O Estado de São Paulo, n. 46011, 08/10/2019. Política, p. A10

 

Centro deve 'trabalhar já', afirma FHC

Paulo Beraldo

08/10/2019

 

 

Em evento, ex-presidente diz que grupo deve superar polarização e reclama que forças políticas só se mobilizam em função da eleição

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que integrantes do chamado centro democrático precisam começar a “trabalhar já” para superar a polarização política que se instalou na sociedade brasileira nos últimos anos. “É possível unir o centro democrático progressista, mas é preciso começar a trabalhar já”, disse ao Estado após um evento na Fundação Fernando Henrique Cardoso, no centro de São Paulo, sobre inteligência artificial, direito e privacidade de dados pessoais.

Questionado se vê essa articulação ocorrendo, FHC disse que o “Brasil se mobiliza sempre em função da eleição”. “Vai demorar um pouquinho, mas acredito que haverá um certo cansaço da polarização.” Perguntado se o momento está chegando, respondeu: “Espero”.

Em setembro, o Estado mostrou que um grupo de lideranças tem se mobilizado para viabilizar a construção de uma alternativa de centro na política nacional. Eles defendem uma agenda liberal na economia e “progressista” na área social. Entre os apoiadores há nomes como o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, líderes políticos como o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido) e o presidente do Cidadania, Roberto Freire. Grupos de renovação política e empresários como Guilherme Leal, da Natura, também apoiam a ideia. A articulação tem na figura do apresentador Luciano Huck um possível candidato “outsider” à Presidência da República. A possibilidade foi aventada para a eleição passada, mas Huck preferiu esperar.

O ex-presidente também demonstrou preocupação com as fake news, que têm tido papel decisivo em processos eleitorais em diversos países. “Na política, um bom demagogo não precisa da realidade, ele cria uma realidade virtual. (Diz) eu sou vítima, e acabou. Conta a história e o pessoal acredita”.

Também participaram do debate o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, o advogado Ronaldo Lemos, pesquisador representante do MIT Media Lab no Brasil, Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e o juiz federal americano Peter Messitte, do Estado de Maryland.

Os participantes traçaram um panorama das leis de privacidade digital e avaliaram as consequências das transformações digitais para os mais diversos aspectos da vida humana, como o trabalho, as relações sociais e seus reflexos na esfera política e jurídica.

Fernando Henrique não foi palestrante, mas em intervenção após o debate defendeu a regulação e a capacitação dos profissionais de diferentes meios para lidar com a realidade de uma sociedade cada vez mais conectada.

O ex-presidente comentou ainda que a política é um dos setores mais resistentes aos avanços e às inovações tecnológicas. “Os partidos políticos não conseguiram entender o que vivemos hoje”, afirmou. Para FHC, a crise da democracia representativa vivida hoje no Brasil é parte de um fenômeno global. “As pessoas estão com medo do que vem pela frente, medo do futuro. Há um movimento de polarização e irracionalidade que não é só aqui, é mais amplo”, disse.

'Cansaço'

“Vai demorar um pouquinho, mas acredito que haverá um certo cansaço da polarização.”

Fernando Henrique Cardoso

EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Inteligência artificial é testada para avaliar demanda da Justiça

Paulo Beraldo

08/10/2019

 

 

Uso da tecnologia para melhorar atendimento à população é discutido por especialistas, em evento na Fundação FHC

STJ. Sanseverino defende o uso da inteligência artificial

A inovação tecnológica aplicada ao poder público é um fator fundamental para o aperfeiçoamento dos serviços oferecidos ao cidadão, que demanda uma qualidade maior do atendimento. Para analistas, a chamada transição digital está associada à própria eficácia da administração pública e ao funcionamento dos poderes.

O impacto da inteligência artificial e do uso de dados pessoais na política e no sistema judiciário brasileiro foi debatido ontem na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo. Para uma plateia de cerca de 80 pessoas, os palestrantes apresentaram preocupação com a proliferação de informações falsas que podem ter impacto decisivo em pleitos eleitorais ao redor do mundo e discutiram propostas.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), disse que a Corte está trabalhando em dois projetos ligados à inteligência artificial – uma plataforma para identificar demandas repetitivas e auxiliar no gerenciamento dos processos, e outro para oferecer sugestões de decisões em casos que posteriormente serão controlados por pessoas. O segundo, disse, enfrenta maior resistência. “É uma dificuldade mudar toda uma mentalidade.”

O ministro abriu o evento com um histórico das leis que tratam da regulação de dados e da privacidade nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. O País aprovou em 2018 a nova lei geral de proteção de dados (Lei 13.709/2018), que passa a valer em agosto de 2020.

Para o advogado Ronaldo Lemos, doutor em direito por Harvard e pesquisador representante do MIT Media Lab no Brasil, o País deve investir numa maior digitalização dos serviços públicos, a exemplo do que fizeram países como Estônia e Índia.

“Temos a tarefa de avançar na transformação digital do poder público. Governo que não se digitaliza perde a capacidade de governar”, disse. Ele também citou a digitalização da economia chinesa, onde os pagamentos são feitos por celulares. “Não podemos perder tempo, estamos sendo superados. Uruguai e Chile já estão passando o Brasil em termos de tecnologia e digitalização. Brasil precisa deixar de ser apenas grande consumidor de tecnologia para ser produtor de inovação e tecnologia”, alertou.

Lemos ressaltou que a matéria-prima do Judiciário é a informação e que as tecnologias podem fornecer soluções para agilizar o dia a dia do trabalho. Ele sugeriu, por exemplo, a criação de assistentes virtuais para juízes, falou do cenário promissor de startups na área jurídica e afirmou que no Brasil existe um consenso de que o cidadão gostaria de ver mais tecnologia sendo usada no poder público. “É uma missão, temos de fazer a transição digital para oferecer, inclusive, melhores serviços públicos para a população”. Ele citou como casos de êxito os exemplos dos governos da Estônia e da Índia.

Fake news. Também palestrante, o juiz federal dos Estados Unidos Peter Messitte afirmou que não vê hoje uma legislação capaz de reduzir a disseminação das informações falsas. “Temos regulação administrativa, mas esse abuso pode continuar. Haverá uma série de acusações, mas não vejo desfecho”, disse sobre as eleições 2020.

Diretor da Faculdade de Direito da FGV-SP, Oscar Vilhena afirmou que o uso intensivo da tecnologia cria um “sistema fabuloso de gerenciamento social”, mas não vê só efeitos positivos. “A capacidade de gerenciar a vida das pessoas ficou muito mais efetiva, mas não significa que seja com autonomia.” 

Desfecho

“Temos regulação administrativa, mas esse abuso (disseminação de fake news) pode continuar. Haverá uma série de acusações, mas não vejo desfecho.”

Peter Messitt

JUIZ FEDERAL DOS ESTADOS UNIDOS