mais tempo, como promete o governo.

Independentemente do que o governo promete, faz ou não faz, o que importa é o que a população, a quem o governo deve servir, pensa sobre essa questão. Talvez ela nem consiga pensar com clareza sobre o assunto, pois o texto, que foi aprovado às pressas, não é claro.

Nem mesmo a imprensa conseguiu informar com precisão como é feito o cálculo, com diferentes veículos de mídia reportando diferentes maneiras erradas de se fazer o cálculo. Até os políticos se perguntam como é o algoritmo para o cálculo, e seus assessores não conseguem informar o valor do benefício para determinadas situações. Como esperar que a população, sem informação e, em vários casos, com pouco nível de instrução formal, pense sobre a questão?

Cabe ao governo, aos legisladores e às suas equipes se debruçarem sobre o texto, analisarem os números e reverem a fórmula da Nova Previdência, para que uma alteração na fórmula seja feita e vá além de um dispositivo “salva-guarda”, de modo que cada ano de contribuição realmente conte, aumentando o valor do benefício.

O estudo matemático sobre a falha, enviado à equipe econômica do governo, contém uma sugestão de alteração da fórmula que mantém a sua estrutura e faz com que cada ano de contribuição resulte num aumento do benefício, como desejado pela população e anunciado pelo governo.

A escolha da inserção de um dispositivo “salva-guarda” pode ter eliminado a falha na fórmula, mas não evitou situações esdrúxulas, como as das mulheres citadas no início do artigo e dos homens apresentados na sequência; mas não cumpriu o que o governo prometeu e não criou incentivo para o recolhimento de contribuições, como também não incentivou os trabalhadores a buscarem empregos formais com carteira assinada.

Os autores deste artigo acreditam que é necessária uma reforma da Previdência, mas que, no desenho dela, sejam introduzidos mecanismos que incentivem a contribuição previdenciária, em vez de apenas dificultar o acesso aos benefícios do sistema, que é a tônica da reforma agora aprovada na comissão especial. Além disso, é preciso que haja transparência nas contas feitas, clareza na redação do texto da proposta e explicações públicas precisas sobre o que está sendo proposto. (...)

» José Luis Oreiro

Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e autor do livro Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana

» Márcio Carvalho

Doutor em matemática aplicada pela Universidade do Colorado