O Estado de São Paulo, n. 46062, 28/11/2019. Política, p. A8
STF deve autorizar partilha de dados
Rafael Moraes Moura
Breno Pires
28/11/2019
Ministros devem formar hoje maioria a favor do livre compartilhamento de informações da Receita e da UIF com os Ministérios Públicos
Posição. Luis Roberto Barroso, do STF; ministro é um dos cinco que votaram a favor do compartilhamento de dados
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve formar maioria hoje a favor do compartilhamento amplo de informações da Receita Federal, sem necessidade de prévia autorização judicial. Até agora, cinco ministros já votaram a favor da tese que a Receita não pode ser privada de encaminhar ao Ministério Público informações detalhadas que são importantes para a deflagração de investigações criminais, como extratos bancários e declaração de imposto de renda. Segundo o Estado apurou, mais um magistrado da Corte vai se somar a essa corrente, aberta pelo ministro Alexandre de Moraes.
Por enquanto, apenas o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, opinou por impor limites ao compartilhamento de dados. Ainda permanece em aberto, contudo, se a decisão final vai também incluir a atuação da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf. Essa questão deve ser esclarecida depois que todos os ministros concluírem a leitura dos seus votos e se debruçarem sobre a fixação de uma tese. Ainda faltam votar cinco magistrados – há o risco de o julgamento só ser concluído na próxima semana.
Por decisão de Toffoli, o escopo do julgamento foi ampliado, incluindo também o Coaf, Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que lhe rendeu críticas. Em julho, Toffoli determinou a suspensão nacional de todos os processos em andamento sobre compartilhamento de dados fiscais sem autorização judicial, beneficiando o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho de Jair Bolsonaro.
Flávio entrou na mira de uma investigação envolvendo a suposta prática de “rachadinha” no seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado de Rio de Janeiro, revelado pelo Estado.
O ministro Luís Roberto Barroso considerou “engenhosa” a postulação da defesa de Flávio em um processo que trata inicialmente sobre Receita. “Caso o plenário decida estender o objeto do julgamento, manifesto-me no voto, igualmente, sobre a possibilidade de repasse de informações ao Ministério Público pela UIF, pelo Bacen e pela CVM”, afirmou.
Na avaliação de Barroso, não é razoável a Receita comunicar ao Ministério Público o indício de crime e não enviar toda a documentação. “Obrigaria o MP a pedir ao juiz. E o que ele vai fazer? Ele vai dizer que pode, naturalmente”, disse.
Em seu voto, o ministro Luiz Fux votou a favor do compartilhamento amplo de informações tanto da Receita quanto do Coaf. O ministro defendeu a atuação de órgão de fiscalização e controle no combate à corrupção. “Corrupção e lavagem de dinheiro não combinam com qualquer tipo de sigilo.”
Para a ministra Rosa Weber, que acompanhou o entendimento dos colegas, “não se justifica impor qualquer tipo de condicionante ao compartilhamento” de informações da Receita com o MP.
“Na minha compreensão, é próprio de um Estado de Direito, a exigência de que a descoberta de condutas potencialmente criminosas por parte de agentes públicos, fazendários ou não, reverbere no âmbito da administração com acionamento de seus órgãos de investigação para apuração de possíveis delitos. Trata-se, na minha visão, de dever que recai sobre o agente público responsável pela fiscalização tributária por observância aos princípios que regem a administração pública”, afirmou Rosa.
A ministra se posicionou contrária à ampliação do escopo do julgamento para o Coaf, mas admitiu incluir o órgão na fixação da tese se houver maioria nesse sentido no final do julgamento.
‘Sigilo’
“Corrupção e lavagem de dinheiro não combinam com qualquer tipo de sigilo.”
Lux Fux
MINISTRO DO STF
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'Javanês': Barroso pede desculpas
Rafael Moraes Moura
Breno Pires
28/11/2019
Declaração / Toffoli não gostou de comentário de colega
Logo no início da sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), que retomou o julgamento sobre a necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de dados da Receita e do Coaf, o ministro Luís Roberto Barroso pediu desculpas publicamente ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, por ter dito que era preciso “chamar um professor de javanês” após o voto do colega, relator desta ação, na semana passada.
Barroso disse que o comentário foi feito em ambiente privado, já no salão branco, reservado a ministros da Corte, e lamentou que foi “captado por um microfone poderoso”.
“Eu gostaria de expressamente reiterar o meu apreço pessoal por vossa excelência, que não é abalado por eventuais compreensões diferentes do Direito em algumas situações. E nessa linha, presidente, eu lamento que um comentário interno que fiz já dentro do salão branco, após o julgamento de quarta-feira passada, a propósito de um conto de Lima Barreto, tenha sido captado por um microfone poderoso”, disse Barroso.
O comentário, reproduzido nas redes sociais em forma de vídeo, traduzia “a picardia legítima em uma roda de colegas e amigos”, segundo Barroso. “Não constituía uma declaração pública como parte do noticiário fez transparecer. Tenho a preocupação nesta vida de não causar mal a ninguém, e menos ainda às pessoas por quem tenho estima, como é o caso de vossa excelência”, concluiu o ministro, em seu pedido público de desculpas.
Toffoli respondeu ao colega dizendo que a estima era recíproca. Ele não gostou do comentário de Barroso sobre a necessidade de chamar um professor de javanês. Com duração de mais de quatro horas, o voto de Toffoli neste julgamento foi considerado confuso por juristas.
Na sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de anteontem, Barroso e a ministra Rosa Weber conversaram sobre o episódio. Mais uma vez, um microfone gravou a voz do ministro e transmitiu ao vivo no site do tribunal, logo no início da sessão.
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Questão sobre antigo Coaf precisa ser esclarecida
Vera Chemim
28/11/2019
Os votos de Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux vão ao encontro do voto divergente de Alexandre de Moraes, em relação ao voto do relator Dias Toffoli, sinalizando que haverá maioria no sentido da constitucionalidade do compartilhamento de dados bancários e fiscais pela Receita Federal e a UIF (antigo COAF) com o Ministério Público, para fins de persecução penal.
O pano de fundo remete ao direito fundamental de inviolabilidade de dados bancários e fiscais previsto no inciso XII do artigo 5º da Carta Magna que deve ser “relativizado” quando se enfrenta o cometimento de atos ilícitos que provocam danos a uma gama significativa de bens jurídicos constitucionais igualmente relevantes e que devem ser protegidos pelo Estado.
Os ministros ratificaram a constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da lei complementar que já tinham sido objeto de julgamento pela Corte. Portanto, aquele compartilhamento poderá abranger todas as informações bancarias e fiscais sem prévia autorização judicial, desde que já haja procedimento administrativo ou judicial em curso e que o Ministério Público, ao ter acesso aos dados mantenha, o seu absoluto sigilo. É importante observar que no caso de o Ministério Público requerer diretamente às instituições competentes (BACEN, CVM) o acesso aos dados sigilosos, estes só serão compartilhados com prévia autorização judicial.
A análise do compartilhamento de dados pela UIF não poderia ser estendida ao julgamento do caso concreto, razão pela qual, os ministros decidirão hoje, quando da confecção da tese sobre o tema.