Correio braziliense, n. 20504, 11/07/2019. Mundo, p. 14

 

Ponto para Trump

11/07/2019

 

 

Europa » O embaixador britânico em Washington renuncia depois de ter sido publicamente desautorizado pelo presidente americano, inconformado com o vazamento de e-mails nos quais o diplomata desqualifica o seu governo

A menos de um mês da escolha do novo primeiro-ministro, que terá a missão de conduzir o país para a retirada do país da União Europeia (UE), prevista para 31 de outubro, o Reino Unido vive uma crise aberta com o principal aliado potencial no período pós-Brexit. Após dias de uma crise aberta pelo vazamento de e-mails nos quais qualificava como “inepto” e “disfuncional” o governo de Donald Trump, o embaixador britânico nos Estados Unidos, sir Kim Darroch, renunciou ontem ao cargo em meio à crise, um dia depois de o presidente americano ter anunciado que não manteria mais relações com o diplomata — um dos mais conceituados no Foreign Office, a chancelaria de Londres.

“A situação atual me impede de cumprir minha função como desejaria”, escreveu o embaixador, em carta endereçada ao diretor do serviço diplomático, Simon McDonald, que é o “número dois” do ministério e o diplomata de carreira com o posto mais elevado. “Nessas circunstâncias, o caminho responsável a seguir é permitir a nomeação de um novo embaixador”, prosseguiu. “Desde o vazamento de documentos oficiais procedentes desta embaixada, houve muita especulação sobre meu cargo e a duração do meu mandato de embaixador.”

Nos telegramas diplomáticos enviados de Washington para Londres, alguns dos quais remontavam a 2017, Darroch descreve o presidente americano como “instável” e “incompetente”. O veterano diplomata de 65 anos também se mostra um crítico ácido à condução da Casa Branca desde 2017. A publicação das mensagens, no último domingo, pelo jornal londrinio The Mail, desatou a ira de Trump no Twitter. “Não trataremos mais com ele”, tuitou o presidente, sem deixar claro se o embaixador poderia continuar desempenhando as funções.

Seguindo a escalada, na terça-feira, o presidente americano chamou o emissário britânico de “estúpido” e “imbecil pretensioso”. O chanceler Jeremy Hunt, um dos políticos do Partido Conservador que disputam a liderança da maioria governista e, por comnsequência, o cargo da premiê demissionária Theresa May, rebateu as palavras de Trump como “desrespeitosas e falsas”. Seu rival, o ex-chanceler Boris Johnson, favorito na disputa, evitou tomar claramente o partido de Darroch — e foi criticado por isso. O governo britânico abriu investigação para identificar o responsável pelo vazamento.

Humilhação

Nos meios políticos de Londres, a renúncia do embaixador perante o aliado preferencial foi recebida como uma rendição humilhante à pressão de Trump, com graves consequências para a diplomacia britânica. “Se não conseguimos proteger as comunicações diplomáticas e isso custa a carreira das pessoas, quando a única coisa que fazem é levar adiante os desejos do governo, vamos ver a qualidade dos nossos emissários se degradar e sua influência diminuir, o que vai enfraquecer o nosso país”, comentou o presidente da Comissão Parlamentar de Relações Exteriores, Tom Tugendhat.

Depois de servir em Bruxelas de 2007 a 2011, Kim Darroch chegou aos EUA em janeiro de 2016, antes da vitória de Trump nas eleições presidenciais, no fim daquele ano. May lamentou a saída do embaixador. “É muito lamentável que tenha considerado necessário abandonar o posto em Washington”, afirmou a premiê, na sessão semanal em que responde a perguntas dos parlamentares na Câmara dos Comuns.

O ex-chanceler Boris Johnson, simático a Trump, evitou apoiar o diplomata na noite de terça-feira, durante debate pela tevê com o sucessor e rival na disputa interna, mas ontem acusou o golpe das críticas recebidas e lamentou a renúncia de “um diplomata excepcional”. “Ao não ter se comprometido a manter Kim no cargo, Johnson mostrou a verdadeira cara”, disparou o deputado trabalhista Ian Murray, que integra o Comitê de Relações Exteriores. “Seus comentários enviaram um sinal perigoso para todos os nossos diplomatas e serão como música para os ouvidos de Donald Trump.”

Frase

“A situação atual me impede de cumprir minha função como desejaria. Nessas circunstâncias, o caminho responsável a seguir é permitir a nomeação de um novo embaixador”

Kim Darroch, embaixador do Reino Unido nos EUA