O globo, n.31370, 27/06/2019. País, p. 08

 

Militar levava 39kg de cocaína em avião da FAB

Gustavo Maia 

Juliana Castro 

Juliana Dal Piva 

Jussara Soares 

Brundo Abbud 

27/06/2019

 

 

Lotado no Comando da Aeronáutica, sargento está preso na Espanha e era comissário de bordo da equipe de apoio da viagem de Bolsonaro ao Japão. Presidente estava em outra aeronave e vê caso ‘inaceitável’

Atuando como comissário de bordo da equipe de apoio da comitiva presidencial da viagem de Jair Bolsonaro ao Japão, o segundo-sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues, de 38 anos, foi preso no aeroporto de Sevilha, na terça-feira, por suspeita de tráfico de drogas.

Em sua bagagem, a guarda civil espanhola encontrou 39 quilos de cocaína distribuídos em 37 pacotes. A Justiça de Andaluzia determinou sua detenção provisória, e ele segue no país europeu.

Rodrigues viajava num avião da Presidência com o “escalão avançado” da comitiva, formado por seguranças e outros servidores que preparariam a chegada de Bolsonaro ao Japão para o encontro dos países do G-20. O presidente viajou em outra aeronave, que também faria escala em Sevilha, mas mudou a trajetória para Lisboa.

O episódio gerou desconforto no comando das Forças Armadas e na Presidência. Em mensagem numa rede social, Bolsonaro classificou como “inaceitável” o ocorrido. “Apesar de não ter relação com minha equipe, o episodio de ontem, ocorrido na Espanha, é inaceitável. Exigi investigação imediata e punição severa ao responsável pelo material entorpecente encontrado no avião da FAB. Não toleraremos tamanho desrespeito ao nosso país!”, escreveu.

VIAGENS DESDE 2011

Rodrigues acompanha comitivas presidenciais ou equipes de apoio desde 2011. Segundo levantamento do GLOBO, ele já participou de ao menos 34 viagens acompanhando autoridades de Estado brasileiras.

Em 27 de fevereiro, esteve em viagem de Jair Bolsonaro até São Paulo, local em que o presidente foi para fazer exames. O Portal da Transparência relaciona 28 viagens oficiais de Rodrigues dentro do Brasil, a destinos como Recife, Rio, São Paulo e Maceió.

O militar já recebeu R$ 17.292,14 em diárias de viagens nacionais entre 2014 e 2019. Em 11 ocasiões, entre 2017 e este ano, a unidade orçamentária pagadora é a Presidência da República. Uma das viagens foi com a equipe de apoio da ida da então presidente Dilma Rousseff a Juazeiro do Norte (BA) e Cabrobró (PE), durante visitas às obras de transposição do rio São Francisco, em maio de 2016. O sargento viajou também ao menos seis vezes ao exterior: Argentina (duas vezes), Paraguai, Uruguai, Chile e Cabo Verde.

Lotado no Comando da Aeronáutica, Rodrigues recebe atualmente um salário bruto de R$ 7.298,10. O valor do material que carregava em sua bagagem de mão, porém, era muito superior. De acordo com dados do Escritório para Drogas e Crime da Organização das Nações Unidas (UNODC), os 39 quilos de cocaína poderiam ser vendidos na Espanha por cerca de 5,8 milhões de euros (equivalente a R$ 16,6 milhões). No país, um quilo de cocaína, se vendido no varejo, chega a R$ 246 mil (ou US$ 64 por grama), segundo a ONU. No atacado, o valor pode chegar a R$ 148 mil (ou US$ 38.586).

O GLOBO não conseguiu contato com a defesa do sargento Rodrigues.

O caso foi noticiado por diversos veículos da imprensa internacional. No tribunal espanhol, Rodrigues vai responder por delito contra a saúde pública, uma categoria que inclui o tráfico de drogas na legislação local. No Brasil, o Comando da Aeronáutica informou que vai abrir um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar as circunstâncias do episódio. A nota reconhece ainda a necessidade de aprimorar o controle para coibir crimes cometidos por seus servidores: “medidas de prevenção a esse tipo de ilícito são adotadas regularmente. Em vista do ocorrido, essas medidas serão reforçadas”, diz a Força.

O vice Hamilton Mourão, presidente em exercício com a viagem de Bolsonaro, chegou a afirmar, ontem pela manhã, que Rodrigues voltaria de Sevilha no avião do presidente Jair Bolsonaro, no retorno da viagem ao Japão. A informação foi desmentida pela Força Aérea Brasileira (FAB) e, à noite, Mourão se corrigiu. O presidente em exercício definiu o sargento como uma “mula qualificada”, e defendeu punição dura.

—Ele incorreu em crime, o crime dele é um crime militar, mas também pode ser enquadrado em tráfico internacional de drogas. Então ele vai responder pelo crime, dependendo do tempo de condenação a que ele for submetido ele será expulso da Força — disse.

