Valor econômico, v.20, n.4743, 06/05/2019. Política, p. A7

 

Jurista pede regulação mundial de 'fake news'

Cristian Klein

06/05/2019

 

 

O Congresso Nacional e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Brasil, aprovaram leis e normas para regular o uso da internet e das redes sociais nas últimas eleições, mas o esforço tende a ser inócuo, sem a criação de parâmetros e de uma instituição internacional que coíba as "fake news". É o que defende o ministro do TSE mexicano José Luis Vargas Valdez, que vem se tornando um ponto de referência nos debates sobre as notícias falsas no mundo. O magistrado, que participou de seminário sobre o assunto na Fundação Getulio Vargas (FGV), na quinta-feira, no Rio, propõe a criação de uma agência multilateral - como as existentes no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) em relação à saúde ou meio ambiente - para regular a disseminação de informações falsas que não só desequilibram as disputas entre candidatos como fazem parte, afirma, de um novo tipo de conflito entre países.

Para o magistrado, que falou com exclusividade para o Valor, já está provado que as "fake news" não podem ser combatidas pelos Estados nacionais, e precisam ser tratadas como um problema urgente e global. Assim como a ação do homem afeta o clima do planeta, a manipulação de informação ameaça democracias, passando por cima das fronteiras políticas. Em sua opinião, as "fake news" são a nova frente onde se trava uma guerra tecnológica e cibernética, na qual países podem buscar a desestabilização de outros, como a Rússia em relação à corrida presidencial americana que elegeu Donald Trump.

"Há pouco tempo, o Brasil estabeleceu uma legislação para uso da internet na política e isso está bem. Mas de nada adianta se em nível mundial não existe uma solução. A desinformação e as "fake news" podem vir de qualquer lugar do mundo. As soluções locais de um país não servem, devem ser internacionais", afirma.

Vargas está entre os organizadores da Rede Mundial de Justiça Eleitoral, um fórum que reúne representantes de 30 países, dos cinco continentes, e inclui 21 instituições acadêmicas, organismos internacionais e centros de pensamento - entre os quais FGV e TSE pelo Brasil. Em torno desta rede, pretende lançar as bases de uma instituição multilateral para enfrentar o problema, com mais "robustez e pluralidade", diz, do que a primeira solução que veio da própria sociedade civil, em vários países, por meio das agências de checagem de fatos ("fact checking").

O magistrado propõe uma grande agência reguladora que estabeleça normas e padrões de atuação às quais os países possam aderir como signatários, tal como existe na questão climática ou contra o terrorismo. Os países que não assinarem passariam a ser mal vistos pela comunidade internacional.

Um dos efeitos concretos e esperados é o de pressionar as grandes plataformas - como Facebook, WhatsApp e Twitter - a cumprirem os protocolos adotados em conjunto pelos países. Atualmente são as próprias empresas que se regulam, de forma localizada e discricionária, a depender da força e das práticas dos governos nacionais. "Não podemos deixar essa decisão e esse direito só aos donos das corporações de redes sociais. Seria deixar à iniciativa privada o controle da liberdade de expressão e do direito à informação. É o que já está acontecendo", diz.

Na semana passada, cita o magistrado, o Facebook nos Estados Unidos bloqueou o perfil de três pessoas que propagavam ideias de extrema-direita porque estavam enviando conteúdo radical e discriminatório. "Isso está bem, mas tem que ser autorizado por alguém mais", afirma. Ainda que as plataformas tomem algumas decisões corretas, elas precisam estar de acordo com critérios claros, transparentes e homogêneos, acrescenta.

Vargas conta que, no ano passado, Facebook e Twitter firmaram um convênio com o Instituto Nacional Eleitoral (INE) - autoridade que organiza as eleições no México - pelo qual se comprometiam a adotar medidas como fornecer dados financeiros sobre a contratação de publicidade pelos candidatos, difundir as eleições para reduzir a abstenção e informar os cidadãos sobre os locais de votação. "Mas não se comprometeram a trabalhar para prevenir a notícia falsa", relata o magistrado. "Tem que haver uma pressão global de modo a afirmar que, se essas empresas querem fazer negócios com os meus cidadãos, elas precisam seguir estas regras determinadas", diz.

No seminário da FGV, que reuniu especialistas de vários países, um dos grandes problemas apontados é a rapidez e a complexidade tecnológica do mercado em permanente transformação. Para o ministro do TSE mexicano, isso pode ser contornado. "Creio que não é impossível. Há um organismo internacional que se encarrega de regular a energia atômica e começou contratando os melhores cientistas para entender o que deveria ser feito", sugere.

Por outro lado, ressalta Vargas, o que "permitiu essa discricionalidade das empresas" é o fato de serem monopólios, problema que, em sua visão, também precisa ser enfrentado. O magistrado defende que se permita algo semelhante ao que foi feito na telefonia, com a portabilidade de contas entre empresas concorrentes, além da compatibilidade de comunicação entre redes diferentes. "Teria que haver a possibilidade de que um Telegram se comunique com o WhatsApp. E se o WhatsApp não está cumprindo com as normas e protocolos, as pessoas possam migrar para a concorrência", diz.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro criticou a proposta de se regular redes sociais. "Em meu governo a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as redes sociais", afirmou no twitter.