Título: Matemática complexa
Autor: Campos, Ana Maria ; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 26/10/2012, Política, p. 2/3
Com três sessões destinadas à dosimetria das penas, ministros do STF conseguiram calcular apenas a punição de Marcos Valério. Mesmo assim, reconhecem que ajustes serão necessários
Sem tradição de julgar ações penais, o Supremo Tribunal Federal (STF) engasga na parte final da análise do mensalão, a fase do cálculo das penas dos condenados. Em três sessões dedicadas ao assunto, os ministros só conseguiram arbitrar o tempo que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza passará na cadeia e mesmo assim essa decisão ainda será revista. A matemática jurídica das punições é uma questão complexa e exige prática na aplicação do Código Penal.
Na sessão de ontem, os ministros não se entendiam. Em alguns momentos, nem mesmo o relator, Joaquim Barbosa, conseguia detalhar qual crime especificamente analisava. Ele foi interrompido várias vezes pelo decano, Celso de Mello, com intervenções sobre a aplicação das penas. Na véspera, Barbosa chegou a propor uma pena de multa para Marcos Valério pela condenação no crime de formação de quadrilha, quando o Código Penal não tem tal previsão.
Barbosa precisou rever o voto relativo à corrupção ativa de Marcos Valério na compra de apoio político no Congresso. Advertido por Celso de Mello sobre a aplicação da lei num patamar mais brando em função da mudança no texto do Código Penal, o relator refez as contas.
Apesar do ajuste, a pena imposta a Marcos Valério por corrupção do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) deverá ser revista, segundo a avaliação de ministros, porque Joaquim Barbosa partiu do mínimo de dois anos, quando a lei vigente na época previa patamar deu mano. Os ministros estavam dispersos ontem. A ministra Rosa Weber chegou a dizer que estava impedida de votar numa parte porque havia absolvido Ramon Hollerbach, ex-sócio de Valério, quando na verdade a magistrada o havia condenado. “Onde estamos?”, perguntou no meio da sessão, perdido com as confusões do plenário, o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo.
A sessão foi suspensa no fim da tarde de ontem sem uma conclusão sobre as penas destinadas a Hollerbach pelo crime de lavagem de dinheiro, tema que também despertou muita divergência.
Os ministros começaram a votar uma pena de sete anos e seis meses para o empresário, mas depois se deram conta de que ele, um personagem secundário no esquema na visão dos ministros, ficaria assim com uma punição mais severa do que Marcos Valério, considerado o líder. Até o encerramento da sessão, Hollerbach estava condenado a 14 anos, 3 meses e 20 dias por formação de quadrilha, corrupção ativa e peculato.
Continuidade
Para fixar uma pena, o juiz precisa levar em conta os limites para penas previstos na lei, as circunstâncias do crime, a personalidade do réu e as consequências do ato. Além disso, é necessário considerar se o ilícito ocorreu de forma isolada ou se algumas ações levaram a outras, a chamada continuidade delitiva. São critérios.
Em geral, um juiz singular, de primeira instância, faz essa análise. Sentenças contestadas em recursos são revistas em colegiado, mas apenas para considerar se houve ou não razoabilidade e legalidade. Analisar penas sobre um processo tão complexo, com 25 condenados, sete crimes, mais de mil ocorrências, num plenário com 10 ministros, tem se mostrado uma tarefa complexa.
Todos têm extensa formação jurídica, mas na atual composição nenhum tem especialização na área criminal. A grande referência dos ministros, apontado como mestre em direito penal por quase todos, é Nelson Hungria, que se aposentou em abril de 1961. A última referência na área criminal citada é a do hoje advogado Sepúlveda Pertence, que começou a carreira no Ministério Público e se aposentou no STF em agosto de 2007.
Ayres Britto afirmou ontem que serão feitos ajustes no fim do julgamento. “Dosimetria de pena é assim mesmo. Vamos estabelecendo parâmetros e no final são feitas as unificações”, explicou o presidente do STF. “No fim, se observarmos certos parâmetros, é claro que faremos um recálculo”, disse.