O Estado de São Paulo, n. 46007, 04/10/2019. Política, p. A4

 

Câmara discute restringir atuação de oposicionistas

Renato Onofre

04/10/2019

 

 

Congresso. Governistas cobram presidente da Casa por mudança no regimento para reduzir mecanismos de obstrução de votações, o que pode beneficiar andamento da pauta econômica

Presidente. Maia tem sido cobrado por parlamentares governistas a levar adiante as mudanças que afetam a oposição

Deputados discutem nos bastidores alterações no regimento interno da Câmara para dificultar a atuação dos partidos de oposição ao governo de Jair Bolsonaro e, ao mesmo tempo, facilitar o andamento da pauta econômica adotada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A ideia é desidratar os dispositivos regimentais para obstrução de matérias, ou seja, para atrasar ou impedir votações.

Maia tem sido cobrado por parlamentares governistas a levar adiante as mudanças – promessa de campanha do presidente da Câmara para se reeleger, no início do ano. Deputados de partidos como PT, PCdoB e PSOL, no entanto, não aceitam discutir novas regras se a intenção for aplicá-las ainda nesta legislatura, mas somente a partir de 2023.

“Precisamos discutir a reforma do nosso regimento. Que continue garantindo os direitos da minoria, mas que não seja o regimento que o cidadão na televisão ache que isso aqui é um picadeiro”, disse Maia em fevereiro, após ser reeleito.

Atualmente, há 17 tipos de dispositivos previstos no regimento interno para obstrução de matérias, desde o pedido para retirada de um projeto da pauta até o adiamento da votação por uma ou duas sessões. Um dos pontos em discussão é o que prevê o fim do tempo determinado de sessão . Hoje, cada período tem, no máximo, seis horas regimentais – cinco de sessão mais uma de prorrogação.

Após a abertura de uma nova reunião, qualquer deputado pode pedir verificação de quórum – para atestar se há número suficiente de parlamentares presentes – e reapresentar um dos 17 requerimentos do “kit obstrução”, mesmo se eles tiverem sidos debatidos anteriormente. Além disso, os líderes ganham direito a falar novamente. A derrubada do limite visa evitar o adiamento das votações.

De acordo com o deputado Eli Borges (SD-TO), autor da proposta de mudanças no regimento, uma única votação pode ter mais de nove horas de debate, mesmo se todas as ferramentas de obstrução forem rejeitadas. O cálculo leva em conta que cada um dos 17 dispositivos regimentais pode ser discutido pelos líderes partidários e de bloco, além de dois deputados a favor e dois contrários ao requerimento. Se todos usarem o máximo de tempo permitido, cada discussão terá, no mínimo, 33 minutos. “O que vemos hoje é um tremendo desperdício de tempo do Parlamento. O regimento foi feito para paralisar, não para produzir”, disse.

Bancadas. A oposição tem 97 deputados, de quatro partidos (PT, PSB, PSOL e Rede), além da adesão de legendas como PDT e Cidadania, o que eleva o número para 130 parlamentares. Sozinho, o grupo não tem voto suficiente para barrar uma votação, mas consegue adiar o debate.

Para o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a medida teria de valer imediatamente. “Sei que a oposição não vai querer, porque eles querem obstruir o governo. Eu quero é votar. Quem tem maioria, ganha.”

Parlamentares da oposição, por outro lado, veem com ressalvas as mudanças. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) disse achar válido discutir a atualização do regimento, desde que para futuras legislaturas, para evitar “casuísmos”.

Para o líder do PCdoB, Orlando Silva (SP), o regimento pode ser aperfeiçoado para melhorar a dinâmica do plenário, mas o direito das oposições precisa ser respeitado. “Fala-se de alteração regimental, que só se aplicaria para a Legislatura seguinte.”

O regimento, que está em vigor desde 1989, já foi alvo de emendas. As novas alterações foram apresentadas em dois projetos de resolução em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O Estado apurou que a proposta já circulou na mão de Maia e de parte dos líderes partidários. Se for aprovada, entrará em vigor 90 dias após sanção.

ALTERAÇÕES

- As principais propostas de mudanças no regimento interno da Câmara

Sessões sem fim

COMO É

Cada sessão de votação tem no máximo seis horas de duração. Ao fim desse tempo, é preciso abrir uma nova, iniciando todo o rito novamente, que inclui verificar se há número suficiente de parlamentares no plenário e tempo para os deputados discutirem

COMO FICA

A sessão pode ser prorrogada pelo presidente da Câmara se houver necessidade. Assim, se a discussão de uma proposta se arrastar sem ser votada, a sessão não precisa ser reiniciada. A estratégia de prolongar sessões é uma tática dos deputados para impedir uma votação

Retirada de projeto da pauta do dia

COMO É HOJE

Um parlamentar, sozinho, pode requerer à Mesa Diretora que retire da pauta de votações do dia um projeto do qual discorde. Cada requerimento precisa ser votado pelo plenário individualmente

COMO FICA

Os requerimentos de retirada de pauta continuam existindo, mas só se o pedido partir do autor ou do relator da proposta ou se tiver o apoio de líderes de partidos que representem ao menos 52 deputados

Inversão da ordem de votação

COMO É HOJE

Outra estratégia para atrasar votações é pedir a inversão da pauta - votar antes projetos que estão no fim da lista. Hoje, qualquer parlamentar pode requerer isso

COMO FICA

Um pedido de inversão de pauta precisará da assinatura de, no mínimo, 171 deputados ou líderes de partidos que representem este número de parlamentares

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Relator não vê espaço para aumentar fundo eleitoral

Camila Turtelli

04/10/2019

 

 

O tamanho do fundo eleitoral que partidos terão para financiar as campanhas do ano que vem é motivo de controvérsia. A dúvida ocorre porque o Congresso deixou de analisar anteontem os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto que abre brecha para a ampliação do fundo, entre outras alterações relacionadas ao funcionamento dos partidos.

Para valer, as mudanças precisam ser feitas até um ano antes das eleições. Entre os vetos estava justamente o que trata da verba pública destinada para as campanhas municipais.

O deputado Cacá Leão (PP-BA), relator do projeto que define as diretrizes orçamentárias para o ano que vem, disse não ser mais possível alterar o valor do fundo, pois o prazo se esgotou. “Mesmo que fôssemos fazer uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ela também estaria fora do prazo.” Segundo ele, para 2020 deve valer o que foi enviado pelo governo na proposta de Orçamento – a cifra é de R$ 2,5 bilhões, mas deve ser reduzida para R$ 1,86 bilhão em razão de erro no cálculo.

O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tem, no entanto, outro entendimento. Para ele, a maior parte desses dispositivos não tem relação com as disputas eleitorais, mas, sim, com o funcionamento dos partidos. Dessa forma, avaliou, a regra da anualidade não valeria. O Congresso deverá fazer outra sessão conjunta na próxima terça-feira.