Valor econômico, v.19, n.4736, 24/04/2019. Opinião, p. A10

 

As relações entre crédito e atividade econômica 

Mauricio Furtado 

24/04/2019

 

 

Diante do desempenho da atividade econômica, emergiu no debate público uma controvérsia acerca do ritmo de crescimento do PIB no futuro próximo. Um grupo de analistas ressalta que existiria uma tendência de aceleração da economia nos próximos meses. Isso ocorreria por conta da dissipação de choques contracionistas que surgiram em 2018 e do impulso da política monetária, que estaria em território expansionista.

Outro grupo de analistas se mostra cético em relação à aceleração da atividade e defende que não existiriam dados concretos que dessem suporte a essa leitura. Na verdade, os dados disponíveis até o momento estariam indicando o oposto, isto é, uma desaceleração da economia nos meses à frente.

A resposta do grupo mais otimista à argumentação dos céticos envolve o desempenho do saldo da carteira de crédito. Uma vez que essa variável estaria crescendo, a política monetária estaria cumprindo seu papel de estímulo, e o crescimento do PIB tenderia a aumentar.

Como o crédito tem importância central no debate atual, cabe perguntar: qual seria a relação entre crédito e atividade econômica?

Em teoria, dois canais se destacam, um pelo lado da demanda e outro pelo lado da oferta. O primeiro decorre da visão que os componentes da demanda agregada - consumo, investimento, gastos do governo e exportações líquidas - se constituem nas principais fontes das flutuações econômicas de curto prazo. Como uma parcela dos gastos em consumo e investimento é financiada por meio de crédito, é de se esperar que essa variável caminhe de mãos dadas com o nível do Produto Interno Bruto (PIB).

Pelo lado da oferta, há discrepâncias entre os gastos inerentes à produção e o montante de recursos próprios das empresas disponíveis para uso imediato. Por conta disso, o processo produtivo demanda a utilização de capital de giro captado junto aos bancos para, por exemplo, a aquisição de bens intermediários. Nesse sentido, também é de se esperar que a concessão de crédito acompanhe o nível de atividade econômica.

Percebe-se, portanto, que há uma relação teórica (pela demanda ou pela oferta) entre as concessões de crédito e o nível do PIB. Uma consequência disso é que, se estivermos interessados no crescimento do PIB - ao invés de seu nível -, a relação deveria se dar com o crescimento das concessões de crédito.

Outra consequência é que o crescimento do saldo da carteira de crédito não deveria ser utilizado como um indicador de crescimento do PIB, como ocorre com frequência no debate público. De fato, o crescimento do saldo da carteira de crédito deveria ter alguma relação, ainda que não muito estreita, com as concessões de crédito e com o nível do PIB, mas não com o crescimento do PIB.

Até o momento, exploramos a relação teórica entre crédito e atividade econômica, mas o que os dados mostram?

Para responder, utilizamos os dados de saldo da carteira de crédito e de concessões de crédito do Banco Central (deflacionados pelo IPCA), e os dados de PIB do Monitor do PIB do Ibre/FGV, todos em frequência mensal. Comparamos, então, o crescimento em 12 meses dos saldos e das concessões com o crescimento do PIB - também em 12 meses - por meio de gráficos. A partir desse simples exercício, foi possível verificar que:

i) o crescimento do saldo da carteira de crédito não é um bom indicador para monitorar o crescimento do PIB e

ii) o crescimento das concessões é um indicador razoável, mas apresenta limitações.

O crescimento do saldo da carteira se mostrou inadequado porque é extremamente defasado em relação ao crescimento do PIB e não capta bem as flutuações de curto prazo. Por exemplo, a partir do primeiro trimestre de 2018 o crescimento do PIB se estabilizou, mas o crescimento do saldo estava em elevação, gerando a falsa impressão de que a atividade econômica estaria ganhando tração.

O crescimento das concessões, por sua vez, foi bastante aderente ao crescimento do PIB, capturando bem os sinais das flutuações, no entanto, também apresentou um comportamento defasado. Isso significa que os dados de concessões totais poderiam ser utilizados para indicar a robustez de um processo de crescimento, mas dificilmente serviriam para verificar o comportamento contemporâneo da economia.

Investigando mais a fundo, realizamos um último exercício, segmentando o crescimento das concessões entre pessoas físicas (PF) e jurídicas (PJ). Isso é importante porque, como o financiamento ao consumo e à habitação é destinado à PF, e o financiamento ao investimento e à produção é destinado à PJ, é bastante possível que esses componentes tenham dinâmicas distintas.

Com isso, conseguimos verificar que o crescimento das concessões para PJ é extremamente defasado em relação ao crescimento do PIB. Por outro lado, o crescimento da concessão de crédito para PF mostrou uma aderência contemporânea extremamente elevada em relação ao crescimento do PIB (gráfico). A correlação entre as duas séries é de 97%.

Esse exercício sugere que, caso o interesse ao se avaliar o desempenho do mercado de crédito seja a atividade econômica, o foco deve recair sobre as concessões de crédito à PF. Utilizando-se esse indicador, observa-se com clareza que não há motivo para se esperar uma aceleração significativa da atividade econômica nos próximos meses, reforçando os sinais emitidos por outros indicadores de atividade - como o IBC-Br, a taxa de desemprego, e as pesquisas mensais da indústria e do comércio.

Os dados parecem corroborar, assim, a visão do grupo de analistas mais céticos em relação à aceleração da economia no futuro próximo. De fato, à luz das informações disponíveis, é pouco provável um crescimento do PIB acima de 1,5% em 2019.