O Estado de São Paulo, n. 46014, 11/10/2019. Política, p. A12

 

Bolsonarismo domina conferência de direita

Ricardo Galhardo

11/10/2019

 

 

Evento realizado hoje e amanhã em São Paulo é financiado pelo instituto Indigo, a fundação do PSL, que recebe recursos públicos

Ceia. Matt Schalpp discursa em jantar nos EUA, em março

O Brasil entra no circuito mundial da direita com a realização da CPAC (Conservative Political Action Conference), o maior evento conservador dos EUA, pela primeira vez no País, hoje e amanhã, em São Paulo. Diferente da matriz, que abre espaço para diversos setores da direita, a versão brasileira será circunscrita ao bolsonarismo.

O protagonismo será da chamada “ala ideológica” ligada ao escritor Olavo de Carvalho. Possíveis adversários do presidente Jair Bolsonaro no campo conservador, como os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), não vão participar. A pessoas próximas, Doria chegou a demonstrar interesse, mas não foi convidado. Witzel, segundo a organização do evento, alegou dificuldades de agenda. Ambos são vistos pelo Planalto como possíveis adversários de Bolsonaro na eleição de 2022.

O presidente é esperado na abertura do evento. Assessores dizem que ele deve usar a conferência para dialogar com seu eleitorado mais fiel e pode radicalizar o discurso. O presidente do PSL, Luciano Bivar, teve o nome excluído da lista de participantes anteontem, em meio à disputa com Bolsonaro pelo controle do partido.

Dos quatro ministros que vão participar das mesas, apenas Onyx Lozenzoni (Casa Civil) não foi indicado por Olavo. Os outros são Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e Abraham Weintraub (Educação).

A realização da conferência no Brasil é parte de uma tentativa de expansão global da ação política conservadora. Antes restrita aos EUA, onde é feita desde 1973, este ano a CPAC terá versões também na Austrália, Coreia do Sul, Japão e Irlanda.

Ao todo a conferência terá 27 palestrantes, nove deles estrangeiros. Os destaques são Matt Schalpp, presidente da American Conservative Union (ACU, União Conservadora Americana em inglês); e o senador republicano Mike Lee, que já foi chamado de “o senador mais conservador dos EUA”.

Cofres públicos. A expectativa dos organizadores brasileiros, liderados por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), é reunir cerca de 1.200 pessoas nos dois dias de evento. No Brasil a participação é gratuita, ao contrário dos EUA, onde os ingressos custam de US$ 55 (R$ 226) a US$ 5.750 (R$ 23,6 mil).

A organização é da ACU e da fundação Instituto de Inovação e Governança (Indigo). Vinculado ao PSL, o instituto vai arcar com todos os custos, sem patrocinadores. O Indigo é financiado com verbas do Fundo Partidário, ou seja, dos cofres públicos. No ano passado recebeu cerca de R$ 1,8 milhão. Este ano, com o crescimento do PSL, a expectativa é que o Indigo receba R$ 16 milhões. O presidente do instituto é Sergio Bivar, filho de Luciano. Segundo a assessoria da CPAC Brasil, ele não participa da organização. Sergio foi procurado mas não respondeu. A organização não divulgou o custo do evento mas informou que “haverá transparência total tão logo finalizadas todas as despesas”.

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Relator porpõe vetar indicações políticas no 'novo Coaf'

Breno Pires

11/10/2019

 

 

Possibilidade de pessoas de fora integrar o órgão, rebatizado de UIF, foi incluída na medida provisória pelo governo

O relator da medida provisória que transferiu o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central, deputado Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR), propôs a anulação de uma modificação que poderia dar margem a indicações políticas no órgão.

A possibilidade de pessoas de fora do governo integrar a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) - como foi rebatizado o Coaf foi incluída pelo governo na MP.

A transferência do órgão de inteligência para a estrutura do Banco Central, ligado ao Ministério da Economia, foi considerada uma derrota para o ministro da Justiça, Sérgio Moro. O ex-juiz havia requisitado o. controle do conselho com a alegação de que ajudaria no combate à corrupção. A mudança de pasta foi determinada pelo Congresso, com o aval do Planalto.

Em seu relatório, Stephanes Junior mantém a UIF na estrutura do Banco Central, contrariando a posição do presidente da comissão, senador José Serra (PSDB-SP).

No caso do veto a indicações de fora do governo, porém, há consenso. Ao menos nove emendas de parlamentares propunham restringir a composição do órgão. Um dos argumentos mais citados para derrubar as indicações externas é que é arriscado dar acesso a informações delicadas a pessoas sem vínculos com o serviço público.

Essa regra, segundo parlamentares, poderia comprometer o trabalho de todo o sistema de combate e prevenção à lavagem de dinheiro, terrorismo, tráfico de armas e demais crimes tipificados na legislação.

O governo nega que a medida provisória abra brecha para indicação política. O presidente do

Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em agosto, à época em que a medida foi editada, que a intenção era permitir que pessoas especializadas na área de tecnologia fossem chamadas para trabalhar no órgão de inteligência. Em audiência no Senado, no entanto, ele admitiu que a redação do texto "não foi a ideal".

Para Stephanes Junior, o Coaf estava funcionando bem com funcionários de carreira, o que não justificaria a mudança.

"Houve críticas de que a mudança traria margem a interferência política. Eu nem via tanto isso, mas, como existe um consenso na comissão e para aprovar relatório mais facilmente e deixar todo mundo satisfeito, acatei as emendas que tratavam do mesmo assunto", disse.

Derrota. A existência de um consenso para desfazer a mudança introduzida pela MP foi reconhecida pela vice-líder do governo na Câmara, Bia Kicis (PSL-DF). Ela não vê, no entanto, como uma derrota do governo a retomada do texto original, que só permitia presença de servidores públicos efetivos no conselho deliberativo.

O mais importante, para ela, é que o órgão fique no Banco Central. "O relatório é favorável à criação da UIF, ficando no Banco Central. Isso é o principal, porque respeita a vontade do Executivo, que· é quem tem de determinar onde fica cada órgão", disse a parlamentar.