O Estado de São Paulo, n. 46011, 08/10/2019. Economia, p. B1

 

Proposta de reforma administrativa corta benefícios de servidores públicos

José Fucs

08/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Funcionalismo. Plano em debate, que inclui a revisão de licenças e gratificações e o fim da estabilidade para novos funcionários, está recebendo os retoques finais do Ministério da Economia e deve chegar ao Congresso ainda neste mês, após votação final da Previdência

Com a reforma da Previdência em fase final de votação no Senado, o governo se prepara para o “day after” e está dando os últimos retoques na reforma administrativa, que deverá reestruturar as carreiras do funcionalismo federal e estabelecer novas regras para a contratação, a promoção e o desligamento de servidores.

Embora dirigida principalmente aos novos funcionários, a proposta deverá incluir, segundo apurou o Estado, “regras de transição” para o quadro atual. “O presidente não cogita que os atuais funcionários públicos possam ter sua situação legal alterada”, disse ontem o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros. “Em relação aos futuros, há um estudo ainda em análise”.

Entre as principais mudanças, figura a revisão de benefícios, como o sistema de licenças e gratificações, que estimula, na visão do Ministério da Economia, uma percepção negativa da sociedade em relação aos servidores.

Além das medidas já divulgadas em “doses homeopáticas” nas últimas semanas, como a extinção da estabilidade dos novos funcionários em certas carreiras e cargos, o fim da progressão automática por tempo de serviço, a redução do número de carreiras e o alinhamento dos salários do setor público aos da iniciativa privada, o governo poderá propor a regulamentação da lei de greve para o funcionalismo, prevista na Constituição, mas não efetivada até hoje.

Considerada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, como “prioridade número 1” após as mudanças na Previdência, a reforma administrativa faz parte de um amplo programa de modernização do Estado a ser proposto pelo governo. Ele é composto também pela reforma tributária e por um novo pacto federativo, que envolve a redistribuição de receitas e a flexibilização do orçamento, com a desvinculação, a desobrigação e a desindexação de gastos, apelidada de “plano DDD”.

Premiações. A ideia é o ministro Paulo Guedes anunciar os detalhes da reforma administrativa tão logo seja concluída a reforma da Previdência, em uma ou duas semanas, se não houver imprevistos, e enviá-la ao Congresso ainda em outubro. A tendência é que os três pilares da reforma do Estado sejam anunciados de uma só vez, mas enviados em momentos diferentes ao Legislativo.

O “pacote” do ministério, definido a partir de um diagnóstico detalhado da situação do funcionalismo, obtido com exclusividade pelo Estado, ainda deverá incluir a regulamentação da avaliação de desempenho, que permitirá a premiação dos bons servidores e a demissão por atuação insatisfatória. A proposta, também prevista na Constituição, pretende estabelecer critérios “objetivos” de avaliação, para evitar perseguições políticas, e deverá incluir mecanismos para impedir que premiações se estendam a todos os servidores de determinadas categorias.

A avaliação de desempenho será acompanhada de dispositivos que permitam maior mobilidade dos funcionários, para facilitar a transferência de um órgão para outro. Está prevista também a implantação de um novo Código de Conduta, mais rigoroso que o atual, para evitar a “captura” de órgãos públicos por entidades de classe. Outra medida deverá ser o redesenho dos arranjos institucionais, incluindo autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações. A ideia é simplificar o sistema e facilitar as parcerias com o setor privado. 

