O Estado de São Paulo, n. 46004, 01/10/2019. Metrópole, p. A14
Verba de R$ 7,9 bi para universidades em 2020 depende de aval do Congresso
Lígia Formenti
01/10/2019
Educação. Parte do orçamento do Ministério da Educação para as instituições federais só se concretizará caso parlamentares aprovem a contratação de empréstimos pelo Executivo. Universitários temem redução de bolsas de assistência estudantil no ano que vem
Quando chegou há dois anos em João Pessoa para fazer faculdade, o pernambucano Luiz Henrique Pessoa, de 21 anos, levava uma pequena mala e o dinheiro que recebeu de aulas particulares. “Se o processo de concessão de bolsas fosse demorado, teria de trancar a matrícula e voltar ao Recife. Confiei que daria certo, e deu”, diz o aluno de Medicina da Universidade Federal da Paraíba. Com o atual cenário de verbas restritas nas instituições, ele se esforça para manter o otimismo.
O receio de Luiz, assim como de milhares de alunos nas federais, é que faltem recursos para a assistência estudantil no próximo ano. A proposta do governo para o orçamento das universidades em 2020 inclui recursos que não estão em caixa. Diferentemente de outros anos, o montante previsto para as instituições só vai se materializar caso o governo receba aval do Congresso para “quebrar” a norma batizada de regra de ouro (leia mais nesta pág.).
O mecanismo, criado para garantir a saúde das contas públicas, impede a contratação por parte do Executivo de empréstimos para pagar despesas correntes, como salários e contas de luz. É o primeiro ano em que o orçamento das universidades, de R$ 54 bilhões, mostra uma cifra que ainda não existe. Essa fatia corresponde a R$ 7,9 bilhões, 15% da proposta orçamentária para 2020.
Cenário. Reitores também estão preocupados. Presidente da Comissão de Orçamento da Associação Nacional dos Dirigentes de Institutos Federais de Ensino Superior (Andifes), Sérgio Cerqueira diz que aproximadamente 40% do orçamento discricionário das universidades, como são chamadas as despesas não obrigatórias, depende dessa segunda aprovação no Legislativo.
Nesse grupo, estão incluídas as despesas com serviços terceirizados, como segurança e limpeza, e também os programas de assistência estudantil. Os porcentuais variam conforme a universidade. Pelas contas da Andifes, com o orçamento “tradicional”, que não está condicionado a uma segunda votação de parlamentares, seria possível financiar as contas somente até setembro. “O fato é que não estamos seguros com relação aos recursos que vão chegar”, constata Cerqueira.
Embora R$ 7, 9 bilhões da proposta do orçamento de 2020 dependam de uma segunda rodada de negociações com parlamentares para a quebra da regra de ouro, o Ministério da Educação (MEC) considera que o recurso está garantido. Oficialmente, a pasta diz que no projeto para 2020 o orçamento das universidades terá aumento de R$ 5,2 bilhões, se comparado ao de 2019.
Mas para a maior parte dos reitores, o que vale é o que está no orçamento “real”. Por esse critério, o projeto de lei de orçamento de 2020 é R$ 2,8 bilhões menor do que o de 2019. A verba curta se soma ao problema que ocorre todos os anos – o contingenciamento (bloqueio).
“As dificuldades vão se somando e a situação, agravando se ano a ano”, diz Cerqueira, reitor da Universidade Federal de São João Del Rei (MG). Para ele, não há dúvida de que isso acaba afetando a qualidade de ensino.
Em tramitação. O MEC afirmou, em nota, que o Projeto de Lei Orçamentária para 2020 ainda está em tramitação no Congresso e, por isso, está sujeito a alterações por emendas de parlamentares. A pasta trabalha com valores totais da proposta apresentada ao Legislativo, incluindo valores descritos no orçamento “tradicional” e a proposta sob “supervisão” dos parlamentares – a fatia do orçamento que só poderá ser liberada caso haja autorização para a emissão de dívida.
Assim, para o MEC não há queda da verba para assistência. Na proposta de lei orçamentária, o orçamento para a assistência estudantil é de R$ 1,07 bilhão, mesmo valor de 2019.
PARA ENTENDER
Dívida para bancar gastos
A regra de ouro proíbe o Executivo de se endividar para pagar despesas correntes – os gastos da administração pública para manter seus serviços funcionando. O aumento da dívida para fazer os pagamentos é permitido só com aval da maioria absoluta do Congresso.
