O Estado de São Paulo, n. 46005, 02/10/2019. Economia, p. B1

 

Senado aprova text-base da Previdência, mas diminui economia para R$ 800 bi

Daniel Weterman

Idiana Tomazelli

Amanda Pupo

Eduardo Rodrigues

02/10/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Negociação. Senadores derrubam restrição em abono e ameaçam travar votação em 2º turno até que o governo cumpra acordos firmados para a aprovação da reforma, como liberação de emendas e garantia de mais recursos para Estados no megaleilão do pré-sal

Com uma semana de atraso, o plenário do Senado Federal aprovou, por 56 votos a 19, o texto-base da reforma da Previdência em primeiro turno. O eixo central da proposta é a criação de idades mínimas de aposentadoria no País, com regras de transição para quem já está no mercado de trabalho. Em uma derrota para o governo, os senadores derrubaram o artigo que restringia o pagamento do abono salarial a quem ganha até R$ 1,4 mil, o que fez com que a economia esperada em dez anos com as medidas fosse desidratada em R$ 76,4 bilhões, para R$ 800,3 bilhões.

Com isso, a regra atual foi mantida: recebe o benefício – uma espécie de 14.º salário pago pelo governo a trabalhadores formais de baixa renda – quem ganha até dois salários.

Foram votados ontem 3 de 10 destaques . Após essa etapa, a reforma ainda precisará passar por um segundo turno de votação no plenário. A previsão era de que esse passo final fosse dado em 10 de outubro, mas o cronograma se tornou incerto pela pressão dos senadores.

Os parlamentares ameaçam travar a votação final até que o governo cumpra os compromissos firmados para a aprovação da reforma. O maior temor é que a divisão dos recursos do megaleilão de petróleo do présal seja alterada na Câmara de forma a diminuir o montante destinado a Estados. Os senadores também pedem a liberação de emendas parlamentares, por meio das quais podem direcionar recursos para suas bases eleitorais.

Novo texto. Apesar de um histórico de medição de forças entre Câmara e Senado, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não votou pela reforma, ao contrário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que dispensou a prerrogativa no cargo para apoiar a proposta.

A votação no plenário ocorreu no mesmo dia da apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Da forma como foi aprovada na comissão, a proposta diminuiu em R$ 56,8 bilhões a economia esperada em uma década na comparação com o texto aprovado na Câmara em agosto, segundo cálculos da equipe econômica.

A reforma cria a idade mínima de 62 anos para mulheres e de 65 para homens, tanto para a iniciativa privada quanto para servidores. Ao final do tempo de transição, deixa de haver a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição.

Na nova regra dos segurados do INSS, o tempo mínimo de contribuição será de 15 anos para mulheres e 20 para homens. Para quem já está no mercado de trabalho, porém, o tempo mínimo de contribuição será de 15 anos para homens e mulheres, segundo as mudanças aprovadas pelo plenário da Câmara.

Para os servidores, o tempo de contribuição mínimo será de 25 anos, com 10 de serviço público e 5 no cargo em que for concedida a aposentadoria.

Além de aumentar o tempo para se aposentar, a reforma também eleva as alíquotas de contribuição para quem ganha acima do teto do INSS e estabelece regras de transição para os atuais assalariados.

Professores do ensino básico, policiais federais, legislativos e agentes penitenciários e educativos terão regras diferenciadas. As novas normas não valerão para os servidores estaduais e dos municípios com regime próprio de Previdência, uma vez que o projeto aprovado pela Comissão Especial tirou a extensão das regras da reforma para Estados e municípios.

Alerta. Antes da sessão no plenário, parlamentares deram o recado ao governo. “Agora, a água passou do umbigo porque não foi uma ameaça, foi um alerta da maioria dos senadores dizendo: nós vamos votar hoje (ontem) pelo Brasil, mas se não acontecerem os compromissos assumidos pelo governo, não haverá a votação no dia 10”, disse o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), garantiu empenho para que o pacto federativo – conjunto de projetos que dão mais recursos para Estados e municípios – avance na Casa.

Diante da ameaça, Alcolumbre prometeu buscar uma solução com o governo para fechar um calendário para concluir a votação da reforma da Previdência até 15 de outubro. O prazo anterior era o dia 10.

Senado x Câmara. Alcolumbre disse que vai ter uma nova rodada de conversas para que o governo edite uma medida provisória estabelecendo a divisão do megaleilão dos recursos do pré-sal definida pelo Senado, que segue critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) .

Na Câmara, deputados defendem critérios diferentes. O senador Cid Gomes (PDT-CE) chegou a atacar o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), em discurso no plenário do Senado. O pedetista chamou Lira de “achacador” e disse que o Senado não pode virar refém das decisões da outra Casa legislativa sobre a destinação do dinheiro.

Recado

“Agora, a água passou do umbigo porque não foi uma ameaça, foi um alerta da maioria dos senadores dizendo: nós vamos votar hoje (ontem) pelo Brasil, mas se não acontecerem os compromissos assumidos pelo governo, não haverá a votação no dia 10.”

Major Olímpio (PSL-SP)

LÍDER DO PSL NO SENADO

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Relator tira do texto brecha que poderia favorecer servidores

Daniel Weterman

Idiana Tomazelli

Amanda Pupo

02/10/2019

 

Volta a valer o texto da Câmara que prevê que bonificação passa a ser incorporada com base na média de toda a carreira

O relator da reforma da Previdência, Tasso Jereissati (PSDB-CE), desistiu de dar aval a uma janela para que servidores que ingressaram antes de 2003 se aposentassem com as maiores bonificações e vantagens incorporadas ao valor, mesmo que tivessem recebido essas gratificações por apenas um ano. Uma mudança no texto feita pelo senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) abria brecha para que servidores próximos da aposentadoria ainda pudessem manter o privilégio.

A incorporação dos 100% de bonificações e vantagens é a regra hoje, mas a proposta de reforma da Previdência aprovada na Câmara endurecia as normas ao prever que a incorporação levaria em conta a média recebida ao longo de toda a carreira. Isso resultaria em incorporação menor à aposentadoria.

O texto da Câmara, que recebeu aval dos deputados nos dois turnos de votação em plenário, era até mais duro que a proposta do governo, que previa um cálculo com base na média dos dez anos anteriores à aposentadoria.

Jereissati chegou a acatar a emenda de Pacheco, que tirava do texto a mudança feita pela Câmara e resgatava a proposta do governo na chamada PEC paralela – que não tem data para ser votada.

Na prática, um servidor que concluísse, em seu último ano antes da inatividade, um doutorado que desse direito a um adicional de 100% sobre o salário teria o valor dobrado incorporado à aposentadoria a ser recebida até o fim de sua vida – mesmo que ele só tivesse contribuído sobre os 100% por um período equivalente a 12 meses.

O governo agiu contra essa mudança e costurou uma emenda de redação para deixar claro que a média levará em conta apenas os anos em que houve recebimento da gratificação. O temor era de que um ano de bonificação fosse dividido pelo tempo total de contribuição para aposentadoria (ao menos 30 anos para mulheres e 35 anos para homens), o que reduziria e muito o valor incorporado.