O Estado de São Paulo, n. 45915, 04/07/2019. Metrópole, p. A18

 

MEC vai testar Enem digital no ano que vem e prevê prova 100% online em 2026

Lígia Formenti

Isabela Palhares

Julia Marques

04/07/2019

 

 

Ensino. No 1º ano, versão eletrônica será aplicada para 50 mil candidatos; governo prevê reduzir custos a longo prazo e permitir a realização da prova mais de uma vez no ano. Especialistas dizem que ministério precisa aumentar estoque de questões do exame

Vantagens. Para o estudante Daniel Silveira, a prova online pode facilitar a produção da Redação: ‘Digito mais rápido’

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passará a ser aplicado de forma digital a partir do próximo ano. O projeto, apresentado ontem pelo ministro da Educação, Abrahan Weintraub, prevê que 50 mil candidatos, em 15 capitais brasileiras, façam o modelo digital em 2020, em um projeto-piloto. A expectativa é de que o número seja ampliado progressivamente até 2026, quando o governo prevê extinguir a prova de papel.

Segundo Weintraub, o modelo aumentará a concorrência. “Duas ou três grandes empresas conseguem hoje se credenciar.” A mudança, disse, permitirá que mais estudantes façam a prova, incluindo os que têm mobilidade reduzida.

Para o projeto-piloto, devem ser desembolsados R$ 20 milhões – no formato atual, o custo de aplicação para este ano, com cerca de 5 milhões de participantes, é de R$ 500 milhões. Segundo o MEC, os custos iniciais da versão digital serão “expressivamente maiores” do que da versão atual, mas a expectativa é reduzi-los ao longo dos anos. O plano prevê que toda a prova seja realizada de forma digital, incluindo a Redação.

Um dos objetivos é ter, nos próximos anos, a aplicação da prova em mais de uma data ao ano – até quatro no projeto original. O que, na avaliação do ministro, retiraria “a agonia” de um exame de tamanha relevância ter só uma aplicação.

Os riscos de fraude, segundo o ministro, também serão menores. “O Brasil tem tecnologia para isso. O sistema bancário é todo eletrônico.” E depois emendou: “Mas bandido é criativo.” Questionado se um hacker não poderia invadir o sistema para fazer a prova do candidato, afirmou ser mais fácil uma invasão só na nota – risco que, em tese, já existiria hoje.

O MEC disse ainda que a versão online facilitará a realização de provas por itinerários formativos, que valerão com o currículo flexível previsto na reforma do ensino médio. O candidato passará a fazer a prova conforme a área de estudo que escolheu para aprofundamento.

A ideia do Enem digital começou a ser discutida em 2012. Os últimos presidentes do Inep, órgão responsável pela prova, e principais quadros do MEC já defendiam a prova online, mas o principal entrave era exatamente a ausência de um banco de questões com robustez suficiente – as perguntas do exame passam por rigoroso processo, com dez etapas, entre a produção e a avaliação do item. O MEC admite ser preciso ampliar o banco de questões.

Secretária executiva do MEC na gestão Michel Temer, Maria Helena Guimarães disse ver com preocupação o prazo anunciado e a ausência de ações para ampliar o banco de questões. “Nossa avaliação, na época, era de que precisaríamos ter um banco com ao menos 5 mil itens. Temos muito menos que isso (o número não é divulgado, sob justificativa de segurança). Um banco de itens robusto e de qualidade exige investimento alto. Na União Europeia, a elaboração de cada item custa de 800 a 1 mil euros.” Ela estima custo de R$ 50 milhões para formar um banco com itens suficientes e de qualidade.

Mônica Franco, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação (Cenpec), lembra que muitas escolas públicas ainda não têm computador ou internet. “O Enem não mede só o desempenho das escola. Dá acesso à universidade. Por isso, é fundamental garantir a equidade de condições. Não podemos prejudicar ainda mais os mais vulneráveis e menos assistidos.”

Alunos. Moisés Sousa, de 22 anos, que tentará vaga de Medicina em uma universidade federal, tem dúvidas sobre a alteração. Ele conta já ter feito prova online e não se deu bem. “Prefiro o lápis. No computador parece muito abstrato.”

Já Daniel Silveira, de 23 anos, vê vantagem na Redação. “Você apaga mais facilmente e digita mais rápido. No papel, é difícil”, diz ele, que pretende cursar Economia.

Em 2017, o MEC fez consulta pública sobre como melhorar o Enem: 70,1% responderam não concordar com a prova digital.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. Quando será a mudança?

Um projeto-piloto terá início no ano que vem para 50 mil estudantes, de modo facultativo, em 15 capitais. A ampliação será progressiva até 2026, quando a prova de papel será extinta.