MUDANÇAS NA GESTÃO

• Quais medidas devem ser incluídas na reforma administrativa a ser proposta pelo governo

Medidas divulgadas agora

• Revisão de privilégios, como licenças e gratificações

• Regulamentação da lei de greve no setor público, prevista na Constituição

• Criação de novo Código de Conduta para o funcionalismo

• Regulamentação da avaliação de desempenho, também prevista na Constituição

• Implantação de sistema adicional de avaliação, além do concurso, para certas carreiras

• Adoção de novo sistema de avaliação e seleção de altos executivos para o setor público

• Alinhamento de carreiras para permitir maior mobilidade dos servidores

• Redesenho do arranjo institucional, incluindo autarquias, empresas públicas, empresas de economia mista e fundações

Medidas divulgadas antes

• Fim da estabilidade para novos servidores, exceto em certos casos, como auditores e diplomatas, e definição de “regras de transição” para atuais funcionários

• Redução significativa do número de carreiras, que chegam a 117

• Fim da progressão automática por tempo de serviço

• Criação de contrato de trabalho temporário e estímulo à contratação pela CLT por concurso

• Aproximação entre os salários do funcionalismo e do setor privado

• Redução dos salários de entrada a ampliação do prazo para chegar ao topo da carreira

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Para economistas, mudar o 'RH do Estado' é essencial

José Fucs

08/10/2019

 

 

Avaliação é a de que o sistema atual tem de ser alterado para a qualidade dos serviços públicos melhorar

Na agenda do governo, o novo pacto federativo e a reforma tributária parecem receber uma atenção especial. Mas, na visão de economistas ouvidos pelo Estado, a reforma administrativa é que deve ser privilegiada no momento.

“Depois da Previdência, a reforma administrativa é a mais importante”, diz a economista Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman, empresa de consultoria americana, e coautora do estudo Panorama Brasil: Reforma do RH do Estado, realizado em parceria com o também economista Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central, e Ari Sundfeld, advogado especializado em Direito público e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Essa é uma discussão que precisa ser feita para ontem”, afirma o economista Luís Eduardo Assis, presidente da Fator Seguros e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central. “Nenhuma empresa privada conseguiria ter o mínimo de eficiência se tivesse de cumprir as regras da gestão de pessoas do governo federal: os salários iniciais são muito altos, quase não existe chance de adotar a meritocracia e é praticamente impossível penalizar as pessoas que não têm bom desempenho.”

De acordo com Ana Carla, a maior parte da população depende do Estado para ter chance de melhorar de vida, mas a “máquina” não entrega serviços básicos de saúde, educação e segurança de boa qualidade. “A gente gasta cada vez mais, mas os serviços públicos não melhoram”, diz. “É preciso reinventar essa máquina, principalmente por uma questão de justiça social, mas também por questões de produtividade e fiscais, porque o gasto de pessoal é o segundo maior do governo, logo após a Previdência.”

Na avaliação de Assis, que chama a proposta de “a reforma esquecida”, não tem sentido mudar a Previdência, que afeta toda a população, e comprimir os investimentos em infraestrutura, para cumprir a lei do teto de gastos, sem discutir o problema da folha de pagamento do funcionalismo. “Como 93% das despesas são obrigatórias, acaba sobrando para o investimento, que é aquilo que pode ser comprimido, mas é o que deveria ser fomentado.”

Ana Carla discorda do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para quem os servidores atuais devem ser poupados. “Não dá para fazer omelete sem quebrar os ovos”, afirma. “É positivo construir regras mais racionais daqui para a frente, mas não pode deixar de enfrentar uma questão que está presente e esperar 40 anos até os atuais servidores se aposentarem, para que o efeito do novo regime se faça sentir plenamente.”

Ela teme a “contaminação” do novo sistema e diz, com base em estudo feito com o advogado Jairo Saddi, que o Judiciário é “muito suscetível” às causas do funcionalismo. “O Estado perde todas as causas referentes aos servidores nos tribunais superiores”, afirma.

Assis preocupa-se com a resistência do funcionalismo, num quadro em que o governo tem “enormes dificuldades” de articulação no Congresso. “A gente não pode subestimar os obstáculos”, diz. “O funcionalismo é uma categoria bem articulada e certamente vai resistir às mudanças, mas essa é uma questão que tem de ser enfrentada rapidamente.” 

Dificuldades

Falta de articulação do governo e resistência dos servidores devem dificultar a tramitação da proposta no Congresso, apesar da urgência apontada pelos analistas