O Estado de São Paulo, n. 46007, 04/10/2019. Economia, p. B4

 

Parlamentares devem ter parte do dinheiro do pré-sal

Adriana Fernandes

04/10/2019

 

 

Para acabar 'guerra' entre Câmara e Senado, governo quer dividir recursos do megaleilão de petróleo com deputados e senadores

Disputa. A disputa pela partilha do pré-sal dividiu os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, e abriu crise com governadores

Para acabar com a “guerra” aberta entre o Senado e a Câmara que ameaça desidratar ainda mais a economia da reforma da Previdência, o governo propôs a divisão do dinheiro do megaleilão de petróleo da área do pré-sal também com senadores e deputados por meio do aumento de recursos para emendas parlamentares. A informação, porém, não foi bem recebida pela Cúpula do Congresso.

A disputa pela partilha do dinheiro do pré-sal colocou em lados opostos os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e abriu uma crise também com governadores e prefeitos. Próximos, Maia e Alcolumbre brigaram antes e depois do acordo fechado, na semana passada, que abriu caminho para o leilão, mas deixou para depois a definição sobre a forma de divisão dos recursos entre prefeitos e governadores.

Caciques da Câmara, entre eles os líderes do PP, Arthur Lira (AL), e do DEM, Elmar Nascimento (BA), comandaram nos bastidores um movimento para diminuir a parcela de 15% acertada para Estados e subir de 15% para 20% o dinheiro destinado aos prefeitos. Como antecipou o Estado, a intenção era também diminuir a parte da União.

Em retaliação, os senadores, principalmente da bancada do Norte e do Nordeste, organizados em torno dos governadores, impuseram uma perda de R$ 73,4 bilhões na economia da reforma na votação em primeiro turno no Senado.

Ameaça. Os senadores também ameaçaram não votar a reforma em segundo turno até que o acordo inicial fosse respeitado. Já os deputados resistem a dar recursos aos governadores, sobretudo do Nordeste, que não apoiaram a reforma da Previdência. Nos bastidores, eles reclamam da atuação dos senadores Renan Calheiros (MDB-RN) e Eduardo Braga (MDB-AM).

Os dois lados fizeram acusações mútuas de descumprir o acordo, que incluía a votação da Previdência e a partilha igual entre Estados e municípios. Com o impasse, o governo busca o acordo para não perder mais com a Previdência.

Além de partilhar o bônus que será pago pelas empresas vencedoras, o governo ainda propõe dividir os recursos arrecadados nos próximos 30 anos com a exploração do pré-sal (receitas de royalties e participações de petróleo que hoje são só da União) em três partes: Estados, municípios e Congresso.

Dessa forma, logo depois do leilão, Estados, municípios e parlamentares (por meio das emendas) ficariam cada um com R$ 7,3 bilhões dos R$ 106,5 bilhões que serão arrecadados com o leilão.

Divisão. A partilha acordada inicialmente era de R$ 10,95 bilhões para Estados e para municípios. Outros R$ 2,19 bilhões seriam distribuídos para o Rio. A União ficaria com R$ 48,9 bilhões Uma fonte da equipe econômica avaliou que a proposta, se aceita, pode ser “matadora” e a chave da “nova política”, já que o Congresso passará a ter mais recursos para as emendas. Muitos parlamentares reclamam que tiveram “custo político” em aprovar a reforma e os recursos acabariam indo para os governadores que não têm tanta influência no Congresso.

Maia ontem se encontrou com Guedes. A interlocutores, no entanto, diz desconhecer essa proposta. “Vamos fazer uma construção em conjunto sob a liderança de Alcolumbre para que a gente possa aprovar a PEC da cessão onerosa na Câmara e encaminhar para a promulgação”, afirmou Maia, após o encontro. 

