O Estado de São Paulo, n. 46016, 13/10/2019. Política, p. A12

 

Arcebispo ataca 'tradicionalismo' e direita em sermão

José Maria Tomazela

Gerson Monteiro

13/10/2019

 

 

Depois de qualificar corrente ideológica como ‘violenta e injusta’, d. Orlando Brandes atenua discurso na presença de Jair Bolsonaro

Comunhão. Jair Bolsonaro recebe hóstia de d. Orlando Brandes em missa em Aparecida

Em sermão durante missa solene no Santuário Nacional, em Aparecida (SP), o arcebispo d. Orlando Brandes criticou ontem o que chamou de “dragão do tradicionalismo” e disse que “a direita é violenta e injusta”. A homilia, feita pela manhã e que marcou a celebração mais importante do dia pela Padroeira do País, teve ainda citações a temas como a preservação da Amazônia. À tarde, na presença do presidente Jair Bolsonaro, o tom adotado foi mais conciliador. D. Orlando falou em combater “interesses pessoais” tanto da direita como da esquerda.

“Temos um dragão do tradicionalismo. A direita é violenta, é injusta, estamos fuzilando o papa (Francisco), o Sínodo ( da Amazônia), o Concílio do Vaticano II, parece que não queremos vida”, disse ele pela manhã. “Nas escrituras, o dragão é o demônio, é o diabo, é o mal que desorganiza tudo. Satanás também tem suas comunidades, grupos do mal, que tentam e atentam contra a vida.”

Em uma segunda citação ao “dragão”, o arcebispo de Aparecida disse que “estão sendo facilitados agora os caminhos do dragão da corrupção”, cujos efeitos seriam o aumento das desigualdades sociais.

Questionado depois sobre a referência à direita, d. Orlando respondeu que a citação foi à ideologia, não a governos. Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro tem se aproximado principalmente de líderes e movimentos evangélicos (que não reconhecem o culto a Nossa Senhora), em uma tentativa de costurar apoio a seus projetos. De outro lado, tem feito críticas a ações da Igreja Católica, como o Sínodo da Amazônia, que acontece no Vaticano.

Já na celebração que aconteceu às 16h, com a presença de Bolsonaro, d. Orlando afirmou que “os dragões são as ideologias, que querem dizer os interesses pessoais, tanto de direita quanto de esquerda”. “Isso não faz bem. O que faz bem, queridos irmãos e irmãs, é procurar a verdade. A verdade é que liberta. A verdade é que nos dá paz. E a verdade é que nos leva a viver como irmãos e irmãs.”

D. Orlando também fez uma analogia com o fato de a imagem de Aparecida, encontrada suja de lama e quebrada, ter sido restaurada. “Muitas coisas no Brasil estão quebradas, mas, como a imagem, podem ser restauradas.” No fim, disse que sempre é preciso rezar para os governantes. “Sempre rezamos pelo papa, pelo bispo e pelos que exercem a autoridade para que governem com justiça. Senhor presidente, sinta-se abraçado por nossa mãe querida”, disse ele, em referência a Nossa Senhora.

Vaias. O público presente ontem no Santuário Nacional se dividiu entre aplausos e vaias quando o arcebispo de Aparecida anunciou a chegada do presidente para a celebração da tarde e em outras duas vezes em que Bolsonaro teve o nome citado.

Sem familiares, o presidente estava acompanhado apenas de assessores e parlamentares da região. Ele fez a leitura de trecho da Bíblia sobre Ester – “uma órfã, adotada, pobre e exilada na Babilônia que veio a se tornar rainha”, como explicaria depois d. Orlando. No momento da eucaristia, inicialmente o presidente não se apresentou para a comunhão. Foi preciso que um assessor interviesse para que o arcebispo, que já seguia de volta para o altar, retornasse para oferecer a hóstia. Concluída a cerimônia, Bolsonaro deixou o local sem dar entrevistas.

Reação. As declarações feitas pela manhã pelo arcebispo de Aparecida foram rebatidas por ministros e aliados de Bolsonaro que se reuniram, em São Paulo, durante evento para defender o movimento conservador no Brasil.

“Gostaria de mandar um recado para uma certa autoridade religiosa que hoje (ontem), talvez sabendo que estávamos aqui, acabou de dizer em uma certa missa que o Brasil precisa tomar cuidado com o dragão do conservadorismo”, disse a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. “Eles realmente devem estar preocupados com nós, porque somos terrivelmente cristãos”, acrescentou. “Somos violentos porque queremos uma nação de paz.”

‘Dragões’

“Temos um dragão do tradicionalismo. A direita é violenta, é injusta.”

D. Orlando Brandes

ARCEBISPO DE APARECIDA, EM MISSA SOLENE PELA MANHÃ

“Os dragões são as ideologias, os interesses pessoais, tanto de direita quanto de esquerda.”

EM CELEBRAÇÃO FEITA À TARDE

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Cúpula católica vira alvo em evento bolsonarista

Adriana Ferraz

Aline Bronzati

13/10/2019

 

 

Críticas a d. Cláudio Hummes e ao Sínodo da Amazônia são feitas durante Conferência Política Conservadora

Ambiente. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, discursou em evento conservador

Organizado pela Igreja Católica, o Sínodo da Amazônia foi alvo de críticas de palestrantes que participaram, ontem em São Paulo, da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) Brasil – versão brasileira do maior evento conservador dos Estados Unidos. As críticas vieram de ministros do governo Bolsonaro e de Dom Bertrand de Orleans e Bragança, herdeiro da antiga família real brasileira, que também fez ataques a líderes da Igreja.

Aplaudido por militantes de direita presentes no evento, Dom Bertrand atacou a esquerda católica na figura de d. Cláudio Hummes, um dos cardeais mais próximos ao papa Francisco, a quem classificou Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, discursou em evento conservador como “amigo pessoal do ex-presidente Lula”. Para Bertrand, seria hora de reagir contra a Teoria da Libertação e ao que classificou como uma “seita vermelha” dentro na Igreja. “É uma tirania isso.”

Elogiado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que promoveu o evento e acompanhou todas as palestras, Dom Bertrand afirmou que o PT nasceu com Cláudio Hummes, o mesmo que agora, segundo ele, colocaria a soberania nacional em risco ao dizer que a vida na Amazônia nunca esteve tão ameaçada. “É a mais grave ameaça recente à nossa soberania”, disse.

Já a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, citou o Sínodo da Amazônia, ao afirmar que “estão falando que violamos os direitos dos índios”. “Falam que não existe infanticídio indígena. Mas nós é que estamos mostrando o que é a defesa dos direitos humanos. Nunca se falou tanto de direitos humanos no Brasil.”

Ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni rebateu as críticas que o governo Jair Bolsonaro vem sofrendo na área ambiental. “Quem está mais perto de cumprir o Acordo de Paris? A França ou o Brasil? O Brasil”, disse o ministro a jornalistas, ao ser questionado sobre dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que mostram aumento de desmatamento. Segundo ele, o Brasil é o país que mais preservou suas florestas nativas. “Qual país europeu pode nos mostrar isso?”