O globo, n.31370, 27/06/2019. Rio, p. 10

 

Entre tapas e eleição

Paulo Cappelli

27/06/2019

 

 

Após troca de insultos, Crivella e Witzel selam a paz e anunciam projetos conjuntos

Um mês após trocarem farpas publicamente, quando pareciam em rota de colisão, o governador Wilson Witzel e o prefeito Marcelo Crivella selaram a paz, ontem, em um almoço no Palácio Guanabara. O combustível inicial para a união partiu do desejo de ambos de trazer a Fórmula 1 para o Rio. Em uma agenda com Jair Bolsonaro semanas atrás para tratar do assunto, Witzel e Crivella decidiram deixar as desavenças para trás. Às vésperas da eleição de 2020, prefeito e governador parecem ter encontrado interesses em comum.

Pesquisas de opinião que chegaram ao conhecimento dos dois mostram que ambos atraem o mesmo perfil de eleitor, e, portanto, não seria conveniente protagonizar embates públicos. Indagado sobre a recente aproximação com Crivella, Witzel desconversou sobre um possível apoio visando à disputa pela prefeitura no ano que vem:

— Ainda é cedo para falar em eleição — disse Witzel, preferindo enumerar razões mais imediatas, como as dificuldades de caixa do município. — Entendo as dificuldades do prefeito Crivella e as limitações do município. Estou ajudando todos os prefeitos. Sou o governador de todos. Eu não poderia governar o estado fechando os olhos para a Cidade Maravilhosa e para o prefeito Marcelo Crivella. Crivella, por sua vez, foi mais incisivo e lembrou ter votado em Witzel em 2018:

— Sou parceiro do governador. Sinto nele confiança. Votei nele na última eleição.

No bate-boca entre os dois há cerca de um mês, o clima não era nem um pouco de“paz e amor”. Depois de críticas de Crivella à decisão judicial de fechara Avenida Niemeyer, após deslizamentos de terra, o governador, que é ex-juiz federal, recomendou que ele instalasse “um filtro entre o cérebro e aboca ”. Crivella, na ocasião, respondeu citando a polêmica sobre um curso “sanduíche” de doutorado que Witzel citava no currículo Lattes, mas que não fez, alegando ter adiado devido a compromissos como governador: “Vou procurar o filtro em Harvard”, ironizou o prefeito.

R$ 500 MILHÕES NO LEBLON

Outras questões foram abordas no encontro entre os dois para zerar as diferenças. Uma delas diz respeito a um terreno de 35 mil metros quadrados no Leblon, que hoje abriga o 23º BPM, mas que Witzel quer vender para fazer caixa.

Em novembro, O GLOBO revelou a intenção do governador de vender parte da área para erguer ali condomínios residenciais. Para isso, o município teria que apresentar um projeto para revogar uma lei do vereador Carlo Caiado (DEM) que impede o uso comercial do espaço. A prefeitura também tenta lucrar com porcentagem da venda do terreno.

— Nós iremos fazer uma parceria para melhorar o gabarito desse terreno, aumentar seu valor. Aquela área poderá valer até R$ 500 milhões. E esses recursos serão utilizados para investimentos no estado, como a construção de novas unidades prisionais e de casas de recuperação para menores infratores — adiantou Witzel.

Witzel e Crivella se uniram, ainda, nas críticas ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Anteontem, o paulista afirmou que, pela suposta falta de estrutura, só é possível chegar a Deodoro, bairro especulado para receber o circuito de Fórmula 1, a cavalo.

— Falar que só se chega a Deodoro a cavalo é ignorância de alguém que olha para o próprio umbigo. Queremos dois grandes prêmios no Brasil. Nunca defendi tirar a Fórmula 1 de São Paulo. Acho que pode ter duas corridas no Brasil. Depende de a Fórmula 1 ter interesse — afirmou Witzel.

Crivella também ironizou a gafe:

—Quando Doria falou em cavalos, referiu-se aos cavalos dos motores dos carros da Fórmula 1 que vão correr em Deodoro.

RECUO SOBRE SAMBÓDROMO

Para fechar com chave de ouro, após o almoço com Crivella, Witzel recuou na ideia, antes alimentada por ele, de estadualizar o Sambódromo. Agora, o plano é privatizar o espaço.

— Chegamos a um acordo de que o Sambódromo precisa ir para a iniciativa privada — explicou Witzel, informando que já há uma empresa interessada.

Ao lado do governador, Crivella acenou positivamente com a cabeça. Graças a essa boa vontade entre os dois, outro assunto foi pacificado: Witzel prometeu repassar mensalmente à prefeitura R$ 6 milhões para ajudar a manter os hospitais Rocha Faria e Albert Schweitzer, em Campo Grande e Realengo. Crivella, até pouco tempo, insistia em devolver as unidades, que foram municipalizadas, para o estado. Witzel não as queria de volta.

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Depois do impeachemnt, o 'Dia do Perdão' na Câmara 

Luiz Ernesto Magalhães

27/06/2019

 

 

Vereadores discutem propostas de Crivella para anistiar R$ 450 milhões de cartórios, além de multas de motoristas de vans

Um dia após a Câmara livrar o prefeito Marcelo Crivella do processo de impeachment, os vereadores passaram o dia em sessões extraordinárias para aprovar projetos de lei que concedem anistia de dívidas de

ISS de cartórios e de multas aplicadas a motoristas de vans. Às 21h, os debates ainda não tinham terminado. No caso dos cartórios, o perdão chega a R$ 450 milhões de um total de R$ 600 milhões. O município, que briga há dez anos na Justiça para receber o tributo, alega que o acordo ajudaria a melhorar o caixa. Mas mesmo abrindo mão da cobrança de parte da dívida, nada garante que os cartórios vão pagar.

No plenário, vereadores da base e da oposição dizem que o projeto vai assegurar recursos para beneficiar aqueles que livraram Crivella do impeachment. Isso porque 75% dos R$ 150 milhões que a prefeitura espera receber dos cartórios iria para a Secretaria de Conservação, que daria prioridade a obras em praças e ao asfaltamento de ruas nas áreas onde esses políticos têm base eleitoral. Esse investimento está previsto numa emenda ao projeto, já aprovado em primeira discussão, apresentada ontem à noite por governistas. Procurado, Crivella negou ter feito qualquer acordo.

Já o projeto que anistia multas de trânsito entrou na pauta uma semana depois de os motoristas de vans protestarem contra a aplicação da infração àqueles que não cumprem o trajeto estabelecido. A categoria quer o perdão porque os itinerários estão sendo reavaliados.

O vice-presidente da Comissão de Transportes da Câmara, Felipe Michel (PSDB), que defende o projeto, estima que as dívidas perdoadas cheguem a R$ 3 milhões. A Secretaria municipal de Transportes não confirmou o montante assim como quantos motoristas estão inadimplentes. Desde 2017, foram aplicadas 7.458 multas. O valor de cada uma é de R$ 1.712,87, que pode dobrar em caso de reincidência. O projeto foi aprovado por 42 votos a zero.