Partilha

R$ 7,3 bi

seria a parcela que cada um receberia, Estados, municípios e parlamentares, por meio de emendas, dos R$ 106,5 bilhões que o governo estima arrecadar com o megaleilão do prés-al

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Sudeste paga maior número de abonos salariais

Idiana Tomazelli

04/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Dos 8,3 milhões de trabalhadores formais com direito ao benefício, 4,2 milhões estão na região

A decisão do Senado Federal de manter inalteradas as regras do abono salarial vai beneficiar mais os trabalhadores do Sul e do Sudeste, segundo dados do Ministério da Economia obtidos pelo Estadão/Broadcast. Dos 8,3 milhões de trabalhadores formais que ganham entre R$ 1,4 mil e R$ 2 mil mensais e perderiam o benefício, caso o texto da Câmara tivesse sido aprovado no Senado, 4,2 milhões estão no Sudeste e 1,7 milhão no Sul – mais de dois terços dos afetados.

O abono é um benefício de até um salário mínimo (R$ 998) pago anualmente a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários (hoje R$ 1.996). O texto aprovado pelos deputados restringia o repasse a quem recebe até R$ 1.364,43 por mês. Em meio a embates com o governo, os senadores decidiram retirar da reforma da Previdência as mudanças no abono. A medida pouparia R$ 76,4 bilhões em uma década.

Os senadores articularam a retirada das mudanças sob a justificativa de que a restrição do benefício prejudicaria trabalhadores de regiões mais pobres, como o Nordeste. Os dados do governo mostram, porém, que o corte no abono atingiria 24,7% dos que hoje recebem o benefício nessa região. Já no Sudeste, 36,9% perderiam o direito ao repasse, corte que chegaria a 41,8% no Estado de São Paulo. No Sul, a proporção dos que deixariam de ganhar o abono chega a 40,3%.

A mudança no abono era considerada essencial pela área econômica, não apenas pelo impacto substancial, mas porque a política criada na década de 70 é considerada disfuncional e desfocalizada. O benefício é pago a quem tem carteira assinada e recebe até dois salários mínimos, independentemente da renda familiar, e não contempla trabalhadores informais.

Um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que 39% dos benefícios do abono são pagos a um terço mais rico da população, enquanto apenas 16% vai para o terço mais pobre. A realidade é bem distinta do Bolsa Família, que paga 77% de seus benefícios para o terço mais pobre.

“O abono é um dos piores benefícios de focalização nas pessoas mais pobres do Brasil, senão do mundo. É uma política que foca trabalhadores formais e com uma renda que não é baixa. Esse é o primeiro erro. O segundo, é do ponto de vista regional. O abono acaba prestigiando regiões do País que são mais ricas, onde se encontra maior número de trabalhadores formais”, explica o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco.

Defesa. Autora do destaque que culminou na manutenção das regras atuais do abono, a senadora Eliziane Gama (CDDMA) reconhece que o nível de formalidade é menor no Nordeste, o que faz com que outras regiões sejam mais atendidas pela política. Mesmo assim, ela diz que mais de 100 mil pessoas em seu Estado sofreriam com a alteração e que vai trabalhar para garantir o pagamento aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos.

“Quem recebe até dois salários mínimos é uma pessoa que não tem privilégio. Independentemente de onde ele more, ele ganha pouco e perderia mais um salário”, diz a senadora. Ela diz que o argumento de que famílias de classe alta podem estar recebendo o abono “não convence”.

A ideia do governo com a mudança no abono, segundo Bianco, era melhorar a distribuição regional do benefício e abrir espaço no Orçamento para investir em políticas de incentivo à formalização. Caso o Senado tivesse aprovado a focalização do benefício, os trabalhadores do Nordeste, que hoje respondem por 22,41% dos repasses do abono, passariam a representar 25,54%. Já o Sudeste, que hoje recebe 46,6%, teria sua fatia reduzida a 44,5%.

Após a derrota no Senado, o governo avalia a possibilidade de retomar as mudanças no abono por meio da chamada PEC paralela, que nasceu com a reforma da Previdência e agora tramita de forma independente para fazer ajustes sem atrasar o cronograma de aprovação do texto principal.

