O Estado de São Paulo, n. 46064, 30/11/2019. Política, p. A12

 

Ação da PF prende desembargadora do TJ da Bahia

Breno Pires

Pepita Ortega

30/11/2019

 

 

Ex-presidente do tribunal, Maria do Socorro Santiago é alvo da Operação Faroeste, que investiga esquema de venda de sentenças

A ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, foi presa preventivamente na manhã de ontem em nova fase da Operação Faroeste, investigação sobre um esquema de corrupção e venda de sentenças no fórum. A ordem partiu do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, relator da Faroeste.

Maria do Socorro, que estava afastada do cargo havia dez dias após ser alvo de fase anterior da operação, foi presa diante de indícios de que estaria destruindo provas e descumprindo a ordem de não manter contato com funcionários do tribunal. Segundo as investigações, a magistrada também movimentou R$ 17 milhões, sem comprovar a origem de parte dos valores.

Na primeira fase da Faroeste, a Polícia Federal apreendeu em endereço ligado à desembargadora R$ 100 mil em dinheiro – as notas de real, euro e dólar estavam no guarda-roupa da desembargadora. No quarto da magistrada, agentes encontraram ainda obras de arte e um “grande estojo” com três relógios Rolex, colar de ouro, anéis e brincos. Para os investigadores, o “padrão econômico” mantido por Maria do Socorro é incompatível com os vencimentos de um servidor público. A operação de ontem foi batizada de Joia da Coroa.

“A análise conjunta das diligências, das apreensões e da exploração dos dados obtidos permite afirmar que o ostentado pela desembargadora com muitos adornos aparentando joias, dinheiro em espécie de grande monta, obras de arte, bolsas, etc, é acima do que seria esperado para uma servidora pública”, afirmam os investigadores.

A PF achou ainda um manuscrito que indica suposto tráfico de influência da magistrada em favor do empresário Adailton Maturino, que se apresenta, segundo investigadores, como cônsul da Guiné-Bissau na Bahia. Segundo a PF, Maturino seria o idealizador do esquema de grilagem e da “teia de corrupção” instalada no TJ-BA.

A investigação cita o advogado Márcio Duarte Miranda como suposto “operador” da desembargadora. Rastreamento bancário mostra que entre 1.º de janeiro de 2013 até o dia da deflagração da Faroeste, Miranda movimentou R$ 5,6 milhões. No entanto, “na tentativa de bloqueio de bens em seu desfavor, apenas foram localizados R$ 181,35 nas suas contas bancárias”, conforme a PF.

“Ao ser cumprida busca em face de Márcio Duarte Miranda, operador de Maria do Socorro, corroborada, mais uma vez, ficou a hipótese investigatória, de que ambos negociaram decisões para atender os anseios criminosos de Adailton Maturino”, diz a investigação.

Além de Maria do Socorro, são alvo da investigação outros três desembargadores, inclusive o presidente do TJ-BA, Gesivaldo Britto, e dois juízes de primeira instância, um deles já preso também por ordem do ministro Og Fernandes, do STJ.

De acordo com a Faroeste, o grupo atuava em organização criminosa instalada dentro do TJ-BA vendendo sentenças em processos sobre grilagem de terras no oeste da Bahia. O esquema envolveria também servidores do tribunal, além de escritórios de advocacia e “laranjas”.

“Descobriu-se uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia, bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do referido Estado, em um esquema de vendas de decisões para legitimação de terras no oeste baiano”, afirmou o ministro Og Fernandes.

‘Mediador’. A defesa de Maria do Socorro Barreto Santiago não respondeu até a conclusão desta edição. O TJ-BA afirmou que “adota todas as medidas cabíveis para colaborar com a investigação”. Os advogados de Adailton Maturino afirmaram que ele atua, desde 2005, como “mediador”. “O que se supõe caracterizar tráfico de influência ou mesmo corrupção não passa de legítima atuação profissional, seja na qualidade de mediação de acordos, o que é uma tendência mundial, para desafogar a Justiça, seja no legítimo manejo do Direito.”

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Ex-presidente do STJ é alvo de nova busca e apreensão

Pepita Ortega

Fausto Macedo

30/11/2019

 

 

 Cesar Asfor Rocha é citado em investigação sobre supostas propinas para anular a Operação Castelo de Areia

A Polícia Federal deflagrou ontem nova fase da Operação Appius e cumpriu dois mandados de busca e apreensão em escritórios de advocacia em São Paulo e em Brasília ligados ao ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Cesar Asfor Rocha, hoje aposentado.

A operação foi inicialmente desencadeada, no dia 7 de novembro, para investigar supostas propinas pagas pela empreiteira Camargo Corrêa a agentes públicos com o objetivo de anular a Operação Castelo de Areia.

Na primeira etapa da Operação Appius os agentes cumpriram quatro mandados de busca e apreensão em São Paulo e em Fortaleza, uma delas no apartamento de Asfor Rocha.

A ação de ontem foi realizada em conjunto com o Ministério Público Federal. A Procuradoria afirmou que as diligências se mostraram necessárias diante de “circunstâncias atípicas” verificadas durante o cumprimento de medidas anteriores.

Segundo o Ministério Público Federal, não foram encontrados computadores nas residências dos advogados investigados, “embora ali houvesse impressoras, cabos de rede e de energia e monitores”. Além disso, a Procuradoria registrou que houve formatação de celulares “com apagamento de dados e outros fatos que denotaram possíveis ações de ocultação de elementos relevantes à apuração”. As diligências foram “devidamente acompanhadas” por representantes locais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou a PF.

Palocci. A Appius toma como base as afirmações feitas pelo ex-ministro Antonio Palocci em acordo de colaboração premiada. À PF, o petista apontou suposto repasse de R$ 50 milhões da Camargo Corrêa para o governo do PT e aliados políticos em troca de interferência da então presidente Dilma Rousseff, em 2011, para enterrar a Operação Castelo de Areia – investigação aberta em 2009 sobre suposto esquema de pagamento de propinas pela empreiteira a políticos, inclusive fora do período eleitoral.

Em 2010, o então presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, concedeu liminar, durante recesso do Judiciário, para suspender a ação penal decorrente da Castelo de Areia, sob o argumento de que o inquérito foi iniciado a partir de uma denúncia anônima, o que é ilegal. Um ano depois, a decisão foi confirmada pela Sexta Turma do STJ.

Na primeira etapa da Appius, a PF apontou “ingerência hábil” e “inconsistência” na decisão de Asfor Rocha. Para os investigadores, a decisão na Castelo de Areia foi “inédita” em comparação com outras proferidas por ele.

Defesas. O escritório Cesar Asfor Rocha Advogados afirmou que “aguarda com serenidade as apurações”. “As suposições com que o ex-petista (Antonio Palocci), já condenado por corrupção, tenta comprar sua liberdade não têm respaldo nos fatos”, diz a nota.

A assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma Rousseff afirmou que Palocci mente e “não apresenta provas ou sequer indícios” de que a então presidente “teve conhecimento ou participação direta em supostas ilegalidades”.

O criminalista Celso Vilardi, defensor da Camargo Corrêa, disse que não iria se manifestar porque esta nova fase da Operação Appius não tem nenhuma relação com a empreiteira.