O Estado de São Paulo, n. 46012, 09/10/2019. Metrópole, p. A16

 

Marinha e Petrobrás acham 'assinatura' da Venezuela em manchas de petróleo

André Borges

06/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Ambiente. Pelo menos 138 pontos do litoral dos nove Estados da Região Nordeste foram afetados até agora, presidente Jair Bolsonaro diz que não descarta ação criminosa. Governo de Sergipe planeja usar boias para evitar que o material chegue ao Rio São Francisco

Investigações sigilosas da Marinha e da Petrobrás encontraram petróleo com a mesma “assinatura” do óleo da Venezuela em manchas que se espalharam até agora por pelo menos 138 pontos do litoral dos 9 Estados do Nordeste. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro disse não descartar uma ação criminosa. E o Sergipe planeja usar boias para impedir que o material atinja a bacia de rios, como Vaza Barris e São Francisco.

Segundo uma fonte da alta cúpula do governo, ouvida pelo Estado, trata-se do mesmo tipo de óleo extraído da Venezuela – o que corrobora rumores a esse respeito veiculados desde a semana passada. A conclusão já foi informada ao Ibama, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Mas não é possível dizer que todo o vazamento que atinge praias tem a mesma origem. A Marinha e a Polícia Federal analisam amostras e não deram informações oficiais.

Ainda ontem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que há a possibilidade de que o derramamento tenha sido criminoso. Ele, no entanto, ponderou que as investigações estão em curso. O Estado questionou a Petrobrás sobre a possível presença de óleo da Venezuela nas instalações da refinaria Abreu e Lima, estrutura que, em princípio, seria construída com a parceria da estatal PDVSA. A Petrobrás informou que nunca processou óleo de origem venezuelana em Abreu e Lima.

Por meio de nota, a estatal declarou que a análise realizada pela empresa em amostras de petróleo cru encontrado em praias do Nordeste “atestou, por meio da observação de moléculas específicas, que a família de compostos orgânicos do material encontrada não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia”. Os testes foram realizados nos laboratórios do Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes), no Rio.

“Nós temos isso bem documentado, coletamos 23 amostras, nosso centro de pesquisas realizou análises bioquímicas e chegou à conclusão de que não se trata de nenhum óleo produzido e/ou comercializado pela Petrobras”, disse o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, após audiência na Câmara. Segundo ele, já foram recolhidas 133 toneladas de resíduo oleoso de praias.

O Estado procurou a estatal PDVSA, que não se pronunciou. As investigações sobre a origem do óleo ainda não avançaram. Para David Zee, professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio (Uerj), o vazamento de um navio constitui “uma hipótese possível”. “Pela quantidade espalhada pode até ser a carga completa de um petroleiro.”

Em nota, a Marinha disse ter empenhado 1.583 militares, 5 navios e 1 aeronave nessas operações de análise e monitoramento. A Marinha ainda classificou a ocorrência como “inédita”.

Boias e preocupação. O governo de Sergipe anunciou nesta terça que colocará boias absorventes para evitar que o óleo que polui a zona litorânea sergipana entre nos rios, sobretudo o São Francisco. Os equipamentos serão cedidos pela Petrobrás. O trabalho de retirada do óleo da costa continua, assim como o monitoramento, tanto por parte da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) como por órgãos federais.

A situação preocupa, além das autoridades, ambientalistas. “Sem dúvida é o maior desastre ambiental no litoral do Nordeste do Brasil”, diz Flávio Lima, coordenador geral do Projeto Cetáceos da Costa Branca da Universidade Estadual de Rio Grande do Norte (UERN). Ele e sua equipe estão envolvidos no atendimento dos animais contaminados pelo óleo de origem ainda desconhecida e identificado como petróleo cru.

Até o momento, em todo o Nordeste, 16 tartarugas marinhas, espécie ameaçada de extinção, foram contaminadas pela substância – e o lançamento delas também deixou de ocorrer (mais informações nesta página). O vazamento do óleo já atinge 61 municípios.

“Além do risco de contaminação para a megafauna marinha local, que envolve diversas espécies de aves, cetáceos e o peixe-boi marinho, espécie de mamífero marinho mais ameaçada de extinção do País, é preocupante a exposição da população e dos atores locais que utilizam as praias afetadas”, alerta o coordenador.