— É questão de dinheiro, né? Então você sabe que o vil metal corrompe. A pessoa tem de ser muito forte mentalmente, muita coisa dos seus valores e dos seus deveres para não ser corrompida. O ministro da Justiça, Sergio Moro, disse, via redes sociais, que o caso é exceção na força aérea:

— O militar preso com drogas em Sevilha é uma ínfima exceção em corporação (FAB) que prima pela honra. Os fatos serão devidamente apurados pelas autoridades espanholas e brasileiras. Como disse o PR Bolsonaro, não vamos medir esforços para investigar e punir o crime.

DROGA EM MISSÃO OFICIAL

Sargento da Aeronáutica foi flagrado com cocaína no aeroporto de Sevilha

Rodrigues era comissário de bordo no voo da equipe de apoio à viagem de Bolsonaro, que deixou Brasília antes do presidente

2 O avião faria escala em Sevilha para seguir ao Japão. Rodrigues ficaria na cidade espanhola, e foi flagrado por fiscais aduaneiros

3 O restante da equipe de apoio seguiu ao Japão. A comitiva de Bolsonaro trocou a parada em Sevilha por Lisboa na ida ao Japão por causa do incidente

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Caso gera provocações nas redes e bate-boca na Câmra do Rio 

27/06/2019

 

 

Eduardo Bolsonaro ‘previu’ tráfico em avião oficial ; Carlos troca xingamentos

A prisão do sargento da Aeronáutica em missão oficial do governo brasileiro virou, ontem, o tema principal das disputas diárias entre apoiadores do governo e opositores a Jair Bolsonaro na internet, mas não ficou restrita às redes sociais.

A oposição usou um vídeo do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para desgastá-lo. Em fevereiro, o filho do presidente se referiu em uma gravação, ao risco do uso de aviões do governo para tráfico de drogas, insinuando que isso poderia ter ocorrido em governos anteriores.

—Essa prática é muito recorrente na Venezuela, que é um dos países que o PT sempre apoiou. Portanto, não ficaria surpreso se nós verificarmos aqui no Brasil que essa prática também ocorria aqui — declarou.

Na Câmara dos Vereadores do Rio, outro filho do presidente se envolveu num bate-boca por causa da prisão do sargento. Depois que o vereador Reimont (PT) afirmou que o presidente devia explicações sobre o caso, Carlos Bolsonaro (PSC) reagiu:

—O nome da minha família mais uma vez foi citado anteriormente por um vereador que pra mim é um vereador zero a esquerda literalmente, um vereador cabeça de balão, chamado Reimont. Nesse momento, Tarcísio Motta (PSOL) gritou, pedindo respeito ao parlamentar. Carlos respondeu:

—Respeito é o cacete! Eu respeito quem eu quiser! E você tem que ir pra Venezuela fazer um regime porque está muito gordinho, tá bom?

Tarcísio reclamou da agressão com o presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB). Carlos Bolsonaro finalizou:

—Se tem um vereador na minha frente que acusa meu pai, presidente da República de traficante de drogas, e o senhor vem falar pra mim que quer retirar as minhas palavras de baixo calão? Acho que o senhor não está sendo justo, com todo o respeito.

O presidente da casa então disse que, se tiverem usado a expressão “traficante de drogas”, ele também vai retirar dos anais da casa. E Carlos concluiu lembrando que não há qualquer indício de envolvimento do presidente no caso:

—Eu creio que ele não seja idiota. Qualquer um aqui sabe que quando um avião presidencial parte para outro país vai antes outro avião para averiguar a questão de segurança. E foi provado que o militar preso em Sevilha não tinha qualquer cargo na Presidência. Mas é claro que a esquerda vai ignorar esses fatos.Deixo aqui o meu repúdio. Eu sei que aquele pessoalzinho ali vai subir, vai sapatear, vai sambar, mas o presidente Jair Bolsonaro vai continuar presidente.

Adversário político dos Bolsonaro, o deputado Marcelo Freixo (PSOL), defendeu, em uma rede social, que é leviana eventual tentativa de responsabilizar o presidente da República:

—Se os 39kg de cocaína fossem encontrados em aviões presidenciais de Dilma, Lula ou FHC, como Bolsonaro reagiria? Nós não podemos ser levianos. O episódio é muito grave e precisa ser esclarecido, mas pode ser um caso isolado e não é possível responsabilizar o presidente —escreveu Freixo, defendendo uma mudança na política de combate ao tráfico de drogas.

—O caso da cocaína no avião presidencial mostra o erro de se insistir na política de guerra às drogas nas favelas brasileiras, vitimando os pobres. O tráfico de armas e drogas movimenta fortunas no mundo todo e envolve poderosos. É preciso seguir o dinheiro, ir pro andar de cima.