Correio braziliense, n. 20505, 12/07/2019. Política, p. 5

 

Um Bolsonaro nos EUA

Bernardo Bittar

Cláudia Dianni

12/07/2019

 

 

Poder » Presidente afirma que pode indicar o filho Eduardo como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Deputado diz que "se receber a missão, vai cumprir". Para ministro do STF Marco Aurélio Mello, pode ser considerado nepotismo

O presidente Jair Bolsonaro disse que “está no radar” dele a possibilidade de indicar o filho deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A vaga em Washington está disponível desde abril, quando o chanceler Ernesto Araújo removeu o diplomata Sérgio Amaral do posto. O diplomata Nestor Foster era considerado o favorito para substituí-lo.

Em entrevista coletiva durante a posse do novo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o presidente disse à imprensa que o parlamentar “fala inglês fluentemente” e que tem uma relação muito boa com a família do presidente norte-americano Donald Trump. Eduardo Bolsonaro fez 35 anos nesta quarta, dia em que a reforma da Previdência foi aprovada no plenário da Câmara em primeiro turno.

A idade é fator decisivo, pois preenche um dos requisitos para assumir o cargo de embaixador. Após a indicação do presidente, essa decisão precisa ser endossada pelo Senado, que delibera sobre a questão em plenário. Eduardo Bolsonaro é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e, há meses, é tratado como consultor informal de assuntos internacionais do Planalto.

“Já foi cogitado no passado, levamos em conta o custo do benefício. Como seria compreendido naquele país. Fiquei pensando: imagina se tivesse no Brasil aqui o filho do Macri (Maurício Macri, presidente da Argentina) como embaixador da Argentina. Obviamente o tratamento dirigido a ele seria diferente de outro embaixador”, complementou o presidente.

Eduardo Bolsonaro disse que “se receber a missão”, vai cumprir, “independentemente de onde for”. O deputado admitiu que não tem experiência na diplomacia, mas apontou vantagens por ser filho do presidente. “Óbvio que não sou diplomata, não fiz concurso público. Eu acredito que a nomeação ou a indicação de uma pessoa tão próxima do presidente seria vista com bons olhos pelo lado americano. Antes da resposta de Eduardo, o presidente da República disse que a nomeação só dependia do deputado. Bolsonaro disse que, da parte dele, “decidiria agora”.

Jair Bolsonaro antecipou a mudança no comando da embaixada pela imprensa um mês antes de remover Sérgio Amaral de Washington, às vésperas de embarcar para a primeira visita oficial aos Estados Unidos. O presidente justificou a mudança ao fato de que a imagem dele não estava boa no exterior e reclamou que é apresentado fora do país como ditador, racista e homofóbico, sem direito à defesa por parte dos diplomatas brasileiros.

Tiro no pé

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello disse que uma eventual indicação do deputado para a embaixada nos Estados Unidos é um “péssimo exemplo” e um “tiro no pé”. “Sob minha ótica, é péssimo. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. É um tiro no pé e pode ser enquadrado como nepotismo”.

Ao Correio, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou em nota que “a indicação é uma decisão do presidente da República em consulta com o MRE. Hoje, não existe nenhuma instrução de agrément (nenhum pedido para indicação) enviada à embaixada em nome de nenhum integrante da instituição”.

Nos corredores do ministério, diplomatas dizem que o chanceler está insatisfeito com o posicionamento de Eduardo Bolsonaro nas questões de Estado. Além de acompanhar o pai em viagens internacionais, o deputado costuma marcar encontros com autoridades estrangeiras em visita ao Brasil. “Ninguém vai ao gabinete do Ernesto sem ir ao do Eduardo Bolsonaro”, afirma um integrante do Itamaraty.