O Estado de São Paulo, n. 46062, 28/11/2019. Economia, p. B1

 

Governo determina teto de 8% ao mês para taxa de juros no cheque especial

Fabrício de Castro

Eduardo Rodrigues

28/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Finanças. Medida foi aprovada durante reunião do Conselho Monetário Nacional e entra em vigor em 6 de janeiro de 2020; como compensação, bancos vão passar a cobrar uma tarifa do cliente que quiser ter à disposição um limite de crédito superior a R$ 500

O governo decidiu limitar a 8% ao mês os juros cobrados pelos bancos no cheque especial, mas permitiu que as instituições cobrem uma tarifa mensal para oferecer o produto a seus clientes. A medida foi aprovada ontem durante reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) – composto pelo ministro da Economia (Paulo Guedes), pelo presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto) e pelo secretário especial da Fazenda (Waldery Rodrigues) – e entra em vigor em 6 de janeiro de 2020.

Segundo o BC, responsável pela divulgação, a mudança tem o objetivo de tornar o produto menos “regressivo”, considerando que o cheque especial é hoje utilizado principalmente por clientes de menor poder aquisitivo.

Em outubro, segundo o BC, o juro médio do cheque especial ficou em 305,9% ao ano (o equivalente a 12,4% ao mês). Com a mudança, essas taxas devem cair praticamente pela metade, a 150% ao ano, segundo o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do BC, João Manoel Pinho de Mello.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que vai analisar a resolução aprovada pelo CMN para avaliar os impactos da medida. Para o ex-economista da entidade Roberto Troster, a alteração não contrariaria o discurso liberal do governo. Ele comparou o limite imposto ao bancos à proibição da pesca durante períodos de defeso. “É preciso proteger os banqueiros dos banqueiros”, afirmou Troster. “As taxas muito altas criam muitas externalidades negativas.”

Já o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Ibre/FGV, afirmou que a medida “é estranha” dentro de um governo de tendência liberal. “O argumento para a definição de um teto supõe a irracionalidade do consumidor, que ele vai se expor a uma dívida mais do que é bom para ele e para a sociedade.” Ele lembra, porém, que uma taxa anualizada de 150% ou 170% não pode ser considerada baixa. “É até bem alta”, afirmou.

No início do mês, a Caixa Econômica Federal chegou a anunciar a redução de suas taxas mínimas (de 8,99% para 4,99% ao mês), gesto que foi visto pelo mercado como uma tentativa do governo de usar os bancos oficiais para forçar a queda de juros no varejo – ainda longe do ritmo de corte determinado pelo governo para a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 5% ao ano.

Desde julho do ano passado, numa iniciativa patrocinada pela própria Febraban, os bancos passaram a oferecer parcelamento para dívidas no cheque especial. A opção vale para débitos superiores a R$ 200. A expectativa da entidade era que a migração para linhas mais baratas acelerasse a tendência de queda do juro cobrado ao consumidor. Isso não ocorreu. Em junho de 2018, antes do início da nova dinâmica, a taxa do cheque especial estava em 304,9% ao ano – abaixo, portanto, do patamar registrado pelo Banco Central em outubro passado.

Tarifa. Além de colocar um teto para os juros, o governo vai permitir que os bancos cobrem uma tarifa do cliente que quiser usar o cheque especial, sendo vedada a cobrança para limites de crédito de até R$ 500. Segundo o BC, cerca de 19 milhões de usuários do cheque especial se enquadram nessa categoria, de um universo total de 80 milhões de clientes.

Para quantias superiores, poderá ser cobrada tarifa mensal de até 0,25% sobre o valor que exceder a R$ 500. A tarifa deverá ser descontada do valor devido a título de juros de cheque especial no respectivo mês.

Para os contratos em vigor, a incidência de tarifa só será permitida a partir de 1 º de junho de 2020, caso não venham a ser repactuados antes, cabendo à instituição financeira comunicar ao cliente a sua incidência com 30 dias de antecedência.

Segundo o BC, essa é uma medida de caráter específico, “por ser o cheque especial um produto com características singulares que não favorecem a competição entre as instituições financeiras”.

Usuário

61 milhões

É o número de correntistas que, com a mudança, devem passar a pagar uma tarifa pelo uso do limite do cheque especial, de acordo com projeção divulgada pelo Banco Central