O Estado de São Paulo, n. 46007, 04/10/2019. Economia, p. B1

 

Operação da PF e do MPF investiga supostos vazamentos sobre Selic

Paulo Roberto Netto

Luiz Vassallo

Fausto Macedo

Renée Prereira

Fabrício de Castro

04/10/2019

 

 

Ação. Batizada de Estrela Cadente, operação teve como alvo fundo de investimento administrado pelo BTG Pactual, de André Esteves, cuja sede foi alvo de busca e apreensão; investigações apuram a divulgação dos resultados das reuniões do Copom entre 2010 e 2012

O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) e a Polícia Federal deflagraram ontem uma operação conjunta que investiga suposto vazamento de resultados de reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) nos anos de 2010, 2011 e 2012. Chamada de Estrela Cadente, a operação mirou um fundo de investimento administrado pelo banco BTG Pactual (de André Esteves), cuja sede em São Paulo foi alvo de busca e apreensão pela segunda vez em menos de dois meses envolvendo investigações distintas.

A operação de ontem foi desencadeada pela delação do exministro petista Antônio Palocci, que comandou a Fazenda no governo Lula e a Casa Civil na administração de Dilma Rousseff. Em depoimento à Polícia Federal, ele afirmou que havia um suposto esquema de vazamento de informações privilegiadas sobre as alterações na taxa básica de juros (Selic) envolvendo o banqueiro André Esteves, do BTG, e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

Palocci disse que, em agosto de 2011, o então presidente do Banco Central (BC) Alexandre Tombini se reuniu com a ex-presidente Dilma e com Mantega para informar que a autoridade monetária deveria reduzir a taxa Selic. Seria a primeira redução dos juros após um ciclo de alta de dois anos. Após a reunião, o então ministro da Fazenda teria repassado a informação privilegiada para Esteves. O banqueiro, por sua vez, “realizou diversas operações no mercado financeiro, obtendo lucros muito acima da média dos outros operadores financeiros”, disse Palocci.

Estrela. Os ganhos, segundo o depoimento, vinham de um fundo de investimento chamado Bintang – palavra que significa estrela em indonésio –, aberto em 2010. A carteira era administrada pelo BTG e gerida por Marcelo Augusto Lustosa de Souza, dono do investimento e ex-tesoureiro do banco Multiplic – comprado pelo Lloyds Bank.

As aplicações e apostas certeiras do fundo já tinham despertado a atenção do mercado, o que foi abordado em reportagem do Estado. Em abril de 2012, o jornal mostrou que o Bintang havia acumulado rentabilidade de 402% em 2011 apostando nas oscilações da taxa básica de juros. A média de fundos semelhantes no período havia sido de 25%. Só entre julho e setembro de 2011, o patrimônio da carteira havia saltado de R$ 20 milhões para R$ 38 milhões.

Em 31 de agosto de 2011, o Copom reduziu inesperadamente a Selic de 12,5% para 12% ao ano, na contramão das apostas da maioria dos economistas, que projetava a manutenção da taxa. Na reunião anterior, em julho de 2011, a maioria das instituições previa elevação de 0,75 ponto porcentual, mas o Copom elevou em 0,5 ponto.

Questionado sobre a operação de ontem, o Banco Central limitou-se a dizer que “não foi comunicado sobre o conteúdo da Operação Estrela Cadente, que corre sob segredo de Justiça”.

Investigação. Segundo Palocci, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) chegou a abrir investigação para apurar o caso, que foi encerrada sem constatação de irregularidades. “Comentou-se intensamente que André Esteves tinha, finalmente, por intermédio de Guido Mantega, conseguido ‘grampear o Banco Central’”, afirmou Palocci. Procurada, a CVM disse que não comenta casos específicos.

Em contrapartida, segundo o depoimento, Esteves teria pago R$ 9,5 milhões como “doação oficial” da campanha de Dilma, em 2014, e repassado 10% dos lucros obtidos para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “em forma de vantagens indevidas”.

O BTG informou, em nota, que exerceu papel apenas de administrador do fundo, não tendo nenhum poder de gestão ou participação no mesmo. Segundo regulamento da CVM, administradora responde pelo “conjunto de serviços relacionados direta ou indiretamente ao seu funcionamento e à sua manutenção”. O gestor, por sua vez, é responsável pelas decisões de compra e venda.

Após caírem quase 10% durante o dia, os papéis do BTG fecharam em queda de 3,78%.

Os advogados de Souza, gestor do Bintang, Letícia Peres e Rodrigo Eugênio Pereira de Moraes, foram procurados, mas afirmaram que só defendem o cliente na área cível e, portanto, não poderiam responder sobre as acusações. Criado em 2010, o fundo foi encerrado em 2013.

O criminalista Fabio Tofic Simantob, que defende o ex-ministro Guido Mantega, disse que Palocci juntou fatos aleatórios para criar uma narrativa falsa capaz de seduzir a polícia.

Rentabilidade

402%

foi a rentabilidade do fundo Bintang em 2011, apostando nas oscilações da taxa básica de juros. Só entre julho e setembro de 2011, o patrimônio do fundo havia saltado de R$ 20 milhões para R$ 38 milhões. Em 31 de agosto de 2011, o Copom reduziu inesperadamente a Selic de 12,5% para 12% ao ano.