O globo, n.31370, 27/06/2019. Economia, p. 17

 

Ajuda desperdiçada 

Rennan Setti

Bruno Góes 

27/06/2019

 

 

Fora da reforma, 12 estados e DF perdem chance de cortar déficit em ao menos 50%

Um dos principais defensores de que a reforma da Previdência seja válida também para estados e municípios,o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), saiu ontem de uma reunião com governadores do Nordeste sem um acordo sobre a inclusão dos entes na proposta.

Retirados do texto que tramita no Congresso, 12 estados e o Distrito Federal perderão a chance de cortar ao menos à metade o déficit previdenciário em uma década, mostram cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado. Dois deles (MT ePA) e oD F seriam capazes, inclusive, de tornar superavitários seus regimes próprios caso os estados fossem incluídos na reformada União.

Maia voltou a destacar que, caso estados e municípios não sejam incluídos na proposta, o país terá problemas a curto prazo, com prejuízo à União, que teria de socorrer os entes da federação.

Se o texto da reforma for aprovado como está, caberá às assembleias legislativas lidar com um desequilíbrio financeiro que crescerá 4,7% ao ano até 2030 no conjunto de estados—tarefa que, segundo especialistas, esbarrará na fragmentação do debate ena pressão do funcionalismo local.

RISCO DE DESCUMPRIR LRF

Responsável pelo estudo da IFI, o analista e consultor legislativo do Senado Josué Pellegrini considerou o impacto da reforma sobre o rombo previdenciário de cada estado registrado em 2017, já que não há dados disponíveis que projetem a evolução do déficit nos próximos anos sema reforma.

—Coma reforma, o impacto seria considerado bom, já que dez anos não é um tempo relativamente curto parau ma reforma desse tipo. A exceção são os estados do Sudeste, cujos déficits são muito elevados —afirmou Pellegrini.

No estudo, o analista observou que, mesmo entre os dez estados que teriam uma redução do déficit inferiora 50% no período, cinco teriam desempenho razoável: Goiás, Pernambuco, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Paraíba conseguiriam diminuí-lo em pelo menos 40%.

Como os déficits precisam ser cobertos pelos Tesouros estaduais, a redução desses rombos liberaria mais recursos para os estados investirem em saúde, educação e obras de infraestrutura.

A economia só seria considerada “insatisfatória” nos principais estados das regiões Sudeste e Sul: São Paulo (redução de 31,8% do déficit em dez anos), Minas Gerais (29,8%), Rio (27,2%), Santa Catarina (20,6%) e Rio Grande do Sul (apenas 15,2%). Caso os governos regionais ainda sejam incluídos na reforma, esses estados economizariam R$ 151,8 bilhões em dez anos —ou 43% do poupado por todas as unidades da federação no período —, poi seles registram hoje desequilíbrio previdenciário mais dramático. Isso acontece porque contam com proporção elevada de aposentados e regras de aposentadoria mais generosas. Nesses casos, a reforma proposta pelo Executivo seria insuficiente para lidar como déficit, exigindo medidas extras.

— O problema é que, como não vão aderir à reforma, aumentou em muito a probabilidade de que mais estados descumpram os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com pessoal (60%) eque aqueles que já a descumprem fiquem ainda mais pressionados. Nos últimos anos, o que tem sido feito é frear esse movimento, acomodar o gasto maior com aposentados, gastando menos com os servidores ativos. O problema é que uma hora isso impacta a qualidade do serviço público —disse Pellegrini.

Os únicos estados com superávit previdenciário são Roraima, Amapá, Tocantins e Rondônia, todos“novos ”, criados na década de 80, comum a parcela maior de servidores na ativa— e, em dois deles, comparte do funcionalismo ainda paga pela União. Nestes casos, o efeito da reforma seria aumentarem R $16,1 bilhões o superávit som adoem uma década.

