O globo, n.31369, 26/06/2019. País, p. 08

 

Alcolumbre devolve ao governo texto que tira demarcações da Funai 

Daniel Gullino

Patrik Camporek 

26/06/2019

 

 

Trecho é o mesmo que já foi barrado por liminar do Supremo; para secretário de Assuntos Fundiários, medida é ‘equívoco’

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu para a Presidência da República um trecho de uma medida provisória (MP) que transferiu a demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura, sob o argumento de que havia repetição do teor de outra MP. O trecho é o mesmo que foi suspenso por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

— Promoveu-se grave ofensa ao texto constitucional, que é meu dever zelar e evitar. Não pode a Presidência se furtar a analisar minimamente a admissibilidade das medidas provisórias quanto aos pressupostos constitucionais de sua edição —afirmou Alcolumbre no plenário do Senado.

A devolução de medidas provisórias não é um fato corriqueiro, e não há registro de ter havido o retorno ao Planalto de apenas uma parte da medida. Cabe a Alcolumbre a decisão porque as MPs começam a tramitar por uma comissão mista de deputados e senadores e, pelo cargo que ocupa, ele é também presidente do Congresso Nacional.

A transferência da demarcação para a pasta da Agricultura foi feita por Bolsonaro no primeiro dia de governo, mas o Congresso reverteu a mudança ao analisar a reestruturação administrativa do governo. Na semana passada, o presidente editou uma nova medida com mudanças na estrutura do governo e mais uma vez transferiu a atribuição da demarcação da Funai para a Agricultura. Quem está responsável atualmente pelo tema é Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários e notório líder ruralista.

NABHAN: CONSTRANGIMENTO

A legislação proíbe que uma MP seja reeditada na mesma sessão legislativa, ou seja, no mesmo ano. O PT e o PDT acionaram o STF contra a mudança e foi com base nesses processos que Barroso suspendeu o trecho por meio de liminar. O ministro havia pedido que o tema fosse analisado com urgência pelo pleno da Corte.

Nabhan Garcia classificou ontem como “um constrangimento” e “um equívoco” a decisão liminar do STF que devolveu para a Funai a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas.

— Está havendo um certo equívoco. A questão de quem vai demarcar é uma prerrogativa do Executivo, do presidente da República. Então, eu vejo nitidamente um equívoco aí. Quem governa tem essa competência legal (para definir quem vai demarcar) —sustenta.

Nabhan entende que a aprovação, no Congresso, da reestruturação dos órgãos e ministérios do novo governo contempla a distribuição das atribuições sobre demarcação de terra.

— Não cabe a mim fazer uma crítica a um poder autônomo, no caso o Supremo, mas qualquer um que olhar vai ver que o que a Câmara e o Senado aprovaram foi a ida da Funai para o Ministério da Justiça. O que eu gostaria de frisar é que traz um certo constrangimento na sociedade (a decisão do STF) — disse Garcia, continuando a crítica:

—O Congresso está aí para legislar. O executivo está aí para governar e a Justiça está aí para fazer justiça. Agora começa a ter umas certas interferências, mas eu tenho plena convicção que o plenário do Supremo vai saber agir da melhor forma.

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Caso 'grave' de Moro, CPMI das fake news e ameaças 

Paulo Celso Pereira 

Daniel Gullino

26/06/2019

 

 

Em encontro com jornalistas, Alcolumbre diz que, se fosse com político, diálogos vazados resultariam em cassação ou prisão

Se as conversas vazadas do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, envolvessem um parlamentar, o político já estaria preso ou cassado. A avaliação foi feita na noite de segunda-feira pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), durante evento organizado pelo site Poder 360. Embora tenha feito a ressalva de que é preciso saber se as conversas divulgadas pelo site The Intercept Brasil são verdadeiras, Alcolumbre afirmou que, no caso de um parlamentar, isso nem seria levado em consideração porque o conteúdo “é grave”.

Segundo o presidente do Senado, Moro teria ultrapassado o limite da ética que regula as relações entre um juiz e as partes do processo. Conversas por intermédio de um aplicativo de celular atribuídas ao ex-juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba e o procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol revelaram supostas combinações sobre a condução da operação. Ambos dizem que não podem confirmar a autenticidade dos diálogos.

—Do ponto de vista ético, ultrapassou. Porque o juiz não pode conversar com o procurador. Se aquilo ali for tudo verdade, esse é o problema —disse Alcolumbre. —Aquela conversa não era para ter sido naquele nível entre o acusador e o julgador. (Se verdadeiras) são graves, muito graves. Se isso for verdade, se comprovar que é verdade, vai ter um impacto grande. Não em relação à operação (Lava-Jato), ninguém contesta isso nunca, mas em relação a procedimentos. De maneira procedimental, isso não é coisa boa para um julgador. Na política, se fosse com deputado ou senador, tava no Conselho de Ética, tava cassado ou tava preso. E não precisava nem provar se era com hacker, se era legal.