Despejo

“Não quero gerar um problema com outros países. É um volume que não está sendo constante. Parece que criminosamente algo foi despejado lá.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE

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Projeto Tamar deixa de lançar 800 tartarugas

Antonio Carlos Garcia

09/10/2019

 

 

Até agora, 800 filhotes de tartarugas marinhas deixaram de ser lançadas ao mar pelo Projeto Tamar, em Sergipe, por causa das manchas de óleo que apareceram na costa litorânea desde o início de setembro. O coordenador do Projeto Tamar, César Coelho, disse que esse número se refere às tartarugas que conseguiram capturar, mas outras, cuja quantidade não soube informar, foram para o mar.

“Recebemos mais ninhos esta manhã e não registramos ainda”, disse César Coelho, que aguarda mais informações para depois decidir se as tartarugas vão para o mar ou continuam no Projeto Tamar. “As equipes estão atentas, acompanhando o movimento das manchas. E aí decidiremos qual a melhor alternativa para os filhotes”, completou o coordenador.

Normalmente, de cada mil filhotes de tartaruga lançados ao mar, um chega à idade adulta, por causa dos predadores naturais. “Mas o maior problema é a ingerência humana, que traz um prejuízo muito grande. Temos trabalhado bastante para acabar com as mortes das tartarugas da espécie Oliva, vítimas do arrasto do camarão”, comentou Coelho.

Pesca. O presidente da Associação dos Engenheiros de Pesca, Anderson de Almeida Santos, também disse que os pescadores dos litorais norte e sul de Sergipe estão tendo prejuízos, pois os materiais de trabalho deles estão sujos com óleo cru. “Os pescadores já pegaram, também, peixes manchados de óleo. Esse problema vai ter um impacto muito grande nas comunidades de pesca”, frisou. “Ainda não temos a dimensão deste prejuízo.”

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Despoluição de rios exige eficiência em coleta e tratamento de esgoto

Felipe Resk

09/10/2019

 

 

Seminário 'A Despoluição dos Rios' discute os melhores modelos para contratação de empresas de saneamento

Evento. Encontro é uma parceria entre a Fiesp e o ‘Estado’

Melhorar a eficiência de empresas responsáveis por captar e tratar esgoto e harmonizar o marco regulatório no Brasil. Essas são algumas das medidas que podem ajudar na recuperação de rios como o Tietê e o Pinheiros, em São Paulo, segundo participantes do seminário A Despoluição dos Rios.

O primeiro painel do evento, parceria entre a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Estado, foi realizado na manhã de ontem. Entre outros temas, os participantes discutiram modelos para a contratação de empresas prestadoras de serviço sanitário e ineficiência de políticas públicas nas últimas décadas.

Segundo Percy Soares Neto, da Associação Brasileira de Concessionários Privados de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), 75% dos sistemas no País são operados por companhias estaduais, enquanto que empresas privadas estão presentes em 6% dos municípios. Já o índice total de esgoto tratado seria de 46% no Brasil.

“Se saneamento não desse voto, não haveria vontade política tão grande em manter o serviço nas mãos de estatais”, disse Neto. “As companhias estaduais são também instrumento de poder junto à população, e por isso existe grande resistência à abertura do mercado.”

Para Soares Neto, recuperar os rios é um processo “simples, mas não fácil”. “É conseguir captar o esgoto e tratá-lo”, disse. “Por que não se resolveu antes? Pelo vazio de políticas públicas e financiamento inefetivo.”

Um dos desafios, segundo afirma, é evitar perdas no processo de abastecimento. “Hoje se investe no Brasil cerca de R$ 11 bilhões ao ano, mas se perde algo na ordem de R$ 9 ou R$ 10 bilhões”, disse.

“Despoluir os rios é uma obra de engenharia, e não de marketing”, afirmou Eduardo San Martin, presidente do Conselho Superior de Meio Ambiente da Fiesp. Para ele, melhorar resultados de saneamento passa por aumentar a eficiência das prestadoras de serviço. “Relatórios da Sabesp mostram que todo ano há perda de R$ 800 bilhões de litros de abastecimento”, disse.

Sobre o projeto Novo Pinheiros, de João Doria (PSDB), os participantes disseram ser favoráveis ao modelo de pagamento de bônus por resultado. “Contrato por performance é bemvisto, porque estimula resultado, contanto que existam metas claras”, disse Soares Neto.

Diretor-presidente da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), órgão que representa 25% do setor, Aparecido Hojaij citou ocupações irregulares em áreas de mananciais como um dos maiores desafios do projeto. “Além de tratar esgoto, tem de resolver essa questão.”

Procurado, o governo enviou nota e disse que “lamenta a desinformação sobre o maior projeto de despoluição do País.”