MEDIDAS PARA CONTER GASTO

Outro pesquisador, o especialista em contas públicas Raul Velloso, calcula que a reforma da Previdência daria um alívio fiscal importante aos estados já acurto prazo. Se as mudanças aplicadas à União também fossem adotadas por eles, a economia total seria de R$ 26,2 bilhões apenas nos dois primeiros anos. O valor equivaleria a 37,2% do déficit orçamentário geral dos estados projeta dopara 2019 e 2020 somados, de R $70,4 bilhões, segundo Velloso:

— Os estados projetam um déficit total médio anual de R$ 35,2 bilhões em 2019 e 2020, dos quais as perdas previdenciárias são parte dominante. Isso é impossível de administrar.

A introdução deles na reforma teria um impacto médio anual da ordem de R$ 33 bilhões, o que resolveria o problema, se não levarmos em consideração os cerca de R$ 100 bilhões em valores atrasados, herdados de administrações estaduais passadas.

Para tentar ajudar os governos regionais a lidarem com o desequilíbrio previdenciário, o relator Samuel Moreira (PSDB-SP) incluiu mudanças no texto que dão algum alívio

O IMPACTO PERDIDO

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Previdência: falta de consenso põe em risco votação antes do recesso 

Geralda Doca 

27/06/2019

 

 

Clima piora após Guedes declarar que Congresso é ‘máquina de corrupção’

A leitura do texto final do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre a reforma da Previdência na comissão especial da Câmara ficou para a próxima semana. Segundo integrantes da comissão, a falta de acordo sobre pontos do texto e uma piora no clima político impedem o andamento da proposta. Assim, também fica em risco o plano do governo de aprovara reforma na Câmara antes do início do recesso parlamentar, em 18 de julho.

Os parlamentares se irritaram ontem após ouvirem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, teria dito em jantar na terça-feira que o Congresso “é uma máquina de corrupção”. A informação foi publicada pela colunista do GLOBO Bela Megale. Para complicar mais, o Congresso não conseguiu chegar a um entendimento sobre a inclusão de estados e municípios no texto. Além disso, líderes do centrão pressionam para que o governo libere os R$ 10 milhões que prometeu a deputados antes da votação da reforma.

Apesar do empenho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em permitir que as novas regras de aposentadoria valham também para servidores estaduais e municipais, parlamentares, especialmente do centrão, resistem. A expectativa é que o assunto só se resolva na semana que vem.

Durante encontro com Maia ontem, os governadores do Nordeste pediram que o Congresso acelere a tramitação de projetos que podem ajudar a equilibrar as contas estaduais em troca de apoio à reforma. Eles querem ver avanços nas propostas que tratam da securitização de dívidas e do repasse de recursos do pré-sal para entes regionais.

Em troca, os governadores da oposição assumiriam compromisso de “virar votos” a favor da reforma. Eles querem que seja estabelecido um cronograma de votação dos projetos, disse o governador do Piauí, Wellington Dias.

Segundo ele, Maia ficou de conversar com os líderes e dar uma resposta na terça-feira, quando haverá nova reunião.

—Se for definido um cronograma de votação dos projetos que podem nos ajudar a segurar o déficit da Previdência, assumiremos a tarefa de ampliar os votos favoráveis à reforma da previdência nos nossos estados —afirmou Dias.

O líder da maioria na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse que aconselhou o relator a não apressar a leitura do texto final da reforma e esperar que as lideranças partidárias deem aval ao relatório. Um dos pontos cruciais, segundo ele, é justamente a inclusão de estados.

Já o líder do PP, Arthur Lira (AL), disse que aguardava uma manifestação de Guedes. Segundo ele, a declaração prejudica a reforma:

—Se não falou, ele precisa desmentir.

Em nota, o Ministério da Economia ressaltou que Guedes não atacou o Congresso. “As frases atribuídas ao ministro foram retiradas de contexto e usadas no sentido oposto ao que foi falado no encontro. O ministro valoriza o trabalho de todos os parlamentares engajados na aprovação da Nova Previdência”.

O relator antecipou que vai manter a estrutura da reforma enviada pelo governo, preservando um ganho fiscal na casa de R$ 900 bilhões em dez anos. E avisou que não vai ceder à pressão de categorias para suavizar as regras.