O Estado de São Paulo, n. 46063, 29/11/2019. Política, p. A8

 

Supremo fez norma não escrita, diz TRF-4

Ricardo Brandt

Fausto Macedo

29/11/2019

 

 

Em voto que condenou Lula anteontem, Gebran divergiu de entendimento do STF

 Em voto sobre a condenação do ex-presidente Lula, anteontem, no caso do sítio de Atibaia, o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4, divergiu de decisão do Supremo Tribunal Federal.

O desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da operação Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), fundamentou com preceitos legais, precedentes, análise processual e convicções pessoais sua decisão de rejeitar, como regra geral retroativa, a ordem diferenciada para apresentação das alegações finais entre réus delatados e delatores. Seu voto, acompanhado pelos dois outros magistrados da Turma, diverge do Supremo Tribunal Federal, que anulou a condenação do expresidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, com o argumento de que ele teve sua defesa prejudicada porque apresentou suas alegações finais após seu delator.

Ao negar o pedido de nulidade da sentença que condenou em primeira instância o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do sítio de Atibaia,

Gebran Neto disse que “não comunga desse entendimento”, já alvo de debates anteriores. Segundo ele, além de não ter base legal, o entendimento não pode ser usado como regra para processos passados.

“Me parece que o que fez o Supremo Tribunal Federal é criar uma norma processual não escrita (…), que só poderia valer com efeito ex nunc, jamais uma norma processual com eficácia retroativa. Fazendo com que todos os juízes do Brasil tivessem que adivinhar que, em determinado momento, seria criado uma nova norma, e que todos os processos que não implicassem essa nova norma retroativamente seriam eivados de nulidade”, afirmou.

A decisão do TRF-4 foi criticada por ministros do Supremo. A defesa de Lula a classificou como uma “afronta” ao Supremo. Para a Oitava Turma, a tese é uma “compreensão inovadora de ordem processual”.

No processo contra Bendine, o plenário do STF acolheu o argumento de que houve prejuízo a Bendine na apresentação de sua defesa final ao mesmo tempo que os réus delatores, e anulou sentença da 13.ª Vara Federal de Curitiba. No processo de Lula, os desembargadores afirmam que não houve prejuízo. “Entendo que o processo está em consonância com o Código de Processo Penal. Os prazos para alegações finais são comuns a todos os réus, não havendo em que se falar em ordem diferenciada de apresentação de alegações finais”, afirmou Gebran Neto ao ler o voto de mais de 350 páginas.

Gebran Neto argumentou que há 24 anos a delação existe, mesmo antes da lei de 2013 que a regulamentou, e “nunca se tratou de ordem preferencial para delatados antes”. Além dos artigos do código, citou voto do ministro Celso de Mello, do STF, que defendeu a “necessidade de preservação dos atos pretéritos”. “Como procedimento processual, está regrado na lei e não cabe ser alterado por interpretação desse tipo. Com efeito o prazo das alegações finais no Código de Processo Penal é comum e a pretensão carece de fundamentação. É nessa linha a minha compreensão pessoal.”

Tese. O relator usou artigos do Código de Processo Penal, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em especial do ministro Felix Fischer, relator da Lava Jato na corte, e de ministros e ex-ministros do STF, como Cezar Peluso.

O desembargador afirmou que o TRF-4 tem longa fundamentação sobre o tema e citou um julgamento em outro processo da Lava Jato contra o expresidente – em que ele é acusado de corrupção e lavagem envolvendo terreno para o Instituto Lula. Houve debate entre os desembargadores e a conclusão de que “não há direito a manifestação por último de réus não colaboradores”.

Para o tribunal e para o relator da Lava Jato no STJ, o argumento de que há prejuízo para o réu delatado, pois o réu delator figuraria uma espécie de assistente de acusação do Ministério Público, não tem fundamento. Gebran Neto destacou ainda a necessidade de comprovação de prejuízo para os réus. “A jurisprudência do Supremo e do STJ exige a demonstração de prejuízo”, afirmou.

Norma

“Me parece que o que fez o Supremo Tribunal Federal é criar uma norma processual não escrita (…), que só poderia valer com efeito ‘ex nunc’, jamais uma norma processual com eficácia retroativa.”

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Posição adotada por desembargadores divide juristas

Paulo Beraldo

Tiago Aguiar

29/11/2019

 

 

Advogados entendem que Supremo deixou em aberto possibilidade de juízes avaliarem se réu delatado sofreu prejuízo   

A divergência entre Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o momento em que réus delatados e seus delatores devem apresentar as alegações finais em um processo dividiu juristas.

Em outubro, o Supremo anulou uma condenação em primeira instância da Lava-Jato porque os delatados não foram os últimos a se pronunciar no processo, o que, segundo eles, feria o princípio da ampla defesa. Já na condenação do processo do sítio de Atibaia, anteontem, os desembargadores consideraram que, mesmo que Lula não tenha sido ouvido após os delatores do seu processo, não houve prejuízo ao julgamento.

Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), avalia ser essencial para o exercício da ampla defesa que os acusados falem por último em processos penais e diz de que, na sua visão, a ordem processual no julgamento de Lula foi desobedecida.

O professor de direito penal João Paulo Martinelli acredita que o caso de Lula é diferente do ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine, que foi anulado pelo STF. “Os desembargadores alegaram que a defesa não comprovou prejuízo. No caso Bendine, o STF reconheceu o prejuízo”.

Na avaliação do pesquisador Luiz Felipe Panelli, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a decisão não foi uma afronta ao STF, como afirmou a defesa de Lula, mas foi um movimento “ousado”.

“Claro que há o risco de o acordo ser revisto pelo Supremo ou pelo STJ. É muito lógico, inclusive, que a defesa faça esse pedido”, diz ele.

Panelli afirma, ainda, que o TRF-4 não deixou de observar algum efeito vinculante da decisão do Supremo sobre as alegações finais, que ainda não foi finalizada. A matéria será discutida em plenário em 2020, em data a ser marcada.

  PARA LEMBRAR

 Decisão do STF atinge 37 ações

Em agosto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a condenação do expresidente da Petrobrás Aldemir Bendine, expedida pelo então juiz da Lava Jato em Curitiba, Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça.

A Turma acatou o argumento de que o direito à ampla defesa de Bendine foi prejudicado porque ele não apresentou suas alegações finais após os réus que o delataram no processo. A decisão de retornar o caso à fase de alegações finais na primeira instância foi considerada um revés na Lava Jato – outros 37 processos podem ser impactados.