O globo, n.31362, 19/06/2019. Economia, p. 19
Segurança é incógnita para moeda do Facebook
Sérgio Matsuura
19/06/2019
Rede social quer usar a Libra para beneficiar 1,7 bilhão de pessoas fora do sistema bancário. Escândalo de vazamento de dados, porém, ainda pesa sobre a rede social. Golpes e fraudes são outra preocupação
As criptomoedas não são uma novidade: o bitcoin foi criado há uma década, e atualmente há 2.238 moedas eletrônicas, com patrimônio total de R$ 1 trilhão, segundo o site CoinMarketCap. Mas elas ainda estão restritas a um grupo pequeno de investidores. Por isso, especialistas avaliam que a Libra, apresentada ontem pelo Facebook, tem potencial para mudar radicalmente este cenário e tornar as criptomoedas populares. No entanto, preocupações com segurança, principalmente de dados pessoais, podem travar essa popularização.
—Essa moeda do Facebook veio para dar credibilidade às moedas eletrônicas — avalia Simone Abravanel, diretora executiva do Pitaia Bank, fintech que visa a fomentar a adoção das criptomoedas como meio de pagamento.
Segundo o Facebook, o objetivo da Libra, que será lançada no ano que vem, é desenvolver uma “moeda global simples e a infraestrutura financeira que empodere bilhões de pessoas.” O foco está no 1,7 bilhão de pessoas — 31% da população global — que não têm acesso ao sistema bancário. A rede social, por sua vez, tem cerca de 2,4 bilhões de usuários ativos, e ainda controla o WhatsApp.
— Muitos usuários do Facebook estão em países onde há barreiras de acesso aos bancos ou ao crédito — afirma Tomer Barel, vice-presidente da Calibra, subsidiária criada pelo Facebook para desenvolver uma carteira virtual para a Libra.
INSPIRAÇÃO CHINESA
Com parceiros de peso como Visa, Mastercard, Stripe, eBay, Uber, Spotify, PayPal e MercadoPago, a transferência de dinheiro entre pessoas será apenas o primeiro passo. De acordo com o site da Calibra, a Libra poderá ser usada diretamente nos aplicativos WhatsApp e Facebook Messenger, mas também em transações como “comprar um café, ir ao supermercado ou usar o transporte público”. A ideia é que os usuários convertam moedas locais, como o real e o dólar, em Libras e, com a carteira digital, façam uso delas em transferências e pagamentos.
Esse modelo já se mostrou bem-sucedido na China, onde o aplicativo de mensagens WeChat, da Tencent, é também um popular sistema de pagamentos.
— O projeto do Facebook não chega a ser uma cópia, mas é uma tentativa de fazer no Ocidente o que o WeChat faz na China — diz Augusto Santos, cofundador do Pitaia Bank.
Uma barreira que a Libra enfrentará é a segurança. Ainda não é fácil convencer as pessoas a colocarem seu dinheiro em carteiras digitais, ainda mais entre o público-alvo da empresa, de pessoas excluídas do sistema bancário e, provavelmente, com menos contato com as novas tecnologias.
Há ainda a questão da confiança no Facebook, que vem sofrendo o escrutínio de governos na Europa e nos Estados Unidos desde o escândalo de uso de dados dos internautas em eleições. O colunista Dave Smith, do site Business Insider, afirmou ontem em artigo que não confia o suficiente no Facebook para lhe ceder seus dados financeiros.
Outro problema é a possibilidade de fraudes. Para tentar evitá-las e impedir que a Libra seja usada na compra de drogas e armas em mercados ilegais, os usuários terão de apresentar um documento de identificação.
— Os golpes e fraudes existem desde que o dinheiro foi inventado — diz Rodrigo Batista, fundador da nTokens.com. —As pessoas precisam aprender a distinguir o que é legítimo do que é golpe.