Quando autorizado, o governo emite títulos da dívida pública e vende para investidores. É como se o investidor emprestasse dinheiro ao País. Se o Legislativo não aprovar, há dois cenários possíveis. O primeiro é o presidente descumprir a regra, o que o levaria a ser acusado de crime de responsabilidade e ficar passível de impeachment. O segundo é o da suspensão de pagamentos das despesas correntes.
A inclusão no orçamento de parte da verba condicionada à liberação da regra de ouro foi adotada na proposta orçamentária federal deste ano, diz Daniel Couri, do Instituto Fiscal Independente. Foram R$ 248,9 bilhões no total. Os recursos foram aprovados pelo Congresso e incorporados ao orçamento de 2019. Para o ano que vem, a quantia condicionada será de R$ 367 bilhões.
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MEC anuncia desbloqueio de R$ 1,15 bilhão para este ano
Lígia Formenti
01/10/2019
Valor destinado às universidades federais corresponde à metade do que havia sido contingenciado
O Ministério da Educação (MEC) anunciou ontem o descontingenciamento de R$ 1,156 bilhão para as universidades federais. Isso corresponde à metade do que havia sido contingenciado no orçamento deste ano para as unidades. Os recursos serão distribuídos proporcionalmente, de acordo com o bloqueio em cada universidade.
A verba, segundo o ministro Abraham Weintraub, chega aos cofres das instituições ainda hoje. As universidades têm ainda 15% da verba discricionária – usada, por exemplo, para pagamento de empresas de segurança, alimentação ou gastos com energia – bloqueada. Weintraub disse esperar que uma nova parcela da verba contingenciada seja liberada em outubro, mas não garantiu que isso ocorrerá com o total dos recursos.
Weintraub condicionou a liberação do total bloqueado ao desempenho da economia e à retomada do crescimento. “A probabilidade hoje é muito maior do que seis meses atrás”, disse, para mais tarde completar: “A gente caminha para descontingenciar quase a totalidade do que foi contingenciado”.
As verbas anunciadas para as universidades fazem parte de um total de R$ 1,99 bilhão do orçamento do MEC que estava bloqueado e que foi liberado. Além das universidades e institutos federais, serão desbloqueados R$ 270 milhões para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), R$ 105 milhões para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e R$ 290 milhões para o Programa Nacional dos Livros Didáticos (PNLD).
Os recursos liberados da Capes serão usados para pagamentos de bolsas que já estão em andamento. Não há perspectivas da retomada de bolsas cortadas pela coordenação. No caso do PNLD, o descontingenciamento anunciado ontem libera todos os recursos que haviam sido inicialmente previstos para o setor.
O MEC teve contingenciado o equivalente a R$ 5,8 bilhões em abril. Há ainda outros R$ 3,8 bilhões que continuam bloqueados. A fatia destinada para universidades corresponde a 58% do total liberado. “Tudo isso foi feito administrando a boca do caixa”, disse. O ministro considera que, com a liberação realizada agora, o bloqueio que permanece nas universidades representa uma pequena parte, se considerado o orçamento total.
Ao anunciar o desbloqueio, Weintraub voltou a falar sobre o Future-se, programa que prevê nova política para aporte de recursos. Como mostrou o Estado na semana passada, as universidades não estão dispostas a aderir ao programa. “Vocês vão ter de aderir ao Future-se”, disse. Segundo ele, o orçamento de 2020 já deu mostras de que não haverá recursos extras para as instituições. Quem quiser mais verba terá de “bater na porta da iniciativa privada”, segundo o ministro.
Contas. Em nota, o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Institutos Federais de Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles, afirmou que os recursos desbloqueados pelo MEC garantem o pagamento das contas de setembro e outubro. Segundo ele, a verba liberada deverá ser usada nas despesas de funcionamento das universidades. A Andifes pretende identificar qual a fatia destinada para as universidades e qual irá para os institutos.
Embora tenha comemorado a liberação de recursos, Salles avaliou que a parcela desbloqueada não será suficiente para custear o funcionamento das universidades até o fim do ano. O presidente da Andifes, que também é reitor da Universidade Federal da Bahia, afirmou que as federais precisam da liberação de 100% do orçamento previsto para o ano. E, em alguns casos, de suplementação, uma vez que há dívidas de anos anteriores.
Salles reagiu ainda diante da afirmação de Weintraub de que as universidades deveriam justificar a necessidade do recebimento de recursos extras. Em resposta, o presidente da Andifes afirmou que os investimentos dos impostos retornam para a sociedade, por meio de profissionais capacitados, pesquisas ou serviços públicos.