O globo, n.31373, 30/06/2019. País, p. 05

 

Agenda presidencial tem privilegiado militares 

Silvia Amorim

30/06/2019

 

 

Nos seis primeiros meses de governo, Bolsonaro participou de 16 eventos ligados às Forças Armadas, o que representa mais de um terço do total de compromissos fora do Planalto. Cientista político ressalta que Lula fez o mesmo com movimentos sociais

Eventos ligados a militares ocuparam posição preferencial na agenda do presidente Jair Bolsonaro nesses primeiros seis meses de governo, aponta levantamento feito pelo GLOBO. Mais de um terço de todos os compromissos de Bolsonaro fora do Palácio do Planalto —16 de 45 —foi com colegas de farda. O presidente compareceu em aniversários de datas festivas, jantares, formaturas e cerimônias de passagem de comando.

Em uma única semana este mês, o presidente participou de três atos organizados por militares. Para efeito de comparação, os eventos de governo —inaugurações, lançamentos de programas ou reuniões de trabalho fora do gabinete —foram oito desde o início do ano. O compromisso militar mais recente foi na semana passada, quando viajou até o interior de São Paulo para prestigiar a formatura de sargentos da Aeronáutica. Quatro dias antes, ele se deslocou até Santa Maria (RS) para a comemoração dos 218 anos do nascimento de um dos patronos do Exército, Marechal Emílio Luiz Mallet.

MARCA DO GOVERNO

O protagonismo dos militares é uma marca da gestão Bolsonaro. Somente no primeiro escalão eles comandam oito ministérios, além da vice-presidência. Desde 1985, integrantes das Forças Armadas não ocupavam tantos postos na cúpula do governo. Esse domínio na Esplanada, entretanto, não tem se refletido em um controle do governo. Uma outra ala da gestão —o grupo ideológico liderado por Carlos Bolsonaro e o ideólogo de direita Olavo de Carvalho —disputam espaço e influência com os militares. Há três semanas, essa concorrência derrubou um dos homens fortes do governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, general da reserva que comandava a Secretaria de Governo. Em seu lugar, Bolsonaro nomeou outro general: Luiz Eduardo Ramos, ex-comandante militar do Sudeste.

Para cientistas políticos, a participação frequente em eventos militares é o jeito encontrado pelo presidente de renovar a mensagem de que as Forças Armadas são a base do governo.

—Ele foi eleito, mas quem está dando sustentação técnica e credibilidade pública para o governo são as Forças Armadas. Bolsonaro entende isso e quando prestigia os militares em sua agenda está reafirmando a mensagem de que eles são o pilar do governo — avaliou o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Testa.

Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) apontou em maio que as Forças Armadas só perdem para a Igreja em confiança dos brasileiros. Em fevereiro, outro levantamento mostrou que 53,5% dos brasileiros consideram boa a presença de militares no governo. Para o cientista político e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Humberto Dantas, os militares são para Bolsonaro o que os movimentos sociais foram para o ex-presidente Lula no início da gestão.

—É comum o presidente em início de governo manter-se numa zona de conforto. Nos primeiros seis meses do Lula, a agenda dele era dominada pelos movimentos sociais. Michel Temer teve uma agenda predominantemente parlamentar. Afinal, de deputados ele entendia —disse. Na opinião dos especialistas, os embates internos com a ala ideológica do governo não reduziram a importância dos militares na gestão, e a disputa por espaço não deverá dar trégua. Ela é indigesta para Bolsonaro. Após participar de um dos eventos com militares no mês passado, ele reagiu mal a uma pergunta sobre o assunto.

—Não tem uma pergunta mais inteligente para fazer, não ?—disse a um jornalista. Apesar do clima pouco amistoso, um afastamento dos militares do governo é considerado remoto pelos especialistas. Eles dizem existir insatisfação nas Forças Armadas com a interferência da família Bolsonaro na gestão e com episódios de instabilidade política criados por inabilidade do próprio governo, mas, por enquanto, não há nada que indique intenção de abandonar o presidente.

—Os militares encaram isso como missão a ser cumprida e sabem que têm responsabilidade com o futuro do governo —disse Testa.