O Estado de São Paulo, n. 46006, 03/10/2019. Política, p. A4

 

Impasse faz Supremo adiar decisão que afeta Lava Jato

Rafael Moraes Moura

Eliane Cantanhêde

03/10/2019

 

 

Judiciário. Após definir que réus delatados têm o direito de se manifestar após réus delatores, plenário da Corte não chega a consenso sobre critérios para este entendimento

Sessão. Ministros do Supremo durante discussão que pode levar à revisão de sentenças

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, decidiu adiar a continuidade do julgamento sobre o alcance da decisão que abre brecha para a anulação de sentenças da Operação Lava Jato, como a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do sítio de Atibaia (SP). A justificativa oficial para o adiamento foi a de que Toffoli quer aguardar o quórum da Corte estar completo – uma vez que ministros devem se ausentar da sessão de hoje –, mas, na prática, há um impasse na costura do acordo sobre como ajustar a decisão.

Ainda não foi marcada data para o julgamento, mas, nos bastidores, ministros disseram ao Estado que Toffoli pode levar o tema ao plenário quando pautar o debate sobre a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, provavelmente neste mês.

Na sessão de ontem, o plenário do Supremo decidiu que vai delimitar o alcance da tese que abre caminho para a derrubada de sentenças da Lava Jato, muitas das quais proferidas pelo então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça. Por 8 votos a 3, os ministros entenderam ser necessário analisar a proposta de Toffoli que define critérios para aplicar o entendimento de que réus delatados têm o direito de falar por último nas ações penais em que também há delatores.

Por essa proposta, a condenação dos réus pode ser anulada nos casos em que o delatado, alvo de acusação, pediu à Justiça para falar por último, mas teve a solicitação negada em primeira instância, comprovando, dessa forma, o prejuízo à defesa.

Caso seja aprovada pelo plenário do Supremo sem alterações, a tese de Toffoli abre caminho para derrubar a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia, mas não no do triplex do Guarujá (SP). Motivo: nesse último caso, não havia réus com acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça na época da condenação do petista na Justiça Federal, em Curitiba.

Ao apresentar aos colegas sua sugestão, Toffoli afirmou que tinha o objetivo de garantir segurança jurídica e orientar juízes de todo o País na análise dos casos em que réus delatados tiveram negado o direito de se manifestar após os delatores, o que os impediu de rebater acusações na reta final do processo.

Por cerca de duas horas, os ministros discutiram se deveriam analisar ainda ontem a tese de Toffoli, o que foi rechaçado por Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. A sessão terminou sem acordo. “Imaginamos dois réus no mesmo processo. Um recorreu, outro não. Como fica a isonomia?”, perguntou Lewandowski.

Os demais ministros, porém, avaliaram que devem, sim, ser definidas regras para delimitar o alcance da decisão do STF. “É imprescindível fixarmos uma tese, caso contrário vamos cair no subjetivismo judicial das instâncias inferiores”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso.

Barroso, Luiz Fux e o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, haviam votado contra o direito de réus delatados falarem por último. Acabaram, porém, se alinhando a Toffoli a favor da elaboração de uma tese, em um esforço para “reduzir danos”.

A proposta de Toffoli foi apresentada na análise do habeas corpus do ex-gerente da Petrobrás Marcio de Almeida Ferreira, condenado na Lava Jato por Moro. Por 6 a5, o plenário derrubou a condenação que havia sido determinada pelo então juiz. Foi a segunda sentença de Moro anulada pelo Supremo.

Em agosto, a Segunda Turma do STF já havia derrubado a condenação de Moro imposta ao ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine. Assim como Bendine, a defesa do ex-gerente alegou que ele sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais depois da manifestação dos réus colaboradores – em ambos os casos, Moro negou aos réus delatados o direito de falar por último.

Por se tratar da análise de um habeas corpus, o entendimento do Supremo não tem efeito vinculante – não será replicado em todos os casos similares –, mas servirá de parâmetro para as diversas instâncias judiciais do País. A derrubada das condenações de Bendine e Ferreira não significa a absolvição dos réus. Os casos deverão retornar à Justiça Federal em Curitiba para a fase das alegações finais.

Recados. O julgamento de ontem também foi dominado por duros recados dos ministros. Toffoli disse que é uma “desonestidade intelectual” afirmar que o STF atua para manter a impunidade. “Esta Corte defende o combate à corrupção, mas repudia os abusos e os excessos e tentativas de criação de poderes paralelos e instituições paralelas.”

Crítico da Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes atacou a atuação de Moro na 13.ª Vara Federal em Curitiba. “Não parece haver dúvidas de que o juiz Moro era o verdadeiro chefe da força-tarefa de Curitiba, indicando testemunhas e sugerindo provas documentais. Quem acha que isso é normal certamente não está lendo a Constituição”, disse Gilmar, que chamou o ex-juiz de “coaching da acusação”.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

As votações na Corte até agora

1. Como a decisão do Supremo afeta a Lava Jato?

A maioria do Supremo votou a favor do entendimento de que réus delatados têm o direito de falar por último, depois de réus delatores. Essa tese pode levar à anulação de sentenças da Lava Jato – como já ocorreu com o ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine e com o ex-gerente da estatal Marcio Ferreira.

2. O que o STF vai analisar?

O Supremo ainda vai debater tese defendida por Dias Toffoli para delimitar o alcance da decisão que abre brecha para suspender condenações da Lava Jato.

3. Qual é a tese de Toffoli?

Pela tese, a condenação pode ser anulada se o réu delatado pediu à Justiça para falar por último, mas teve a solicitação negada em 1.ª instância, e, assim, houve prejuízo à defesa.

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STF se meteus numa enrascada

Eliane Cantanhêde

03/10/2019

 

 

A verdade nua e crua é que o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu adiar a decisão sobre regras para as alegações finais de réus delatados por um único motivo: um impasse. Não há votos para as soluções colocadas e não há outras para substituí-las.

Mais ou menos como o Reino Unido se meteu numa enrascada ao decidir pelo Brexit sem ter articulado as regras para a saída da União Europeia, os ministros se meteram também numa grande confusão ao diferenciar o réu delatado do réu delator, definir que o delatado tem a última palavra e criar mais uma interrogação sobre a extensão da decisão e sobre o futuro da Lava Jato.

O presidente da Corte, Dias Toffoli, tentou articular uma solução mista para reduzir o impacto, juntando duas regras: a primeira é a de que só terá direito à anulação de sentença o delatado que tiver reclamado desde a primeira instância para falar por último; a segunda é a de que haja comprovação de “prejuízo” do réu com a manifestação final do delator.

As duas regras são altamente polêmicas. A proposta de Toffoli faz o oposto do que o habitual, garantindo direito retroativo, não daqui para a frente, porque só atinge quem, lá atrás, ainda na primeira instância, pediu direito para falar por último. Isso cria dois réus. Um é beneficiado porque pediu o direito antes da decisão do STF e o outro, não. Os dois têm a mesma situação, mas um se lasca e o outro se dá bem.

A outra regra proposta é igualmente complicada: haver ou não “prejuízo” para o réu carrega uma altíssima dose de subjetividade e acarretaria uma onda de recursos e pedidos de habeas corpus.

Diante da falta de uma saída, ou solução, a decisão foi adiada novamente, de hoje para a próxima semana. Assim como no Brexit, não há modelos razoáveis para “modular” a decisão que foi tomada antes pela Segunda Turma e, agora, é endossada pelo plenário por 7 votos a 4.