Título: MPF intervém pelos índios
Autor: Lisbôa, Anna Beatriz ; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 25/10/2012, Brasil, p. 14

Ministério Público acompanhará a disputa de terras entre fazendeiros e os guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul. Drama da etnia que declarou preferir a morte a deixar a área ganha repercussão nacional e internacional. Funai estuda a demarcação desde 2008

O Ministério Público Federal (MPF) tratará com prioridade a questão dos índios guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul. O estado vem sendo palco de uma disputa violenta por terras entre fazendeiros e representantes da etnia. Segundo informações publicadas no Diário Oficial da União de ontem, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), que organiza as ações do MPF nas questões das populações indígenas e comunidades tradicionais, fará o levantamento e o acompanhamento dos processos judiciais que tratam dos conflitos de terra envolvendo os guarani-kaiowá para que sejam “tomadas as medidas necessárias na defesa das populações indígenas”. O objetivo é “potencializar a presença do MPF na região”.

O drama da etnia sul-mato-grossense ganhou repercussão nacional após a circulação na internet da carta com o pedido de socorro de uma comunidade de 170 indígenas, que podem ser expulsos do território ocupado por eles desde novembro de 2011 no município de Iguatemi, no sul do estado. Os índios destacam a vontade de permanecer na terra vivos ou mortos. A área, conhecida como Pyelito Kue, faz parte da Fazenda Cambará. A liminar para que os índios deixem o território foi concedida em 17 de setembro pelo juiz federal Sérgio Henrique Bonachela. O MPF e a Fundação Nacional do Índio (Funai) entraram com recurso contra a decisão e ainda não há prazo para a retirada dos indígenas.

O tema pode ganhar dimensão internacional. A proposta está sendo discutida na Espanha em encontro da organização não governamental Avaaz. A entidade promoveu uma campanha na internet em prol do índios e já colheu milhares de assinaturas desde a semana passada. “A ideia é globalizar a campanha e colher adesões de todo o mundo”, afirma o advogado Pedro Abramovay, um dos integrantes da ONG. Até o fechamento desta edição, 178.855 pessoas aderiram ao abaixo-assinado que circula pela internet só no Brasil. A Marcha de Brasília contra o genocídio do povo guarani-kaiowá, divulgada pelo Facebook, está com mil presenças confirmadas. A manifestação, marcada para o dia 31, partirá do Museu da República.

Pesquisa Desde 2008, um grupo técnico instituído pela Funai conduz o estudo para caracterizar o local como território indígena. De acordo com o órgão, a pesquisa ainda não foi finalizada. “Trata-se de uma região complexa do ponto de vista fundiário e a Funai, que segue um cronograma interno estabelecido pelo processo administrativo, sofre constantes mudanças em função de ações judiciais interpostas ao processo”, afirma a fundação por meio de nota. Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, o atraso na conclusão do procedimento contribui para o agravamento dos conflitos na área. “A lentidão por parte do Estado faz com que os grupos originários dessas regiões partam para ações de retomada das terras antes da conclusão do relatório. Isso potencializa a violência e a situação de vulnerabilidade das comunidades.”

Ontem o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) levou a questão ao plenário e cobrou providências das autoridades. “A demarcação das áreas indígenas é fundamental para que o povo possa viver em paz e com dignidade. É um processo conflituoso que envolve diversos interesses, mas é importante que avance.” O parlamentar vai sugerir à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa a realização de uma audiência pública sobre a questão.

O líder indígena Almir Narayamoga Suruí, da aldeia Paiter-Suruí, em Rondônia, definiu a situação enfrentada pela etnia de Mato Grosso do Sul como uma verdadeira “guerra civil”. “Esse tipo de conflito não envolve só a Funai, mas também a Justiça e a Polícia Federal. Para buscar a solução e garantir os direitos de todos, é necessário que mais segmentos estejam envolvidos.”