Em depoimento na Câmara dos Deputados, o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, disse que apoia a luta contra a corrupção, como é o caso da Lava-Jato. Ele afirma não ter vínculo com a fonte que obteve as conversas privadas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores.

Segundo Alcolumbre, a tendência é que após a aprovação da reforma da Previdência o clima entre Palácio do Planalto e o Parlamento piore de vez. Um dos principais motivos da animosidade são os ataques que os parlamentares vêm sofrendo nas redes sociais vindos de aliados do presidente.

—Se eu ficar ligando pra negócio Twitter, não vou ter tempo de trabalhar. Inclusive, se cancelar uns cinco pacotes de dados de Twitter na República a gente vai bem. Não precisa de muito, só uns cinco e o Brasil vai andar —disse ele, sobre a relação entre os Poderes.

O presidente do Senado revelou ter sido alvo de ameaças durante a votação, na semana passada, da derrubada do decreto de Bolsonaro que ampliou o acesso ao porte e posse de armas:

—É um loucura. Se fosse liberar os policiais do Senado para fazer proteção de senador que foi ameaçado, acabava o contingente de 180 (policiais). Porque só para mim tinha que ter uns 80. Estou falando o que está acontecendo para entenderem o clima que está. A campanha já acabou há oito meses, não é possível continuar dividindo o Brasil.

Em meio ao clima de conflagração, Alcolumbre anunciou ontem que fará, na semana que vem, a leitura do requerimento de criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) destinada a investigar o uso de fake news nas eleições de 2018, o que incluirá a campanha do presidente Jair Bolsonaro.

PERFIS FALSOS

O requerimento com assinaturas de 276 deputados e 48 senadores (bem acima do mínimo exigido, de 171 e 27, respectivamente) foi apresentado há três semanas. Como se trata de uma comissão mista, ou seja, formada por deputados e senadores, a leitura do requerimento precisa ser feita em uma sessão do Congresso. A CPMI foi proposta pelo deputado Alexandre Leite (DEMSP), que pede a apuração de “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público”.

“De maneira procedimental, isso não é coisa boa para um julgador. Na política, se fosse com deputado ou senador, tava no Conselho de Ética, tava cassado ou tava preso. E não precisava nem provar se era com hacker, se era legal”

Davi Alcolumbre, presidente do Senado

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Bolsonaro veta parte de lei das agências reguladoras 

Gustavo Maia 

Jussara Soares 

26/06/2019

 

 

Presidente não quer lista tríplice, mas Congresso pode derrubar decisão

O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem a lei que institui o novo marco das agências reguladoras, vetando o item que previa a escolha de dirigentes dos órgãos por meio de uma lista tríplice. A norma será publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União. Os vetos do presidente ainda podem ser derrubados pelo Congresso.

Segundo o Palácio do Planalto, o trecho do artigo do projeto aprovado pelo Congresso, que seguiu para a sanção presidencial, previa um procedimento de seleção pública e formação de uma lista com três indicações “restringe a competência constitucionalmente conferida ao chefe do Poder Executivo para fazer as indicações desses dirigentes”.

O argumento é que a medida violaria o dispositivo da Constituição segundo o qual “compete privativamente ao presidente” nomear ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores, governadores de territórios, o procurador-geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei, após a aprovação pelo Senado.

O projeto foi aprovado pela Câmara no ano passado e pelo Senado em maio deste ano, e dependia da sanção de Bolsonaro para virar lei. O presidente tinha até ontem para referendar ou vetar o texto. Segundo a legislação atual, o presidente pode escolher qualquer brasileiro de reputação ilibada, formação universitária e elevado conhecimento para ser nomeado na direção de uma agência, que depende da aprovação do Senado.

Bolsonaro também vetou um artigo que previa o comparecimento anual obrigatório de diretores de agências para prestar contas no Senado. A justificativa é que a medida invadiria atribuição exclusivamente constitucional, “uma vez que envolve o controle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo”. “Neste ponto, há violação ao Postulado da Separação de Poderes”, diz texto divulgado pelo Planalto.

Outro ponto anulado pelo presidente foi o que imporia uma quarentena de 12 meses sem vínculo com pessoas jurídicas aos dirigentes dos órgãos. Bolsonaro considerou esta uma “vedação excessiva e desnecessária”, que contraria o interesse público.