O globo, n.31374, 01/07/2019. Sociedade, p. 21

 

Agrotóxicos 

Johanns Eller 

01/07/2019

 

 

A julgar pelo ritmo de trabalho no setor em Brasília, o país pode terminar o ano com mais de 300 novos agrotóxicos liberados pelo governo federal. O recorde de 239 produtos autorizados até junho, com outros 400 na fila, é impulsionado pela quebra de patentes, que abriu caminho para versões “genéricas” de fórmulas já presentes no mercado. Os números superlativos despertaram reações críticas na sociedade, para além das ONGs ambientalistas. O agronegócio, por sua vez, quer mais agilidade.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela análise dos impactos na saúde humana na avaliação dos produtos químicos, afirma que o disparo nas estatísticas não se deve a uma revisão de critérios. Renato Porto, diretor-supervisor de agrotóxicos da Anvisa, afirma que a análise de produtos feitos com substâncias que já foram liberadas é muito mais rápida do que ade um material inédito.

— A maior parte (de substâncias liberadas) foi de genéricos. São produtos com o mesmo risco dos originais. Teoricamente, se você coloca mais opções nas prateleiras, não está querendo dizer que os produtores usarão mais. Nós avaliamos o risco toxicológico. Reduzir ou não o uso cabe a outros atores —explica Porto.

Ele admite, porém, que há novas combinações a partir deste ano. Profissionais de saúde e ambientalistas temem aquelas feitas de substâncias já liberadas, pois as análises de risco são feitas sempre com as substâncias isoladas e, em alguns casos, as interações químicas podem gerar impactos mais agressivos à saúde. Segundo a Anvisa, dos 239 agrotóxicos regulamentados em 2019, apenas três não são genéricos.

—A velocidade na aprovação não é ruim. O grande problema é a fila. Tenho 30 pessoas na área de toxicologia, das quais sete analisam inovações, e, mesmo assim, elas só conseguiram aprovar três produtos com muito custo —afirma Porto.

— Temos hoje 31 produtos inovadores na fila. Trinta químicos e um biológico. Adotamos uma segregação de processos de trabalho. Isso fará com que tenhamos um padrão menos tóxico no Brasil.

O salto de autorizações se acentuou desde janeiro, mas o número vinha cresmos DIVULGAÇÃO/ANVISA cendo desde a presidência de Michel Temer. Em comum, abancada ruralista como aliada destacada dos dois governos no Congresso. Porto afirma que os critérios técnicos não mudaram nas transições de governo.

— Estamos ficando cada vez mais rígidos. Não mudamos a característica da análise, mas o processo, a gestão e a automação. — diz o diretor. —Não foi só o governo quem liberou. Nós, da Anvisa, temos uma missão muito crítica. Os agrotóxicos só podem circularem território nacional coma aprovação da agência, o que é uma intervenção estatal muito forte, justamente por ser algo sensível. A Anvisa não está mudando a análise. Ao contrário, esta internacionalizando nossas avaliações.

Atualmente, a liberação de agrotóxicos é avaliada por três instâncias. Além da Anvisa, que avalia os riscos à saúde, o Ministério da Agricultura leva em conta critérios agronômicos e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estuda os impactos ambientais. O processo conta, ainda, com consultas públicas convocadas pela agência. Porto conta que há pressão para mais liberações.

— O produtor pede, mas o Estado só aprova o produto para a venda se for seguro. Temos o objetivo de protegera saúde do cidadã oque consome o produto (agrícola) e do agricultor que lida com o agrotóxico.

‘DESTRAVAR A ECONOMIA’

Empresários do meio rural, no entanto, consideram lento o ritmo de liberação. O diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef ), Mário Von Zuben, defendeu, além da aprovação de genéricos, a entrada de novas fórmulas de agrotóxicos.

—A agricultura brasileira está ficando para trás em termos de competitividade. Essas novas tecnologias também trazem benefícios sob o ponto de vista da redução (do uso de agrotóxicos) —opinou o dirigente.

O diretor da Anvisa, por sua vez, defende a importância de se seguir critérios científicos.

— Queremos acabar com afila em todas as áreas, não só ade agrotóxicos. Não há porque travara economia. Temos um padrão de entrada. Se colocarmos cinco a quatro produtos por ano, temos que avaliar (esse desempenho) — pondera Porto.

Segundo a agência, há duas fórmulas inéditas já avaliadas pelo corpo técnico que foram submetidas ao processo de consulta pública: o Fluopiram e o Dinotefuram. Apenas o primeiro foi aprovado pela União Europeia, cujas diretrizes são consideradas as mais rígidas no setor.

No processo de consulta, ainda segundo o órgão, a sociedade pode contribuir com discussões em torno da eventual inclusão dos produtos no mercado brasileiro. O debate vai seguir intenso.

* Estagiário sob orientação de Marco Aurélio Canônico