O Estado de São Paulo, n. 46014, 11/10/2019. Economia, p. B3

 

EUA apoiam Brasil, mas indicam Argentina na OCDE

Beatriz Bulla

Lorenna Rodrigues

11/10/2019

 

 

País fala em ‘critério cronológico’ para endossar entrada de outras nações; Bolsonaro disse que nunca houve cronograma estabelecido

Carta. EUA farão esforços para facilitar acesso, diz Pompeo

Os Estados Unidos disseram manter o apoio à entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas não se pronunciaram sobre o prazo no qual o apoio formal ao processo de entrada do País deve acontecer. A manifestação aconteceu depois de a agência de notícias ‘Bloomberg’ revelar carta na qual o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, se posiciona a favor da entrada da Argentina e da Romênia no grupo, sem citar o Brasil.

Um porta-voz da área assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado afirmou que os EUA “continuam a manter a declaração” de 19 de março, quando o presidente Donald Trump “afirmou claramente o apoio ao Brasil para iniciar o processo e se tornar um membro pleno da OCDE”.

Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro havia dito ao Estado que nunca houve compromisso formal dos EUA de apoiar a candidatura do País à OCDE neste momento, muito menos cronograma estabelecido.

Em um comunicado divulgado no início da noite, Pompeo também afirmou que a carta “não representa de forma precisa a posição dos EUA a respeito da expansão da OCDE”. “Somos apoiadores entusiasmados da entrada do Brasil”, escreveu Pompeo, que disse ainda que os EUA “farão esforços para apoiar o acesso” do País à OCDE.

Tanto o governo americano quanto diplomatas brasileiros afirmaram que o processo do Brasil é recente, está atrás da fila de outros países com os quais os EUA já tinham se comprometido, e o processo do País segue. O comprometimento de Trump com a candidatura da Argentina aconteceu em agosto de 2017, com a visita de Maurício Macri – com quem o americano mantém bom relacionamento – à Casa Branca.

“O processo está caminhando em um ritmo absolutamente normal”, disse Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da EASP/FGV. “Os EUA nunca disseram quando seria o apoio oficial.” Para ele, porém, o próprio governo criou expectativas irreais. “O governo brasileiro colocou muita expectativa na narrativa de que uma amizade pessoal entre os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro seria capaz de resolver todos os obstáculos. Mas timing da diplomacia não é das redes sociais”, afirmou.

A avaliação das fontes é que a questão pode se resolver no ano que vem, quando está prevista a escolha do novo secretário-geral. O governo Trump trava uma queda de braço com o atual secretário-geral, Angel Gurría, e é contrário ao crescimento do número de membros. Os norteamericanos tentam balancear forças dentro da organização frente aos europeus e, por isso, se opõem à entrada simultânea de todos candidatos.

Concessões. Desde que se aproximou dos EUA, o governo Bolsonaro vem fazendo concessões ao país em troca do apoio à adesão brasileira à OCDE. Em março, durante a visita em que Trump prometeu o apoio pela primeira vez, o Brasil acabou com a exigência de visto para que norte-americanos entrem no País. A ação foi unilateral, ou seja, os EUA continuaram exigindo vistos de brasileiros, o que é incomum na diplomacia.

Em setembro, o governo brasileiro concordou em elevar a cota de importação de etanol beneficiando norte-americanos. A decisão foi entendida como contrapartida do Brasil para que os EUA abrissem mercado para o açúcar nacional, mas nada nesse sentido foi anunciado. O Brasil também prometeu renunciar a tratamentos especiais de país em desenvolvimento em negociações com a Organização Mundial do Comércio (OMC), etapa necessária à adesão.

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Entrevista - Rubens Ricupero; 'Estamos colhendo a humilhação pública depois de todo festejo'

Luciana Dyniewicz

11/10/2019

 

 

Ex-ministro da Fazenda afirma que governo Trump não é confiável e promessa de apoio saiu após uma ‘conversa’

‘Estamos colhendo a humilhação pública depois de todo festejo’

Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador nos EUA

Para Rubens Ricupero, ex-embaixador nos EUA e ex-ministro da Fazenda, a promessa de apoio dos EUA ao Brasil na candidatura à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi feita de modo improvisado e não haverá surpresa se Donald Trump não cumprir com a palavra que deu ao presidente Jair Bolsonaro. “Trump não é confiável.” O diplomata é contra a adesão do País à OCDE Leia a entrevista.

É surpresa a Argentina ter sido indicada antes do Brasil?

Os americanos fizeram essa promessa (de apoio ao Brasil) numa conversa, sem uma negociação calma, levando em conta as consequências. O que se vê agora é que o Brasil trocou algo concreto (o status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio) por um vazio (a promessa de apoio na OCDE), como a maioria do que foi anunciado naquela visita (de Bolsonaro aos EUA). Não surpreende, porque o governo Trump não é confiável. Se estão dispostos a abandonar os curdos, que deram o sangue para ajudar os americanos contra o Exército Islâmico, imagina se iriam ser fiéis ao Brasil, que não fez por eles nada que precisem agradecer.

