Valor econômico, v.20, n.4742, 03/05/2019. Política, p. A8

 

Delcídio, o caçador de carrapatos 

Luísa Martins 

03/05/2019

 

 

Ex-líder do governo de Dilma Rousseff e primeiro delator a fechar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (MPF), o ex-senador Delcídio do Amaral tem ocupado seus dias com atividades bem diversas das que exercia nos tempos em que era um dos principais articuladores políticos do Congresso Nacional.

Desde que teve seu mandato cassado, em maio de 2016, Delcídio trocou o terno e a gravata pelas vestes do campo. Dos discursos inflamados na tribuna do Senado, o ex-petista vive hoje um cotidiano bucólico no meio do Pantanal: controla carrapatos das vacas, conserta porteiras, vistoria cercas e limpa pastagens, entre outras lidas rurais.

Seus trabalhos na fazenda Santa Rosa dos Bugres, de propriedade da família Amaral em Corumbá (MS), são relatados mensalmente ao Supremo Tribunal Federal (STF), corte responsável por homologar a sua delação, três anos atrás.

Delcídio usou seu isolamento no interior do Mato Grosso do Sul - a fazenda fica na zona rural de Corumbá, a mais de 400 quilômetros da capital, Campo Grande - para tentar se livrar da prestação de serviços à comunidade, prevista na 15ª cláusula do acordo com o Ministério Público.

A pena social deveria ter sido iniciada em outubro do ano passado, em regime de sete horas semanais, durante seis meses, mas até agora o ex-senador não compareceu à Casa da Criança Peniel (instituição designada pela Justiça), em Campo Grande, para começar as atividades.

Os advogados dizem que ele teve "dificuldade de colocação no mercado de trabalho devido ao linchamento moral a que foi exposto", não restando outra alternativa senão dedicar-se à pecuária na fazenda da família, onde costuma ficar 26 dias por mês.

"O requerente não tem condições de conciliar o labor rural com a prestação de serviços comunitários", diz a defesa, pedindo para que Delcídio possa pagar uma certa quantia à instituição de caridade e eximir-se das atividades sociais exigidas pelo MPF.

Para os advogados, não é razoável a alternativa de concentrar as sete horas semanais do serviço comunitário nos fins de semana, pois isso o privaria da convivência com sua esposa e suas filhas - o que, segundo eles, seria um "sacrifício".

A decisão cabe ao ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF. A Procuradoria-Geral da República, no entanto, se manifestou contra o pedido. Há poucos dias, a chefe do MPF, Raquel Dodge, disse que, para garantir a segurança jurídica do acordo, suas cláusulas não podem ser modificadas.

Ela sugeriu um meio termo. "A solução adequada ao caso não é a sua substituição pela prestação pecuniária, mas, sim, a alteração do local onde será prestado o serviço à comunidade", escreveu, propondo a mudança da entidade beneficiária para uma que tenha sede em Corumbá.

Por mensagem de WhatsApp, o próprio Delcídio afirmou ao Valor que cumprirá o que está estabelecido no acordo. "Assunto superado", escreveu.

Além da distância física, outra questão complicaria a intenção de Delcídio de fazer uma doação à instituição de caridade, em vez de efetivamente prestar o serviço. Há mais de sete meses, o ex-parlamentar está inadimplente com o MPF. A segunda parcela da multa de R$ 1,5 milhão, prevista em sua delação como reparação à Petrobras e à União, está atrasada desde setembro de 2018.

O criminalista Antonio Figueiredo Basto, que representa Delcídio, disse ao Valor que já o orientou a realizar o pagamento de R$ 100 mil. "O aconselhamento é que ele faça um esforço para cumprir essa etapa do acordo. O valor é alto. Não é algo que se consegue resolver rápido, mas também não é impossível."

O advogado diz que não há dolo na dívida, apenas dificuldades financeiras comuns a todos os brasileiros, diante da crise fiscal. Segundo ele, Delcídio tem tido problemas para se desfazer de parte de seu patrimônio, o que lhe geraria renda para honrar as próximas parcelas da multa.