O globo, n.31435, 31/08/2019. País, p. 06

 

Contra anulações de sentenças 

Aguirre Talento

31/08/2019

 

 

Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, decisão da Segunda Turma do Supremo que beneficiou o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine ameaça provocar um efeito cascata em outros casos da Lava-Jato, com a anulação de condenações.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar um efeito dominó da decisão da Segunda Turma da Corte, que, na última terça-feira, anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine na Lava-Jato. Além de se posicionar contra o entendimento da Segunda Turma —que invalidou a condenação por entender que réus não delatores têm direito de apresentar alegações finais nos processos apenas depois dos que fizeram delação —, Dodge defendeu que novos pedidos de anulação com o mesmo argumento só sejam apreciados pelo Supremo depois que o plenário julgar o mérito da questão. Para a procuradora-geral, não existe previsão legal para que os réus se pronunciem só após os réus delatores. Dodge argumenta que o Código de Processo Penal (CPP) “é claro ao estabelecer prazo comum aos corréus

para apresentarem contrarrazões, sem fazer distinção entre colaboradores e não colaboradores”. Ela lembrou que os juízes de todo o país, e não apenas os de casos da Lava-Jato, têm dado prazo igual para todos os réus. “Justamente diante da clareza dessa previsão legal, o procedimento usualmente adotado no curso de ações penais que tramitam não apenas perante a 13ª Vara da SJ/PR, mas também perante outros Juízos, tem sido o de, aplicando-se o CPP, conceder-se prazo comum aos corréus. Essa tem sido a praxe, conforme esta PGR pôde aferir a partir de informações obtidas junto a procuradores da República de todo o país”, escreveu.

INSEGURANÇA JURÍDICA

A procuradora-geral argumenta ainda que os Tribunais Regionais Federais e o Superior Tribunal de Justiça têm firmado o entendimento de que não existe diferenciação no prazo das alegações finais entre colaboradores e réus comuns. E que esses tribunais têm por praxe negar recursos apresentados com esse argumento. Dodge alerta que o novo entendimento “possui o potencial de afetar as centenas de condenações penais” referentes a diversos crimes em diversas operações, e não apenas na Lava-Jato. “Até mesmo condenações transitadas em julgado (cujos recursos já se esgotaram) podem, em tese, ser impactadas pela via da revisão criminal”, afirmou a PGR. Dodge apresentou a argumentação em resposta a dois novos pedidos protocolados no STF por réus que solicitavam se beneficiar do mesmo entendimento do caso Bendine e obter a anulação de suas sentenças. Para evitar uma sensação de “insegurança jurídica”, a PGR pediu ao Supremo que suspenda a análise de novos casos até que o plenário da corte analise o tema. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, decidiu levar o assunto para ser analisado no plenário em um outro habeas corpus, o que poderia reverter o entendimento da Segunda Turma. Fachin decidiu levar para o plenário o pedido de anulação da sentença do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, para que o tema seja submetido à apreciação dos 11 ministros da corte.

Outro argumento apresentado por Dodge tem o potencial de minimizar os riscos de um efeito dominó de anulação de diversas sentenças da Lava-Jato. Para a PGR, só seria possível aplicar o precedente caso o réu tenha apresentado esse mesmo argumento na primeira instância. Se o recurso fosse feito apenas ao STF, sem que o réu tenha requerido anteriormente apresentar as alegações finais após os delatores, não caberia aplicar o precedente, afirmou Dodge.

Essa alternativa também já foi cogitada entre os ministros do STF, de modo a evitar que a anulação da condenação de Bendine se repita em centenas de outros casos. Ainda não há, no entanto, definição de quando o presidente da Corte, Dias Toffoli, incluirá na pauta do plenário essa discussão.

Em pelo menos uma outra questão controversa que pode afetar a Lava-Jato, caso da execução de pena já a partir da condenação em segunda instância, Toffoli tem adiado a análise pelo plenário, mesmo sob protesto de alguns ministros. Até lá, novos pedidos de anulação de condenação com base no caso Bendine devem chegar ao Supremo. Nos dois específicos que já estão na Corte e motivaram a manifestação de ontem de Dodge, a PGR se posicionou pelo indeferimento do pedido. Os réus que requereram a anulação são Gerson Almada, ex-executivo da Engevix, e Djalma Rodrigues de Souza, ex-diretor da Petroquisa.