O Estado de São Paulo, n. 46010, 07/10/2019. Política, p. A8

 

Réu em 27 ações, ex-prefeito diz ter 'trauma de política'

José Maria Tomazela

07/10/2019

 

 

Maioria dos processos a que Otávio Cianci (PTB), de Mesópolis, interior de São Paulo, responde é por improbidade administrativa

Sem dinheiro. Cianci diz que o patrimônio acabou e que mora de favor na casa de um filho

O ex-prefeito Otávio Cianci (PTB), de 65 anos, se orgulha de ter sido o administrador que mais colocou placas de inauguração em Mesópolis, cidade de 1,9 mil habitantes, na região norte do Estado de São Paulo, que ele administrou em duas gestões (2005 a 2012). De outro recorde ele não se envaidece: é um dos exprefeitos paulistas que mais se tornaram réus em ações civis públicas, a maioria por improbidade administrativa.

São ao menos 27 processos movidos apenas na Justiça de Jales, sede da comarca. O ex-prefeito se diz injustiçado. “De tanto pagar advogado e devolver dinheiro sem dever, tive de vender tudo o que tinha e peguei trauma de política”, disse.

Otávio Cianci apoia o pleito de prefeitos e governadores por mudanças na Lei de Improbidade Administrativa. Segundo ele, a lei é “impiedosa” quando ataca o patrimônio dos administradores denunciados por suposta má gestão. “Mesmo não sendo culpado, a gente acaba pagando muito mais do que deveria. Vejo pelo meu caso. Quando fui prefeito pela primeira vez, em 2005, eu tinha um bom patrimônio em imóveis, veículos e gado. Por conta dos processos, que eu considero injustos, meu patrimônio foi todo consumido, tanto por advogados quanto pelo dinheiro que a Justiça bloqueou e retirou de mim.”

Segundo ele, os políticos novos que se candidatam a cargos executivos não imaginam a “dor de cabeça” que os espera. “São leis que engessam o administrador. Ele não consegue fazer nada e o eleitor cobra. O candidato novo não sabe o rigor da lei. Eu não volto a me candidatar nem que seja a última pessoa de Mesópolis.”

Em 17 ações, Tavinho, como é conhecido, foi acusado de improbidade administrativa. Três processos são da esfera criminal, em que ele é acusado de crimes contra as finanças públicas e a lei das licitações. O ex-prefeito se diz vítima de um “denuncismo exagerado”. “Não podia passar um pássaro e lá vinha uma denúncia. A maioria era sem fundamento, por supostos erros em que eu não tive culpa.” É o caso, segundo ele, do processo que sofreu pelo pagamento de gratificação por nível universitário a um assessor sem curso superior. “Ele garantiu que tinha, mas não apresentou o diploma e quem devia exigir, não exigiu. É culpa do prefeito?”

Em outro processo, o ex-prefeito e outros réus foram acusados de contratar uma farmácia de manipulação que fornecia medicamentos superfaturados. “Eles já forneciam antes de eu assumir e só continuaram fornecendo. Ao meu ver estava tudo ok. Na denúncia, colocaram que um remédio estava 1.000% acima do preço normal. Quem teria de avaliar os preços é a comissão que fazia a compra. Como o prefeito vai saber o preço dos remédios?”, disse.

Padaria. Tavinho também se defende no caso em que a padaria de um sobrinho ganhou licitação para fornecer pão à prefeitura. “A vida toda a prefeitura só comprava dele. Eu entrei e a comissão de licitação disse que eu não poderia impedir ele de participar. Houve denúncia e, como meu sobrinho tem trauma de fórum, foi proposto um acordo e ele aceitou. Devolveu R$ 70 mil, mais do que recebeu fornecendo pão o ano inteiro.”

O ex-prefeito vai se lembrando de outros casos, como o da empresa do genro contratada para serviços de limpeza da prainha da cidade, que fica à beira do Rio Grande. Um inquérito apontou que a licitação fora fraudada, inclusive com uso de documentos falsos. Depois que o genro conseguiu passar em concurso da prefeitura, também sob suspeita de fraude, um ex-empregado dele foi contratado para a limpeza da prainha. “Quando houve a licitação, meu genro era apenas namorado da minha filha. Eles se casaram depois. Em dois anos, ele recebeu R$ 60 mil. Agora querem que ele devolva quase R$ 1 milhão.”

Tavinho foi absolvido em quatro processos, mas o Ministério Público recorreu. Em outros dois, fez acordos e paga parcelas mensais de R$ 500 e R$ 200, respectivamente.

Os processos criminais por fraudes em licitações, falsidade ideológica e associação criminosa já renderam ao ex-prefeito condenações em primeira instância que somam 22 anos e 8 meses de prisão. Tavinho entrou com recursos, mas uma das condenações, por contratar sem licitação o fornecimento de peças automotivas para a prefeitura, foi mantida no Tribunal de Justiça.

