O globo, n.31373, 30/06/2019. Mundo, p. 36

 

Bolsonaro dispensa Xi e abre braços a saudita no G-20

Assis Moreira 

30/06/2019

 

 

OSAKA

No segundo e último dia da cúpula do G-20 no Japão, o presidente Jair Bolsonaro cancelou ontem um encontro bilateral com o presidente da China, Xi Jinping, depois de ter ficado algum tempo na sala de espera. O dirigente chinês estava com a agenda atrasada por causa de outras reuniões bilaterais. A China é o maior parceiro comercial do Brasil. O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, deu a informação por telefone aos jornalistas no momento em que funcionários chineses, ao verem encerrado um encontro de Xi com o presidente francês, Emmanuel Macron, entravam na sala para instalar a bandeira brasileira. O general explicou que Bolsonaro “abdicou” do encontro com Xi por razões logísticas. É que a delegação brasileira teria ainda de retornar do G-20 para o hotel, no centro de Osaka, e, depois, se dirigir ao distante aeroporto, para decolar no horário determinado. Pela manhã do horário japonês, em entrevista, Bolsonaro afirmou que usaria a reunião bilateral com Xi, horas depois, para “desfazer mal entendidos” com a China, numa aparente referência a declarações que fez, por exemplo, de que os chineses queriam comprar o Brasil, e não no Brasil. Para demonstrar seu interesse nas boas relações com Pequim, Bolsonaro contou que quer visitar a China, possivelmente em outubro. Em novembro, Xi Jinping participará em Brasília da reunião anual dos líderes do Brics, o grupo dos cinco grandes emergentes. Com pouco tempo e muitos líderes, os encontros bilaterais à margem do G-20 se sucederam, às vezes provocando engarrafamento de assessores na “red zone”, área reservada às autoridades onde o Japão instalou dezenas de salas de reuniões. E realmente sempre há cancelamentos. O próprio Xi tinha encontro inicialmente com Bolsonaro na sexta-feira, após o encontro do Brics, mas pediu para ser arranjado outro horário quando chegou a Osaka. Macron tentou marcar conversa com Bolsonaro às 23h, recusada pelo presidente brasileiro.

REUNIÃO COM SAUDITA

No Japão, Xi e o presidente dos EUA, Donald Trump, concordaram em retomar as negociações comerciais entre os dois países, paralisadas desde maio, "sobre a base da igualdade e do respeito mútuo", informou a agência estatal chinesa, Xinhua. Washington renunciou a impor mais taxas aos produtos chineses. Trump ainda se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman. Bolsonaro também ficou frente a frente com o polêmico príncipe Salman, com quem não tem muita gente querendo fazer foto ou apertar a mão. O príncipe foi recentemente acusado por um relator das Nações Unidas de ter orquestrado o assassinato e o desmembramento do jornalista saudita Jamal Khashoggi em consulado na Turquia. Bolsonaro declarou ser “um prazer” estar com Salman e que o Brasil estava “de braços abertos para aprofundar as relações”. Um assessor do príncipe, em seguida, retirou rapidamente da sala não só os jornalistas, que normalmente acompanham as saudações iniciais, como também uma assessora de Bolsonaro.

No Twitter, o presidente brasileiro destacou sua reunião com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que classificou como “excelente”. “Nossos países são grandes amigos e têm grandes semelhanças. Concordamos em aprofundar nossa cooperação com uma perspectiva de longo prazo e em áreas que fomentam o desenvolvimento, como agricultura e biocombustíveis”, escreveu.

OS OLHOS DE MERKEL

Depois de ter sido criticado por Angela Merkel, o presidente brasileiro afirmou que, em conversa de ontem com a chanceler federal alemã, disse que o Brasil é alvo de uma “psicose ambientalista”. O diálogo foi relatado por ele em entrevista à imprensa.

— Conversei com ela, foi uma conversa tranquila. Em alguns momentos, ela arregalava os olhos, de maneira bastante cordial. Mostramos que o Brasil mudou o governo, e é um país que vai ser respeitado. Falei para ela também da questão da psicose ambientalista que existe para conosco —disse o presidente. Às vésperas da reunião, ela expressara ao Parlamento alemão“grande preocupação" com as ações do governo brasileiro a respeito do desmatamento, prometendo ter uma “conversa clara” com Bolsonaro. Em resposta, o brasileiro no sábado exigiu “respeito” ao Brasil e disse que não veio à reunião para ser “advertido” por outros países. Bolsonaro também convidou o presidente francês, Emmanuel Macron, para visitar a região amazônica, reafirmando seu compromisso com o Acordo de Paris. Assim como Merkel, o líder francês havia criticado a política ambiental do Brasil. —Eu convidei (Macron) para conhecer a região amazônica. Falei para ele (de fazermos) uma viagem de Boa Vista a Manaus. É pouco mais de duas horas. A gente poderia até voar a uma altura mais baixa, demoraria mais tempo, em um avião da Força Aérea, para ele ver que não existe o desmatamento tão propalado — afirmou Bolsonaro, segundo o site G1. A posição do presidente brasileiro reforça o compromisso sobre o tema firmado pelos Brics.

No fim do sábado, a cúpula do G-20 chegou ao fim com um pronunciamento dos países participantes "em favor dos fundamentos do livre-comércio" e do “crescimento econômico”. “Aproveitaremos o poder da inovação tecnológica, em particular a digitalização, e sua aplicação para o benefício de todos ", diz o texto divulgado ao fim do evento.

A BATALHA DO CLIMA

Depois de muita discussão, o grupo também concordou em discordar sobre o combate às mudanças climáticas, com os Estados Unidos permanecendo à parte do compromisso de cumprir o Acordo de Paris. Se há alguns anos o tradicional comunicado final era uma questão meramente protocolar, em defesa do multilateralismo, com a chegada de Trump ao poder se tornou um campo de batalha.

Com agências internacionais