O globo, n.31371, 28/06/2019. País, p. 05

 

Ministério da Defesa vê falha grave no embarque de cacína em avião

Vinicius Sassine 

Jussara Soares

28/06/2019

 

 

O gabinete do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, avalia que houve uma falha grave da Aeronáutica nos procedimentos que permitiram ao segundo-sargento Manoel Silva Rodrigues, de 38 anos, desembarcar com 39 quilos de cocaína na Espanha, dentro de uma missão relacionada a uma viagem oficial do presidente Jair Bolsonaro.

O GLOBO apurou que a Defesa tem a percepção de que Rodrigues não passou por nenhum equipamento de raios X na Base Aérea em Brasília. Além disso, o gabinete do ministro entende que bagagens deveriam ter sido verificadas, diante de indícios de excessos nessas bagagens.

Em razão da pressão e da forte repercussão do caso, inclusive internacional,

tanto o ministro da Defesa quanto a Aeronáutica convocaram uma entrevista coletiva à imprensa na tarde de ontem. A quase totalidade das perguntas dos jornalistas ficou sem respostas.

O ministro fez um pronunciamento curto, no qual disse que não vai “admitir criminosos entre nós” e que “houve quebra de confiança”. O ministro disse que, se comprovada a culpa, o militar será julgado “sem condescendência pela Justiça da Espanha e pela própria Justiça brasileira”.

Em transmissão na internet ontem, Bolsonaro prometeu investigação:

— Lamento por este elemento porque, pelo que tudo parece, estava há tempo envolvido nisso. Ninguém numa primeira viagem vai colocar 39 quilos de entorpecente. E vamos investigar.

Já o porta-voz da Aeronáutica, major-aviador Daniel Rodrigues Oliveira, recusou-se a responder se o segundo-sargento pego com cocaína passou por uma inspeção na Base Aérea de Brasília. O porta-voz foi questionado pelo menos sete vezes a respeito dessa informação e, mesmo assim, não respondeu, alegando que o inquérito policial-militar (IPM) instaurado é mantido em sigilo.

O constrangimento entre os militares, tanto os que despacham no Ministério da Defesa quanto os da Aeronáutica, é evidente. No ministério, o sentimento descrito é de “traição”, uma vez que Rodrigues teria quebrado a confiança que os militares costumam reiterar.

Isto, porém, não impede a avaliação de que uma falha grave ocorreu, diante da grande quantidade de drogas traficada, dentro de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), numa missão de suporte à viagem de Bolsonaro ao Japão, para participar da cúpula do G-20, os 20 países mais industrializados do mundo.

CELA COM OUTRO PRESO

O IPM precisa ser concluído em 40 dias, prazo que pode ser prorrogado por mais 20 dias. A Aeronáutica colocou o inquérito para tramitar sob sigilo, embora o ministro da Defesa tenha falado em dar transparência aos passos da investigação. Na primeira entrevista coletiva sobre o assunto, a regra foi o silêncio para a grande maioria das perguntas.

O segundo-sargento Manoel Silva Rodrigues atuava como comissário de bordo em voos oficiais da Aeronáutica e já esteve em missões dos presidentes Dilma Rousseff, Michel Temer e Bolsonaro. Segundo fontes do Ministério da Defesa, a tripulação de voos oficiais, mesmo as pessoas que dão suporte a missões presidenciais, não costuma passar por equipamentos de raios X. Essa obrigação existe para quem embarca no avião que transporta o presidente da República, segundo essas fontes.

O segundo-sargento da Aeronáutica está preso no Centro Penitenciário Sevilha 1. Divide com um outro preso uma cela de 18 metros quadrados, sem televisão. Já teve banho de sol e recebe quatro refeições diárias. No presídio estão cerca de 1,3 mil detentos de menor periculosidade.