O globo, n.31371, 28/06/2019. Economia, p. 21

 

Sob pressão

Geralda Doca 

Natália Portinari

28/06/2019

 

 

Pressionado pelo Congresso, o governo começou ontem a trabalhar internamente para liberar verbas que assegurem a aprovação da reforma da Previdência na Câmara antes do recesso do Legislativo, marcado para 18 de julho.

A Casa Civil já pediu aos integrantes das bancadas para indicar projetos que possam receber recursos nos estados. O governo prometeu a cada parlamentar R$ 10 milhões agora, durante a votação da proposta na Comissão Especial, e mais R$ 10 milhões na apreciação do texto no plenário da Câmara. Outros R$ 20 milhões viriam até o fim do ano.

Além disso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, buscou uma aproximação com o Parlamento, para tentar acalmar as pressões dos partidos do centrão.

— O sistema está sendo ajustado e as emendas estão sendo cadastradas para a liberação da verba antes da votação na comissão — disse um parlamentar que pediu para não ser identificado.

Outro deputado afirmou que a demora na liberação das verbas é hoje o principal entrave à tramitação da proposta. Segundo ele, diante da “generosidade”, até mesmo estados e municípios poderiam voltar à reforma. O ingresso dos governos regionais é um dos pontos ainda em negociação.

SEM RESPEITO POR GUEDES

O líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), contudo, disse que não vê espaço político para que essa reinclusão aconteça ainda na Comissão Especial que discute a matéria. A participação dos estados na reforma poderia resultar em perda de votos dos partidos que apoiam o governo.

Para o líder da maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), se os entes entrarem na proposta será na votação em plenário, por meio de emenda aglutinativa, e ainda assim será preciso que os governadores mobilizem as bancadas para assegurar os 308 votos necessários.

O deputado Herculano Passos( MDB- SP ), novo vice-líder do governo na Câmara, negou que as verbas prometidas sejam compra de votos:

—O governo tem que prestigiar quem apoia. Isso faz parte da política. Ninguém é obrigado a apoiar, mas quem apoia tem que ter vantagens, porque dá desgaste (defender essas matérias).

Para complicar, o clima entre Guedes e os parlamentares está cada vez mais tenso. Um dia depois de a colunista do GLOBO Bela Megale publicar que Guedes comentou num jantar que o Congresso é uma “máquina de corrupção”, o presidente da Comissão Especial, Marcelo Ramos (PLAM), afirmou que perdeu o respeito pelo ministro:

— Não podemos deixar contaminar a tramitação da reforma. Agora, o Guedes, que era um interlocutor respeitado com o Congresso, vai perdendo isso. Eu sou um que não tenho mais respeito por ele. Antes, me esforçava para construir um diálogo com ele, hoje não tenho respeito nenhum por ele.

VOTAÇÃO ANTES DO RECESSO

Segundo Ramos, a indignação de Guedes é com a retirada da capitalização (na qual cada trabalhador contribui para a própria aposentadoria) da proposta. Ele diz que o ministro — maior defensor da ideia —quer usar o sistema de capitalização para enriquecer como Jorge Zaror, ministro do Orçamento do governo Pinochet que implementou esse tipo de regime no Chile.

Guedes não comentou as declarações do presidente da comissão, mas passou o dia tentando acalmar ânimos. Ele almoçou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Após o encontro, ambos falaram coma imprensa juntos, e o ministro afirmou:

— Confio na capacidade de articulação política (do Congresso para aprovara reforma).

Alcolumbre destacou a atuação do presidente da Câmara e a importância da reforma:

—Maia tem sido um coordenador da reforma. A reforma não é simpática, mas é fundamental.

‘SAPO MORRE PELA BOCA’

Maia, por sua vez, disse que a equipe econômica precisa voltar ajudar o Parlamento, como fez até a apresentação da primeira versão do relatório da reforma da Previdência na Comissão Especial. O presidente da Câmara evitou polemizar com o ministro da Economia, dizendo que “sapo morre pela boca”:

— Menos intriga, mais política e mais unidade para a gente aprovar a Previdência. Nós precisamos que a equipe econômica volte a nos ajudar como nos ajudou até a apresentação deste relatório pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Até ali, o nosso trabalho em conjunto era muito forte. Precisa voltar.

Do Japão, o presidente Jair Bolsonaro elogiou Maia, Alcolumbre e as lideranças que têm atuado para aprovar o texto.

— Espero que tudo se acalme, e a gente coloque em votação isso daí para que outras pautas venham a se fazer presente nas duas casas — comentou nas redes sociais.

Maia afirmou que o relatório final da reforma será lido e votado na comissão na próxima semana. Ele manteve a previsão de votar o texto no plenário da Câmara antes do recesso. E afirmou que trabalha com a possibilidade de aprovação por 325 votos (acima dos 308 necessários).

O governador do Rio, Wilson Witzel afirmou que o governo poderá contar com 30 a 35 votos da bancada do estado na votação da reforma da Previdência na Câmara.

O presidente da Câmara disse ainda que o relatório está 90% concluído, mas que o governo precisa resolver o problema do seu partido, o PSL, que pretende suavizar as regras para profissionais da área de segurança. Maia afirmou que o parecer manterá a proposta do governo para essas categorias, com idade mínima de 55 anos.

Um grupo de 20 deputados da legenda querem os mesmos benefícios das Forças Armadas, sem idade mínima de aposentadoria para quem já ingressou na carreira. (Colaborou Eliane Oliveira)

QUAL A SITUAÇÃO DO TEXTO ATUALMENTE

PONTOS EM ABERTO

> Estados e municípios. Na primeira versão do relatório, esses entes ficaram de fora da reforma. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tenta uma solução para reincluir os governos regionais no texto.

> Policiais federais, civis, rodoviários, seguranças do Congresso e agentes penitenciários. O relatório fixa idade mínima de 55 anos para essas categorias, mas a bancada do PSL pressiona para derrubar essa exigência.

> Políticos. O relatório eleva a idade mínima de aposentadoria dos políticos de 60 para 65 anos e impõe pedágio de 30% sobre o tempo que falta para aposentadoria, mas os parlamentares pressionam para flexibilizar a regra.

> Professores. O relatório fixou idade mínima de aposentadoria de 57 anos (mulher) e 60 anos (homem), mas parlamentares querem uma idade menor ou retirar a categoria da reforma.

> Regra de cálculo do valor do benefício. O parecer considera a média de todas as contribuições dos trabalhadores, mas há pressão para adotar uma fórmula mais vantajosa, com base na média das 80% maiores contribuições.

PONTOS JÁ FECHADOS

> Idade mínima de aposentadoria. De 65 anos (homem) e 62 anos (mulher) para trabalhadores do setor privado e servidores públicos da União.

> Regra de transição. Quem já está no mercado de trabalho terá de cumprir regras de transição para se aposentar

> Pensão. O valor cai para 50%, mais 10% por dependente, no limite de 100%.

> Acumulação de pensão e aposentadoria. O segurado poderá optar pelo mais vantajoso e uma parcela do benefício de menor valor.

> Tempo mínimo de contribuição das mulheres na aposentadoria por idade. Foi mantido nos atuais 15 anos.

> Alíquotas previdenciárias progressivas. No caso do INSS, a nova regra prevê alíquotas que variam de 7,5% a 14%, distribuídas em faixas salariais. Para o funcionalismo, a alíquota pode chegar a 22% nos salários mais altos.