O globo, n.31373, 30/06/2019. Economia, p. 33

 

Acordo entre Mercosul e UE deve alavancar investimentos no país

Rennan Setti

Ramona Ordoñez 

Leo Branco

Cleide Carvalho

Janaína Figueiredo

30/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Impacto será mais rápido do que no comércio. Empresariado vê avanço na competitividade e na absorção de tecnologia

Embora detalhes dos seus contornos comerciais ainda precisem ser divulgados, economistas e o empresariado já estimam que um dos primeiros impactos do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), anunciado na sexta-feira, se dará nos investimentos. A expectativa é que investidores terão maior incentivo, ainda antes de o acordo entrar em vigor, para apostar no Brasil, de olho no acesso facilitado ao mercado europeu, o que tende a impulsionar a competitividade da indústria local. O ministério da Economia prevê que o pacto gerará aumento de US$ 113 bilhões nos investimentos em 15 anos. Se depender da experiência de acordos assinados no passado pela UE, a tendência é, de fato, positiva. O fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) —que considera apenas aplicações no capital produtivo —entre UE e México triplicou em uma década após a assinatura de acordo comercial, segundo números divulgados na sexta-feira pelo bloco europeu. Com a África do Sul, cresceu seis vezes em dez anos.

— Com o mercado mais aberto, o Brasil reduzirá custos. Muitas empresas querem se estabelecer aqui para exportar. Isso vai ser bom também para o consumidor final, que terá produtos de melhor qualidade a menores preços — destacou Jonathas Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan, federação de indústrias do Rio. O Brasil já é o maior destino do IED europeu em toda a América Latina e o quarto maior no mundo. A Europa respondeu por mais de dois terços dos recursos de IED aplicados aqui em 2016.

OPORTUNIDADE E DESAFIO

Além de facilitar o acessoa outros mercados, o acordo também trará uma previsibilidade tarifária crucial para quem investe em cadeias produtivas que exigem planejamento alongo prazo, como nas indústrias automobilística e de base, explicou Carlos Braga, da Fundação Dom Cabral. —O acordo traz estabilidade para as regras do jogo. Os investidores terão mais clareza na tomada de decisão sobre aportar ou não o capital. O incremento em investimentos será uma oportunidade única para o país reduzir seus cus toses e tornar competitivo, argumentou José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Tudo isso dependerá, porém, de um aumento nos investimentos locais em ciência e tecnologia, alertou Gianna Sagazio, da Confederação Nacional da Indústria (CNI):

—A UE vem aumentando o investimento em pesquisa e desenvolvimento para ter competitividade. A gente está na direção contrária. Se não acompanharmos o passo, os investimentos podem não vir. Segundo o diretor comercial da indústria de plástico Nova A3, no Rio, Gladstone Santos Júnior, as tarifas em vigor hoje tornam inviável a importação de máquinas e equipamentos mais produtivos. — Preocupa-me menos o que pode entrar de importações do que o que poderemos vir a exportar —destacou. A indústria não será a única beneficiada, observa Amâncio Jorge Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP):

— O aumento na exportação de bens agrícolas dinamiza toda a cadeia produtiva do setor. No governo Lula, o boom das commodities fez o país crescer, e isso se reverteu em investimento —afirmou, prevendo impacto mais imediato no segmento de carnes.

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Entrevista - Ernesto Araújo: 'Todas as negociações vão acerelar agora'

Ernesto Araújo

30/06/2019

 

 

Após o acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), o próximo passo a ser dado pelo Mercosul é um tratado semelhante com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), bloco formado por Noruega, Suíça, Liechtenstein e Islândia. A informação é do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que conversou com O GLOBO, por telefone, durante uma escala que fazia em Fortaleza, vindo de Bruxelas, onde o acerto com a UE foi sacramentado. Araújo afirmou que o Brasil continua engajado na agenda do meio ambiente, mas alertou que o Acordo de Paris —para mitigar os efeitos do aquecimento global —pode ser usado como pretexto para barreiras às exportações brasileiras.

O acordo com a UE depende da aprovação dos parlamentos dos dois blocos e, por isso, deve demorar a entrar em vigor. Mesmo assim, o anúncio pode ter efeitos de curto prazo?

Sim. A própria perspectiva do acordo muda a estratégia de investidores, que já passam a planejar investimentos no Brasil e no Mercosul.

Em algum momento, durante a reunião ministerial de Bruxelas, o senhor pensou que o acordo não seria fechado?

Nesses últimos dias, não. Desde que cheguei em Bruxelas tive a sensação de que havia uma determinação, tanto dos europeus quanto nossa, de fechar agora.

Qual o próximo passo do Mercosul?