Realidade

“Quem recebe até dois salários mínimos é uma pessoa que não tem privilégio.”

Eliziane Gama (CDD-MA)

SENADORA, AUTORA DO DESTAQUE QUE MANTEVE O ABONO NA REFORMA

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Reforma da Previdência e suas surpresas

Paulo Tafner

04/10/2019

 

 

Depois de aprovada na Câmara a reforma seguiu para o Senado. O relatório final do senador Tasso Jereissati foi aprovado na comissão e seguiu para o plenário. Lá, foi retirada a mudança no abono salarial, com consequente perda de R$ 76 bilhões no impacto fiscal esperado.

Mesmo com isso, temos muito a comemorar, restando agora a votação em segundo turno. Deixar de mexer no abono é uma perda, sobretudo porque ele é um benefício ruim e caro. Mas por ser regulado por legislação infraconstitucional, pode ser revisitado, ajustado e aprimorado. Eventualmente até extinto, com parte dos recursos economizados aplicados em programadas sociais mais calibrados e focalizados no combate à pobreza. Cabe ao Executivo apresentar uma proposta ao Legislativo nesse sentido. E, sendo legislação infraconstitucional, exige quórum menos restritivo. Assim é que, se mantido for o que foi aprovado em 1.º turno, o resultado geral será a prevalência do bom senso. Não é, portanto, o fim do mundo.

O Brasil tem dado repetidos exemplos de que a busca pelo bom senso não é linear. Temos idas e vindas, mas caminhamos na direção certa. Precisamos acelerar o passo, é verdade. Afinal, ainda nos anos 80 Francisco Barreto e Kaizô Beltrão já alertavam que nosso sistema de Previdência entraria em colapso. Em 1993, a EC n.º 3/93 estabeleceu a obrigatoriedade de contribuição dos servidores civis para custeio de benefícios. Em 1998, foi aprovada a EC n.º 20/98, que era extensa, tratava de várias questões da Previdência e propunha idade mínima. Lamentavelmente, esta não foi aprovada, por apenas um voto. Em 2003, foi aprovada a EC n.º 41/03 com novos aprimoramentos.

Mas ainda faltava muito. Afinal, como aceitar que alguns trabalhadores pudessem se aposentar com idades inferiores a 50 anos? Como aceitar que alguns poucos beneficiários pudessem acumular 3, 4 ou mesmo 6 benefícios, sem nenhuma limitação? Como aceitar que alguns servidores públicos recebessem transferência líquida de valores superiores a R$ 5 ou R$ 6 milhões?

Em 2016, o governo Temer apresentou a Proposta de EC n.º 41. Era ambiciosa. Tinha muitas virtudes e alguns poucos, mas graves defeitos. O desfecho todos nós sabemos.

O governo Bolsonaro, em maio, apresentou sua proposta, conhecida como PEC 006/19. Trazia coisas já apresentadas por Temer e outras novidades e modernizações.

Na Câmara, coisas preciosas ficaram de fora: Estados e municípios; desconstitucionalização de regras operacionais, a possibilidade de um sistema capitalizado, o gatilho demográfico e outros.

Tratamos do passado, mas o futuro foi relegado. Mas houve importantes vitórias, como o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e o estabelecimento de idades mínimas para todos. Alíquotas progressivas que, por vias tortas, corrigem, pelo menos parcialmente a enorme transferência líquida de renda para grupos abastados de renda, é também uma vitória excepcional.

Feitos os ajustes no Senado, o impacto fiscal ficou próximo de R$ 800 bilhões. Se não resolve o problema, dá fôlego para as contas públicas.

O Senado mostrou que não se pode negligenciar o processo de votação. Agora é hora de irmos para a rodada final e encerrarmos – pelo menos por uns 4 ou 5 anos – essa discussão.

Há muito que fazer. A prioridade, recuperar a economia.