Valor econômico, v.19, n.4741, 02/05/2019. Política, p. A10
Centrais sindicais unem-se contra reforma
Kauanna Navarro
Aricia Martins
02/05/2019
Até então inédita no Brasil, a unidade entre as centrais sindicais deve ser a estratégia usada daqui em diante para enfrentar a restrição orçamentária e a perda de representatividade dessas organizações, avaliam sindicalistas e estudiosos do movimento ouvidos pelo Valor. Na primeira comemoração do 1º de Maio após a extinção do Ministério do Trabalho, Força Sindical, CUT e outras oito centrais dividiram o palanque montado no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, para protestar contra a reforma da Previdência, em conjunto com as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Uma greve geral foi convocada para 14 de junho.
Quando a proposta de mudança nas regras de aposentadoria foi enviada ao Congresso, no fim de fevereiro, as entidades sindicais não haviam fechado questão sobre o assunto, divergência aparentemente superada. Presente no ato de ontem, a UGT não participou de um protesto que reuniu oito centrais na capital paulista em 20 de fevereiro.
Sem patrocínio do setor privado e de empresas estatais, ao contrário das edições anteriores, o orçamento levantado de R$ 700 mil para a festa saiu do bolso das próprias centrais e não permitiu a realização de sorteios de prêmios, como carros. As atrações musicais - este ano, a principal foi a funkeira Ludmilla - também foram menos numerosas. Para efeito de comparação, o evento da Força em 2018, que é tradicionalmente o que conta com maior plateia e presença de artistas, custou R$ 2 milhões.
Segundo Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a postura mais combativa das centrais contra temas caros aos empresários pode ter afastado potenciais patrocinadores. A arrecadação para a festa também foi prejudicada pela Medida Provisória 873, que suspendeu o desconto da contribuição sindical da folha de pagamento dos trabalhadores.
O presidente da Força, Miguel Torres, afirmou que o problema financeiro não foi decisivo para a participação da entidade no ato unificado. Algumas "empresas tradicionais" procuraram a central, que preferiu, no entanto, não captar recursos este ano, disse. "Discordo que o evento tenha sido esvaziado. Tivemos como princípio demonstrar a unidade trabalhista. A crise que foi montada facilitou isso."
De acordo com dirigentes sindicais, 200 mil pessoas passaram pelo local ao longo do dia. Até as 16h, o público não enchia o Vale. Muitos apoiavam os movimentos organizadores do ato. Alguns grupos gritavam palavras de ordem, como "Lula livre".
No Rio, CUT, Força, CTB, CGTB e Conlutas também organizaram um ato único na Praça Mauá, no centro. Foi anunciado, além da greve geral marcada para junho, um protesto dos funcionários do IBGE hoje, contra o corte no orçamento do censo demográfico.
Entre os políticos presentes em São Paulo, o discurso foi concentrado nas críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e à reforma previdenciária. Do PT, participaram o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, a deputada federal e presidente do partido Gleisi Hoffmann, o deputado Rui Falcão e o ex-senador Eduardo Suplicy, entre outros.
O candidato à Presidência pelo Psol nas últimas eleições, Guilherme Boulos, também discursou no evento, assim como Carlos Lupi, presidente do PDT. Já Ciro Gomes, ex-presidenciável da sigla, não compareceu à comemoração, alegando ter outros compromissos agendados.
Vagner Freitas, presidente da CUT, afirmou que toda a proposta da reforma é ruim, mas destacou dois pontos centrais que devem ser atacados pela paralisação convocada para junho: a criação do regime de capitalização e a retirada de regras previdenciárias da Constituição.
Além de abrir espaço para a negociação de trechos do texto que propõe mudanças no sistema previdenciário, já que impedir a aprovação do projeto seria impossível, a greve tem como objetivo evitar uma possível reeleição de Bolsonaro, o que está sendo discutido por partidos do Centrão, disse Paulinho da Força, líder da central e deputado federal pelo Solidariedade.
"Estou entre os que acham que precisa fazer uma reforma que não garanta a reeleição de Bolsonaro. Se você faz uma reforma que dê R$ 1 trilhão para ele em dez anos, em três anos ele tem R$ 300 bilhões para gastar e está reeleito. Até um idiota como ele se reelegeria", comentou Paulinho, que disse estar negociando a participação do setor de transporte rodoviário na paralisação.
Sobre o ato unificado, o deputado apontou que a situação financeira dos sindicatos e a conjuntura atual, com 13,4 milhões de desempregados e uma pauta do governo contrária aos trabalhadores, motivaram o alinhamento com as outras centrais.
Para Ganz Lúcio, do Dieese, a união entre as centrais precisa ser mantida nas futuras mobilizações, em meio à falta de diálogo do governo com os movimentos que, segundo ele, mostra uma visão excludente da sociedade. "A agenda de mobilizar o Congresso e a sociedade não é simples. Nesse sentido, a unidade pode ser algo positivo."
Esta também é a avaliação do consultor sindical João Guilherme Vargas Netto, para quem a estratégia de unificação tende a permanecer. "O movimento sindical demonstrou capacidade de se adaptar", disse. "Há dificuldades maiores hoje, mas não vejo um esvaziamento [do sindicalismo]", apontou Netto.
Já para o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes, a perda de expressividade dos sindicatos é fato e não poderia ser evitada, dado o aumento expressivo de ocupações que chama de "isoladas", como motoristas de aplicativos. Diante dessa nova realidade, além de buscar unificação em pontos possíveis, as entidades precisam procurar outras formas de organização e se aproximar dos movimentos sociais, defende. (Colaborou André Ramalho, do Rio).