O globo, n.31372, 29/06/2019. Colegiado, p. 08

 

Governo recria 1% dos conselhos 

João Paulo Saconi

Isabela Aleixo

Gustavo Maia 

29/06/2019

 

 

O presidente em exercício, Hamilton Mourão, assinou decreto que mantém em funcionamento apenas 32 conselhos consultivos, 1,2% dos 2.593 existentes. Mas serão mantidos os colegiados ligados a instituições federais de ensino e, por determinação do STF, os que foram criados por leis.
Anunciado com o propósito de “despetizar” o governo e reduzir gastos e entidades considerados supérfluos, a extinção de órgãos colegiados ligados ao Executivo federal começou a sair do papel ontem.
Com o fim do prazo dado em abril pelo Planalto para a extinção de conselhos, comissões e afins, o presidente em exercício Hamilton Mourão assinou decreto que manterá em funcionamento 32 comitês consultivos. Coma medida, o corte na administração será profundo: esses conselhos recriados representam apenas 1,2% do total de 2.593 colegiados ligados ao governo, como mostra levantamento do Ministério da Economia obtido pelo GLOBO. Não significa, contudo, que todos os demais serão extintos.
Estão preservados, por exemplo, os 996 (38% do total) colegiados ligados a instituições federais de ensino. Além disso, em junho, respondendo a uma ação da oposição, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo não poderia extinguir os órgãos criados por lei — apenas os instituídos por decreto. Existem 863 conselhos nestes dois grupos, mas o Ministério da Economia ainda não sabe identificar quantos foram criados por decreto e quantos por lei.
Pelo levantamento, há ainda 734 órgãos criados por atos internos, como portarias, eque estão aptos a ser
extintos desde ontem. Entre eles, há os que abordam temas como diversidade, ações para refugiados, corrupção, criminalidade e questões de saúde e escolaridade indígena.
O texto do decreto de extinção de conselhos assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 11 de abril havia dado um prazo para que o governo recebesse propostas de recriação de colegiados. A Secretaria-Geral da Presidência informou que recebeu 129 pedidos, e que o “primeiro ciclo de análise” resultou na recriação de 32 conselhos feita ontem.
O texto assinado por Mourão “não esgota a possibilidade a criação de novos colegiados que o interesse público se justifique”, segundo o governo. Dentre os grupos mantidos estão as comissões de ética da Presidência e de erradicação do trabalho escravo, os conselhos de combate à discriminação e de imigração (veja lista completa ao lado).
Ao anunciar a revogação do Plano Nacional de Participação Social (PNPS), criado no governo Dilma e que obrigava órgãos da administração direta e indireta a criarem estruturas de participação social, o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni disse que os conselhos integrados à sociedade “vinham de uma visão completamente distorcida do que é representação e participação da população”:
De acordo com o plano, os conselhos serviriam para engajar representantes do governo e da sociedade nodes envolvimento e acompanhamento de políticas públicas relacionadas a temas diversos. Eles são consultivos e não têm, em geral, poder decisório.
ECONOMICA LIDERA
Para além dos processos de desburocratização e racionalização de gastos, a intenção da Casa Civil era acabar com os conselhos de participação social, grupo que estaria impregnado pela “visão ideológica das gestões anteriores”, nas palavras de Lorenzoni.
—Esses 700 conselhos criados pelo governo do PT traziam pagamentos de diárias, passagens aéreas, hotelaria, alimentação, recursos para essas pessoas, recursos que eram carreados para pessoas que não tinham nenhuma razão de estar aqui, apenas para consumir recursos públicos e aparelhar o Estado brasileiro. Para tentar coibir os gastos, o governo Bolsonaro estabelece que, de agora em diante, colegiados em que os integrantes estejam em outros municípios participem das reuniões, geralmente concentradas em Brasília, por videoconferência. O pagamento de diárias e passagens só deve acontecer diante da comprovação de disponibilidade orçamentária. No entanto, o Ministério da Economia e a Casa Civil informaram que ainda não é possível fazer um levantamento conclusivo sobre quanto será economizado nos gastos com os colegiados antese após a extinção de cer cade 700 órgãos.
Conforme o documento feito pelo Ministério da Economia, a pasta com o número recorde de colegiados atualmenteéa própria Economia (com 238, ao todo), seguida pela Agricultura (147), Defesa (107) e Segurança Pública (105). As mais enxutas são a Infraestrutura (11), Minas e Energia (7) e o Turismo (3). Não há indicação, no levantamento, de quantos são os órgãos colegiados que envolvem participação social, quais deles estão ativos ou inativos e o custo estimado de sua manutenção. Um deles é a Comissão Nacional de HIV/ Aids (Cnaids), ligada ao Ministério da Saúde. Integrante da Cnaids, a professora Georgina Machado, de Sergipe, diz que o órgão seguiu funcionando desde abril, quando o governo determinou ontem como prazo para a extinção formal. Entre as demandas cujos debates ela já participou estão a utilização da camisinha feminina e o controle da sífilis.
— Seguimos tentando mostrar a importância dos conselhos para uma boa resposta brasileira à epidemia do HIV/Aids no Brasil
Governo recebeu 129 pedidos de recriação de conselhos e avaliará “interesse público”
— afirma Georgina, que contava com passagens pagas pelo governo e ajuda de custo de R$ 300, referente a hospedagem e deslocamento.
A Cnaids foi instituída em 1986, e é formada por representantes da sociedade civil, instâncias governamentais e da comunidade científica. A Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids) afirmou que o governo demonstra “uma linha autoritária e antidemocrática”, com “restrições à sociedade civil para participar da elaboração, fiscalização e processos decisórios sobre políticas públicas”.

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Entre os extintos, conselhos desconhecidos pelo próprio setor 

João Paulo Saconi

29/06/2019

 

 

Na lista de colegiados cuja extinção foi sacramentada ontem pelo governo, há casos de órgãos obsoletos e até desconhecidos por pastas da Esplanada dos Ministérios e por entidades da sociedade civil. É o caso, por exemplo, da Comissão de Articulação de Conselhos, ligado à Família,

Mulher e Direitos Humanos, cujo nome sugere um colegiado utilizado para deliberar sobre outros agrupamentos do mesmo tipo. Embora a comissão apareça na lista elaborada pelo Ministério da Economia, o próprio ministério afirma que não reconhece a existência da estrutura de participação.

Debaixo do guardachuva da Presidência da República, estava ainda o Comitê Gestor do Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada do Nordeste. Formalmente, o órgão acabou ontem, mas não terá impacto direto na formulação de políticas públicas voltadas para o setor. O tema é debatido desde 2003 por outro colegiado, a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Fruticultura, órgão que integra o Ministério da Agricultura.

—Eu nunca ouvi falar em um conselho sobre fruticultura irrigada que estivesse ligado à Presidência. E estou em Brasília para tratar do assunto toda semana. O impacto da exclusão deste organismo será nulo, ainda que o tema seja de extrema importância para o Nordeste —conta o empresário Luiz Roberto Barcelos, maior produtor de melão do país e presidente da Abrafrutas (uma das principais entidades do setor).

Junto à Secretaria-Geral da Presidência, deveriam estar funcionando o Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo e um órgão semelhante destinado a catadores de material reciclável. Instituídos em 2013, eles faziam parte do Programa Pró-Catador, lançado no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff (PT). Integrantes do movimento nacional que representa catadores informam, porém, que os comitês extintos ontem já não estavam mais funcionando.