É o Efta, que está um pouco mais avançado. Depois, virá Cingapura e, mais adiante, Canadá e Coreia do Sul. Todas essas negociações vão acelerar agora, com o interesse que o Mercosul está gerando a partir do fechamento com a União Europeia. A partir de hoje, o Mercosul subiu nas prioridades de todo o mundo, inclusive dos EUA.

O Brasil vai abrir todas as áreas de serviços, como financeiros, marítimos e outros para aUE?

Em determinadas condições. Algumas terão uma abertura maior, e outras, não. Mas a medida é fundamental para a confiança dos investidores. Isso tem um impacto enorme nos custos para a economia.

Qual o impacto do acordo na economia brasileira?

Há muitos ângulos para olharmos o acordo. O principal é que consolida a filosofia de abertura econômica que a gente está tentando colocar, rompendo uma tradição. Os brasileiros querem economia mais aberta, que respire, que seja mais ligada ao mundo e atraia investimentos.

Foi introduzido um capítulo no texto que menciona não apenas o Acordo de Paris, mas também temas como a biodiversidade, respeito a direitos trabalhistas e proteção de indígenas. Como isso foi negociado?

Todos concordaram em colocar esse capítulo no texto. De nossa parte, não temos qualquer receio em relação a isso. Ao contrário, mostra que há comprometimento do Brasil. Infelizmente, nossa política ambiental, sobretudo, tem sido objeto de muita distorção.

O governo brasileiro é contra o Acordo de Paris?

Nossos compromissos, basicamente combate ao desmatamento, estão totalmente válidos. Nossa preocupação é que o Acordo não seja usado como pretexto para ataques injustos ao Brasil.

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Cota limitada para carnes e prazo longo para carros 

Janaína Figueiredo

Eliane Oliveira 

30/06/2019

 

 

Segundo fontes, acordo entre blocos tem limite de 99 mil toneladas para proteína animal e transição de 15 anos para automóveis

Um dos setores sensíveis durante as negociações entre Mercosul e União Europeia (UE) era o de carnes, pela importância que tem para as economias de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e pela resistência dos europeus em abrirem seus mercados. Segundo uma alta fonte de Casa Rosada, foi definida no acordo final — cujos detalhes ainda não foram divulgados — uma

cota de 99 mil toneladas por ano para todos os produtores do Mercosul, pagando tarifa de 7,5% (hoje a média é 20%). Considerando o consumo europeu de 8 milhões de toneladas por ano, a cota conseguida pelo Mercosul não é significativa. Mas, na visão do governo, é bastante positiva se comparada às 136 mil toneladas que o país exporta hoje para a UE com tarifa alta. Segundo uma fonte do governo, o entendimento é que o país vai ganhar uma fatia a mais de 99 mil toneladas para o bloco. — Não é um acordo ruim para o setor agropecuário — frisou a fonte.

PASSO PARA A ABERTURA

Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do centro de Economia Mundial da FGV, considera que o ganho ou a perda específica de cada setor não é o mais relevante e, sim, “o importante passo dado em direção à abertura da economia brasileira”. Se, em carnes, o Mercosul conseguiu uma cota longe das 300 mil toneladas que, segundo fontes, a UE chegou a oferecer ao longo dos 20 anos de negociação, o setor automobilístico teve vitória importante. Os carros europeus só entrarão no Mercosul com tarifa zero num prazo de 15 anos, sendo que, nos primeiros sete de vigência, as tarifas atuais, de até 35%, serão mantidas como estão. No caso dos vinhos finos, o Mercosul também conseguiu resultado satisfatório, acrescentou a fonte argentina: a tarifa será zerada para os vinhos europeus dentro de oito anos enquanto os vinhos do Mercosul poderão entrar na UE com tarifa zero em quatro. — Foi um acordo equilibrado, histórico, que tem enorme valor institucional — disse ao GLOBO o ministro argentino da Produção, Dante Sica, que atuou nas negociações. —Não ganhamos tudo o que queríamos, mas ganhamos o máximo que podíamos ganhar. Para Carlos Frederico Coelho, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, analisando por setores, a cota das carnes, por exemplo, é baixa. —Está muito aquém das expectativas. A Sociedade Rural Argentina pretendia, em 2017%, cerca de 5% desse mercado de 8 milhões de toneladas —aponta o especialista em comércio internacional. Já Langoni vê ganhos de outro tipo relacionados ao processo de abertura: —O acordo marca o início da abertura da economia brasileira, uma das mais fechadas do mundo. Nosso coeficiente de abertura (exportações, mais importações sobre o PIB) é de 24%. O da China é de 40% e os de Chile e México são de 60%.