O globo, n.31370, 27/06/2019. Economia, p. 18
Bolsonaro e a diplomacia
Míriam Leitão
27/06/2019
O presidente Jair Bolsonaro vai se encontrar com líderes das maiores economias do mundo e o melhor a desejar é que ele seja assessorado pelo que sobrou da diplomacia profissional brasileira e assim sejam tratadas questões realmente relevantes para o país. Deixado com suas próprias convicções, Bolsonaro criticará a China por estar supostamente "comprando o Brasil”, falará contra o “globalismo”, dirá que gênero é o sexo biológico, que o Brasil pode desmatar porque tem muitas áreas protegidas, que quer armar a população brasileira para defender seu mandato e que o Congresso tenta transformá-lo numa rainha da Inglaterra. São estas as verdades do presidente ditas aqui no Brasil.
Em algumas áreas, as posições do governo brasileiro são muito prejudiciais ao país. Na questão ambiental e climática, por exemplo, tudo o que foi dito e feito até agora coloca em perigo interesses comerciais e econômicos. O senador Flávio Bolsonaro é autor de um projeto que quer acabar com a reserva legal em todos os biomas brasileiros, e isso daria aos proprietários o direito de pôr abaixo toda a mata que tenham em suas terras. Isso, se aprovado e implantado, provocaria uma hecatombe ambiental e levaria a um fechamento sequencial de mercados para os produtos brasileiros. Felizmente, até a ministra Tereza Cristina já se manifestou contra o projeto. Mas o fato de isso ter sido proposto, e pelo filho do presidente, mostra o radicalismo extremo do grupo no poder. Imagine num evento internacional o presidente defendendo a ideia do seu primogênito, que espanto provocaria.
Nas reuniões internacionais que discutem questões de saúde, educação e gênero, o país está assumindo posições próximas de teocracias ultraconservadoras. Deixamos de estar ao lado dos países que contam, para entrar em guetos. A repórter Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo”, publicou ontem que os diplomatas brasileiros receberam instruções para que, nos foros internacionais, defendam a posição de que gênero significa sexo biológico, feminino e masculino. Na ONU e na Comissão de Direitos Humanos da OEA a instrução é para que os diplomatas rejeitem a ideia de orientação sexual que predomina hoje no mundo. Foi o mesmo que aconteceu em março, quando o Brasil ficou contra uma resolução da ONU por rejeitar o direito ao acesso da mulher aos serviços de saúde reprodutiva e sexual. O Brasil está assim, segundo explicou um diplomata, se ligando à minoria de países que defendem teses fundamentalistas. Felizmente isso não é tema da reunião de Osaka.
Para alívio do presidente brasileiro, o presidente Donald Trump vetou termos como “aquecimento global” ou "descarbonização da economia” no comunicado conjunto, como informa o correspondente Assis Moreira, do “Valor”. A questão, contudo, estará no documento do G20 com expressões como “mudança climática e perda da biodiversidade”, das quais discordam os ministros das Relações Exteriores e do Meio Ambiente.
A equipe econômica tem comemorado previamente o fato de que está para ser fechado o acordo entre União Europeia e o Mercosul, depois de mais de 20 anos de negociação. O problema é que a chanceler Angela Merkel disse que quer conversar com Bolsonaro porque vê com preocupação a posição do governo sobre desmatamento. Um acordo comercial com a Europa pode esbarrar nesse tema. Não existe modernidade econômica com atraso ambiental e retrocesso social.