O globo, n.31362, 19/06/2019. País, p. 04

 

Freios e contrapesos 

Daniel Gullino

Bruno Góes 

19/06/2019

 

 

Senado derruba decreto das armas, e votação vai continuar na Câmara

Apesar de uma intensa pressão pública do presidente Jair Bolsonaro, o plenário do Senado aprovou ontem projetos que derrubam os decretos que flexibilizam a posse e o porte de armas. Foram 47 votos favoráveis e 28 contrários. A decisão ainda precisa passar pela Câmara para ter validade. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem ver pontos inconstitucionais na medida. Após a votação, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoi, minimizou o resultado e disse que ainda há “muito chão pela frente”.

Os decretos buscaram abrir brechas no Estatuto do Desarmamento e, entre outros pontos, facilitaram a concessão do porte a 20 categorias profissionais

e aumentaram de 50 para até 5 mil o número de munições que o proprietário de arma de fogo pode comprar anualmente. Também foi alterada a definição de armas de uso restrito, facilitando o acesso a modelos antes apenas destinados a forças de segurança, como determinados tipos de pistolas.

A estratégia de Bolsonaro de pressionar os senadores provocou reclamações em plenário. Parlamentares relataram ter recebido até ameaças, o que fez o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), defender a independência da Casa.

— Acho que o Senado Federal, no dia de hoje, dá uma demonstração de maturidade política e de grandeza. As suas manifestações foram livres, com convicção de cada um —discursou.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP) leu em plenário mensagens que lhe foram enviadas, como uma recomendando que os parlamentares “tomem vergonha na cara”. Otto Alencar (PSD-BA) criticou os “robôs do Major Olimpio”, em referência ao líder do PSL, que rebateu as críticas.

— O povo brasileiro tem que acompanhar, sim, como vota cada um — respondeu Olimpio.

Responsável pelo parecer vencedor, Veneziano Vital do Rego (PSB-PB) afirmou que o governo extrapolou suas funções e deveria ter enviado um projeto de lei:

— Esse tema poderia estar sendo debatido da forma como constitucionalmente assim é exigido. Tudo isso que foi falado poderia já ter sido antecipado se o governo federal reconhecesse, através de uma proposta cabível, a discussão por meio de um projeto de lei ordinária.

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) fez uma defesa enfática, dizendo que o decreto apenas concede mais “transparência e objetividade” ao processo:

— Um delegado da Polícia Federal olha para você e diz se você pode ou não comprar uma arma. Ele pode ou não dizer se você tem efetiva necessidade ou não. Se um delegado da Polícia Federal pode, por que um superintendente da PF não pode? Por que o Ministro da Justiça não pode? Por que o Presidente da República não pode, em um decreto, trazendo transparência e objetividade? Não pode? É óbvio que ele pode.

BRECHAS DE MAIA

Antes da votação, Rodrigo Maia disse que iria aguardar a decisão do Senado para tomar qualquer iniciativa, mas adiantou que vê pontos constitucionais e inconstitucionais nos decretos:

— Eu acho que no decreto há partes constitucionais. Parte do CAC (caçador, atirador, colecionador) é constitucional. A parte que trata (da concessão) do porte de acordo com as profissões, de acordo com o meu ponto de vista e da assessoria da Casa, é inconstitucional. (Podemos) até aprovar aprovar um projeto de lei que trata do CAC e derrubar o decreto.

O presidente da Câmara disse ainda considerar um trecho sobre o porte rural inconstitucional. Ele afirma que a Câmara pode votar um projeto de lei sobre o assunto, além de outra proposta que acabaria com “discricionariedade” de policias federais na concessão da posse de arma.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bolsonaro quer que PF não dificulte acesso a armas 

Jussara Soares 

Gustavo Maia 

19/06/2019

 

 

Horas antes do revés no Senado, presidente disse que pretende atenuar avaliação da Polícia Federal para concessão de posse

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que vai determinar à Polícia Federal que não dificulte o acesso a quem queira ter armas em casa. A declaração foi feita pouco antes de o Senado votar os decretos editados em maio que flexibilizaram a posse e o porte de armas. Bolsonaro disse não ter plano B caso a medida adotada perca mesmo a validade.

— Não tem plano B. Não, não... Olha só, algumas coisas... a Polícia Federal está sob meu comando. No Brasil, o grande “reclamo” do pessoal do passado era que a PF, na questão da efetiva necessidade, tinha dificuldade. Isso vai ser atenuado porque vou determinar junto ao ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que tem a PF abaixo dele, para a gente, não é driblar, mas é não dificultar quem quer por ventura ter arma em casa — disse Bolsonaro a jornalistas no Planalto.

O presidente voltou a relacionar o desarmamento a regimes totalitários. No fim de semana, ele defendeu armar a população como modo de evitar golpes.

— Eu tenho conversado com os senadores e tem aquele pessoal de esquerda que é sempre contra, né? Toda boa ditadura é precedida de desarmamento. O povo da Venezuela não teve como reagir. Se tivesse, não estaria acontecendo tudo aquilo —argumentou.

Bolsonaro mencionou novamente que não está descumprindo uma lei, mas “respeitando a decisão do povo em 2005 quando decidiu pelo direito de comprar armas e munições”:

— Queremos que o legítimo direito de defesa seja exercido por todos aqui no Brasil. Por outro lado, a bandidagem está muito bem armada. Eu acho que quem quer ter uma arma em casa, não tem problema nenhum. E a arma é legal, tem o nome, tem o número, tem o registro e, se algo de errado acontecer com aquela arma, o dono vai se responsabilizar.

Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro fez um apelo a deputados e senadores para que não deixassem os dois decretos sobre armas “morrer” na Câmara ou no Senado. Disse também que nada poderia fazer em uma eventual derrota do texto:

—Não sou ditador, sou democrata, pô.