O globo, n.31435, 31/08/2019. Sociedade, p. 30
Mata aberta
Marco Grillo
31/08/2019
Operação do Ibama flagrou pista de pouso de aeronaves e amplas áreas desmatadas dentro de território indígena no sudeste do Pará, informa o enviado MARCO GRILLO .Segundo fiscais do instituto, suspeita é que madeireiras e garimpo ilegais estejam por trás da ação, feita recentemente.
Uma operação do Ibama localizou amplas áreas de desmatamento e até uma pista de pouso e decolagem dentro do território indígena Ituna Itatá, em Senador José Porfírio, no sudeste do Pará, em meio à Floresta Amazônica.
Os vestígios deixados pelas máquinas no chão indicam que a ação dos invasores é recente e tem se intensificado, segundo fiscais que participaram da ação. O GLOBO os acompanhou na tarde de anteontem. Na lateral da pista de terra batida, havia uma construção de madeira abrigando um banheiro e duas caixas d’água, uma delas com capacidade para 5 mil litros — elas foram furadas pelos agentes, para que não voltem a ser usadas.
Nas proximidades da pista —que tem cerca de dois quilômetros de extensão e 20 metros de largura —, uma estrada foi aberta, usando um equipamento conhecido como trator esteira. Centenas de troncos de árvores estavam pelo chão e já havia madeira serrada, pronta para ser levada embora. A suspeita é que a área tenha sido derrubada para facilitar a atuação ilegal de madeireiras e garimpeiros na região. Outra hipótese é que o local seja usado para a decolagem de aeronaves que vão semear áreas de pasto próximas. Segundo o Ibama, 400 hectares do território foram desmatados só neste ano — a área total aproximada é de 142 mil hectares. Entre janeiro e agosto de 2019, já foram identificados 12.057 focos de incêndio na floresta no Pará, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número é 147% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado.
BALSA E 4 HORAS DE CARRO
Uma análise preliminar indicou que a pista poderia receber aviões com capacidade para levar entre 10 e 15 passageiros. A estrutura facilitaria o transporte de combustível usado nas queimadas, motosserras, além dos próprios funcionários contratados para o serviço.
Para chegar até o local, é necessário fazer uma travessia de balsa que dura 45 minutos, a partir de Altamira, também no Pará. Depois, são mais quatro horas de carro em uma estrada de terra. Vinte agentes do Ibama e da Força Nacional de Segurança participaram da operação. — Houve um crescimento vertiginoso do desmatamento neste ano, movido pela grilagem. Essa pista de pouso dá suporte para a atuação. Se fosse uma guerra, seria destruída imediatamente — comparou o analista ambiental Govinda Terra, que integrou a equipe do Ibama. Os agentes estavam em busca dos tratores usados no desmatamento, mas eles não foram encontrados. Imagens do sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, mostram a expansão das derrubadas em direção a áreas ainda preservadas, o que indica que as máquinas estariam nesses limites. Uma equipe sobrevoaria o território na tarde de ontem para identificar a localização exata das máquinas. A orientação é que elas sejam destruídas quando localizadas. — Nosso trabalho é achar as frentes de desmatamento e interrompê-las — resumiu o coordenador de operações de fiscalização do Ibama, Hugo Loss.
‘LAVANDERIA’ É ENCONTRADA
Também dentro da área indígena, trechos desmatados tinham acampamentos de lona e palha e um espaço com uma “lavanderia” — roupas ainda estavam penduradas no varal —, usada pelos homens contratados pelos grileiros.
Os fiscais também encontraram uma casa, onde estavam um agricultor, sua mulher e um filho. O trabalhador disse ter chegado há três meses ao local, e que estaria a serviço de um homem que está “querendo mexer com cacau” e, por isso, está avançando dentro do território reservado aos índios. Ainda de acordo com o agricultor, seu patrão construiu a pista porque é “muito ocupado” e precisa de agilidade quando visita a região nos fins de semana. Uma motosserra foi apreendida no imóvel.
Dois outros funcionários que chegaram ao local enquanto a operação estava em andamento disseram que estão construindo uma casa para o “patrão”, que rebatizou a área de Fazenda Novo Horizonte. Chamado de “comandante” em Altamira, ele é piloto de avião e presta serviços para fazendeiros e empresas da região.
RESTRIÇÕES À OCUPAÇÃO
Um povo indígena isolado vive no território Ituna Itatá. As restrições à ocupação da região vêm sendo renovadas sucessivamente desde 2011, por meio de portarias da Funai. A mais recente, de janeiro deste ano, estende o período por mais três anos e proíbe a “exploração de qualquer recurso natural existente na área”. A presença de pessoas estranhas também é vedada. A portaria é o passo inicial do procedimento de demarcação de terras, que exige estudos antropológicos e a palavra final do presidente da República.
Fontes ouvidas pela reportagem relataram que o avanço do desmatamento nesta região coincide com a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a expectativa de que a portaria que estabelece os limites da área não fosse renovada — a anterior expiraria em meados de janeiro. Perto do prazo final, o documento foi reeditado pelo então presidente da Funai, Franklimberg de Freitas. Em junho, ele foi demitido do cargo e afirmou que o principal conselheiro de Bolsonaro para o assunto era o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, que, segundo ele, “saliva ódio aos indígenas”. Garcia retrucou e disse que Freitas saiu do governo por “incompetência”.