O que o Brasil perde sem ter recebido a indicação agora?

Minha posição é contrária ao ingresso na OCDE. Essa é uma antiga aspiração dos economistas liberais. Somos um país subdesenvolvido e não é por entrar na OCDE que vamos deixar de ser. O Brasil tem de ter sua posição internacional ao lado de outros países em desenvolvimento. Nas questões de comércio mundial, as regras são muito desequilibradas. De- vemos invocar o fato de que nossa economia está longe de ser avançada e, por isso, não te- mos condições de fazer concessões que se exigem dos outros. É balela dizer que o ingresso na OCDE garante um selo de boas políticas econômicas. A Grécia, que faliu, é um membro.

Pode realmente haver uma expansão dos membros da OCDE?

Os EUA não querem uma expansão rápida porque representaria o ingresso de muitos candidatos apoiados pelos eu- ropeus. Eles dizem que uma ampliação rápida transformara a OCDE em uma organização de padrões mais baixos. Acho um erro completo querer in- gressar. Agora, estamos colhen- do essa humilhação pública de- pois de terem feito todo esse festejo (quando foi anunciado o apoio dos EUA). Além do mais, isso é perda de tempo, porque duvido que França e Alemanha deixem de criar difi- culdades no ingresso do Brasil. Para ingressar na OCDE, o país tem de estar de acordo com as regras cambiais, de movimento de capitais, de meio ambiente. Tem um comitê muito forte na OCDE de políti- cas ambientais. Não vejo como o Brasil poderia passar nesse comitê com o que está aconte- cendo na Amazônia.

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Entrevista - Rubens Barbosa: 'Para o Brasil é ruim, pois atrasa o processo de adesão'

Luciana Dyniewicz

11/10/2019

 

 

Ex-embaixador diz que países não têm amigos e sim interesses e que os EUA fizeram o que é conveniente para eles

‘Para o Brasil é ruim, pois atrasa o processo de adesão’

Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos EUA

O fato de o Brasil não ter sido indicado agora pelos EUA para a OCDE mostra que os americanos priorizarão seu interesse de não aumentar o número de membros do bloco. “Os países não têm amigos, têm interesses. Como era mais fácil os EUA seguirem seu interesse? Indicando a Argentina (...), que não poderá cumprir os compromissos exigidos pela OCDE”, disse o ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa. A seguir, trechos da entrevista.

A Argentina havia pedido apoio dos EUA antes do Brasil. Era natural que fosse indicada antes?

Minha interpretação é que, como o pedido da Argentina era mais antigo e o país está em uma situação muito ruim, não vai entrar tão cedo na OCDE, resolveram apoiar a Argentina. Os EUA são contra o aumento do número de países membros da OCDE. Se apoiassem o Brasil, que já está aderindo a convenções da organização, seria um processo mais rápido. Isso não quer dizer que, no futuro, os EUA não venham a apoiar o Brasil. Agora, tudo isso mostra que os países não têm amigos, têm interesses. Os EUA colocaram em primeiro lugar o interesse deles, que é não aumentar o número de países. Como era mais fácil seguir o interesse deles? Indicando a Argentina, que está muito debilitada. Ela não vai poder cumprir os compromissos que são exigidos dos países que pretendem entrar na OCDE. O que ficou meio negativo foi os EUA terem preterido o Brasil pela Argentina na situação atual da Argentina.

A estratégia americana então é não mexer no bloco, apesar da indicação?

Você pode interpretar isso. Como eles são contra o aumento, colocaram dois países que terão dificuldade de cumprir as regras. Para o Brasil é ruim. Atrasa o processo de adesão.

Quando pode haver nova indicação de países?

É de tempos em tempos, mas não sei se há um cronograma.

O fato de o Brasil ter sido preterido indica que o País trocou o certo, o status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), pelo extremamente duvidoso?

Isso mostra o que disse antes, que os países não têm amigos, têm interesses. Você tem de defender o seu interesse. O Brasil não abriu mão do status de país em desenvolvimento. O que o Brasil concordou com os americanos foi abrir mão do tratamento especial e diferenciado, que é muito localizado na questão dos acordos comerciais, como tempo especial (para se adequar a uma norma ). Agora, como os EUA não cumpriram isso, o Brasil pode voltar atrás também se quiser. Acho que o Brasil não vai fazer isso, mas pode. Se não houve o apoio ao Brasil agora – e eu não vejo num futuro próximo o pedido de o Brasil ser atendido –, aí o País fica livre para modificar essa posição.