2. Haverá mudança no Enem deste ano?

Não, o formato digital só começa em 2020. O ministro Abraham Weintraub informou que a prova deste ano já foi enviada pela gráfica. Disse ainda que nem ele nem o presidente Jair Bolsonaro viram o exame – em 2018, Bolsonaro declarou que analisaria antes o conteúdo do teste. O Enem será nos dias 3 e 10 de novembro.

3. Quais são os benefícios?

MEC e especialistas dizem que, a longo prazo, o modelo é mais econômico e mais seguro, por ter logística menos complexa. Com o processo mais simples de elaboração e aplicação, o Enem poderia ser realizado em mais de uma edição ao ano. Outra possibilidade é, no futuro, usar mais recursos, como vídeos, infográficos animados e games.

4. Mas por que a mudança não foi feita antes?

O principal entrave é que o País não tem um banco de questões com tamanho suficiente para várias edições da prova. O MEC não falou se investirá na ampliação do banco – para se chegar a um tamanho considerado ideal, o custo estimado é de R$ 50 milhões, 2,5 vezes maior do que a verba do piloto. A formulação de itens envolve várias etapas.

5. Isso encarece o Enem?

O MEC estima gastar R$ 20 milhões com o projeto-piloto. O custo por candidato nesse modelo é 4 vezes maior do que o atual. A pasta afirma que os custos iniciais da versão digital serão “expressivamente maiores” na implementação, mas a expectativa é que sejam reduzidos ao longo dos anos.

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Desafio será superar gargalos estruturais

Olavo Nogueira Filho

04/07/2019

 

 

A discussão sobre a realização do Enem no computador perpassou vários governos e é uma proposta defendida pelos principais especialistas em educação e avaliação do País. É positivo ver a manutenção e a vontade de se concretizar a ideia, que tem como objetivo uma aplicação com menor grau de complexidade. Hoje, a aplicação do exame exige uma operação de guerra.

Mas para que se torne viável será necessária uma estratégia bem construída, que consiga superar os entraves de infraestrutura do País. Quando se fala em prova digital, é preciso pensar na situação real do ensino. Há internet, computador e até mesmo energia elétrica nas escolas? Todas essas respostas devem aparecer no plano de migração.

O governo acerta ao mirar em modelo mais sofisticado de tecnologia para a prova, fugindo da simples digitalização. Mas sua viabilização depende de investimentos em tecnologia e montagem de um grande banco de questões. O detalhamento desses passos é fundamental.

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Waintraub quer sair da Wikipédia

Gregory Prudenciano

04/07/2019

 

 

Remoção. Página contém dados não confirmados, diz pasta

O Ministério da Educação (MEC) solicitou na última quinta-feira à enciclopédia colaborativa Wikipédia que o verbete sobre o ministro da pasta, Abraham Weintraub, fosse excluído. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o MEC alegou que a página conteria “informações não confirmadas” que poderiam levar a “interpretações dúbias”.

A mensagem enviada pelo MEC, à qual a reportagem teve acesso, justifica o pedido de exclusão pela “impossibilidade de edição” do conteúdo por parte do ministério. Segundo a pasta, com a restrição de edição, a “pessoa física/jurídica fica incapacitada de declarar ampla defesa e o contraditório”.

Procurado, o MEC confirmou ter pedido a remoção do artigo e também reconheceu o conteúdo do e-mail, mas não comentou a solicitação nem esclareceu quais trechos do artigo sobre Weintraub motivaram o contato. A solicitação do ministério foi feita por um mecanismo automático da plataforma, no qual é possível enviar um email ao usuário responsável pela última edição.

O verbete sobre Weintraub na Wikipédia foi criado em 8 de abril, pouco mais de três horas depois de o presidente Jair Bolsonaro anunciar pelo Twitter que ele sucederia Ricardo Vélez Rodriguez no comando do ministério.

A solicitação do MEC para que o verbete fosse excluído mobilizou um fórum de editores da Wikipédia – que assinam com pseudônimos. O editor Chronus, que foi contatado pela assessoria do MEC, compartilhou a mensagem recebida e pediu aos colegas conselhos. “Caberia alguma resposta formal da comunidade quanto à solicitação do MEC?”, escreveu no fórum do site na última segunda-feira.

Os editores então sugeriram que ele pedisse mais clareza ao MEC sobre os pontos problemáticos e respondesse explicando que é impossível que um editor sozinho consiga eliminar um artigo.

O editor contatado pelo MEC não havia alterado conteúdo, mas restringiu a possibilidade de que usuários sem boa reputação na plataforma pudessem editar o texto.

Na discussão do fórum, o Chronus disse que não pretendia responder ao e-mail do MEC. Argumentou que a comunicação deveria ter sido feita à Fundação Wikimedia, com sede na Califórnia.