O ex-prefeito também teve bloqueados cerca de R$ 100 mil em contas bancárias para ressarcimento do erário, mas alega que o dinheiro era resultado da venda de bens para pagar advogados. “Cada denúncia que o juiz aceitava, eu tinha que pagar R$ 6 mil para a defesa. Vendi um sítio com gado, casa, caminhão, carro, tudo declarado na Justiça Eleitoral. Hoje, moro de favor com um filho. Minha advogada me defende de graça. Ela sabe que não tenho como pagar.”

'Denuncismo'

“Não podia passar um pássaro e lá vinha uma denúncia. A maioria era sem fundamento, por supostos erros em que eu não tive culpa.”

Otávio Cianci (PTB)

EX-PREFEITO DE MESÓPOLIS

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'MDB pode viver sem ser governo', diz novo presidente

Renato Onofre

07/10/2019

 

 

Eleito na convenção de ontem, Baleia Rossi afirma que ‘é preciso reconectar o partido com os anseios da sociedade’

Diálogo. Baleia Rossi defende ‘dar voz’ à militância do MDB

Com a promessa de “renovação”, o MDB confirmou ontem o deputado federal Baleia Rossi (SP) como seu presidente, em convenção marcada pela presença de velhos caciques da legenda, como o ex-presidente José Sarney, o ex-presidente do Senado Eunício Oliveira e os ex-ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha. Em seu discurso, Rossi afirmou que “é possível viver sem ser governo” e que o MDB precisa de uma identidade.

“Hoje precisamos escolher novas bandeiras. É preciso saber que é possível viver sem participar de governo, porque somos muito maiores do que isso”, afirmou Rossi, que sucede ao ex-senador Romero Jucá.

Sob o slogan “Renovação Democrática”, o encontro planejado para mostrar um “novo MDB” serviu também de palanque para resgatar velhas lideranças políticas afastadas dos holofotes por derrotas nas urnas ou por investigações como a Operação Lava Jato.

“A unidade do partido é fundamental para a gente poder mudar, reconectar o nosso partido com os anseios da sociedade e dar voz à nossa militância. Respeitando a nossa história, mas também sabendo que o partido tem que olhar para a frente”, afirmou Baleia Rossi, que tem 47 anos e se tornou o mais jovem presidente do MDB.

Os salões do Centro de Convenções do Meliá 21, na região central de Brasília, estavam repletos de imagens do ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães (1916-1992), fundador e um dos políticos históricos da legenda. Ao microfone, os emedebistas enalteciam o governo do ex-presidente Michel Temer, que não compareceu.

Sem Temer, a grande estrela do velho MDB foi outro ex-presidente: José Sarney. Aos 89 anos, o também ex-senador teve dificuldade de circular por causa da tietagem de filiados. A todo momento, era parado para fotos. “Falam do velho Sarney. Não me sinto velho, não. Sou jovem, como disse o Jucá”, afirmou o ex-presidente.

Nem todos os filiados, no entanto, estavam satisfeitos com a presença dos caciques. “Não me sinto à vontade em uma convenção como essa. Vão sair fotos daqui que terei vergonha”, afirmou Edson Brum, deputado estadual no Rio Grande do Sul.

Críticas. A “nova política” e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foram alvo de críticas. “Qual é a nova política? Qual é a que ele (Bolsonaro) pratica? Política é a política. É a boa política e a má política. Fazer política é tomar decisões para afetar a vida das pessoas. Quem faz bem afeta positivamente, quem faz mal destrói a vida das pessoas”, afirmou Jucá. Sem conseguir a reeleição, o ex-senador vai assumir uma cadeira de “vogal” na Executiva do partido – quando o membro tem direito a voto, mas não ocupa um cargo específico.

O ex-ministro Moreira Franco afirmou que é necessário ter “humildade” para reconhecer a necessidade de mudanças internas. “Os resultados das últimas eleições para nós, do MDB, foram terríveis. Temos que incorporar, entender, mudar para, nas eleições municipais (do ano que vem), termos a mesma recepção que o partido teve no passado”, afirmou. A bancada de deputados federais do partido encolheu de 66 eleitos em 2014 para 34 em 2018.

Maia. O MDB faz um movimento de bastidores para, em dobradinha com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), construir uma estratégia conjunta para as principais disputas municipais de 2020 e uma candidatura única à sucessão de Bolsonaro, em 2022.

Presente à convenção, Maia defendeu os quadros históricos do MDB. “Nós temos muitas realizações juntos e não devemos ter vergonha do que fizemos. Temos que valorizar e mostrar à sociedade que temos experiência para fazê-las. Porque falar com boas narrativas, isso é fácil. O difícil é ter bons quadros como o MDB”, disse.

Aprendizado

“Os resultados das últimas eleições para nós, do MDB, foram terríveis. Temos que incorporar, entender, mudar para, nas eleições municipais, termos a mesma recepção que o partido teve no passado.”

Moreira Franco

EX-MINISTRO