O Estado de São Paulo, n. 46036, 02/11/2019. Metrópole, p. A20

 

Após análise de satélites, PF diz que navio grego é principal suspeito por óleo

Fausto Macedo

Daniel Weterman

Edson Fonseca

02/11/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

 

Ambiente. Com apoio de empresa particular foram analisadas imagens da Nasa, da agência europeia e da Airbus que levaram a um vazamento de 200 km em 29 de julho; só o Bouboulina estava na área, mas proprietária diz não ter sido procurada por autoridades

Após um rastreamento por satélites, a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte e a Polícia Federal apontam que um navio de bandeira grega carregado de petróleo venezuelano, o NM Bouboulina, é agora o principal suspeito de ser a fonte do óleo que tem aparecido em várias praias nordestinas desde o início de setembro. Para obter mais provas, a PF deflagrou ontem a Operação Mácula, mirando empresas que estariam ligadas ao petroleiro no Brasil. A dona do navio diz que “não foi procurada” pelas autoridades brasileiras.

A representação do MPF do Rio Grande do Norte, assinada pelos procuradores Victor Manoel Mariz e Cibele Benevides Guedes da Fonseca, diz que há “fortes indícios” de que a Delta Tankers, o comandante do navio mercante e a tripulação deixaram de informar às autoridades acerca do derramamento de petróleo cru no Atlântico.

De acordo com nota conjunta divulgada pelo Ministério da Defesa, pela Marinha e pela Polícia Federal, por meio de geointeligência, identificou-se uma imagem de satélite do dia 29 de julho relacionada a uma mancha de óleo a 733,2 km (cerca de 395 milhas náuticas) a leste do Estado da Paraíba. Segundo os órgãos, essa imagem foi comparada com imagens de datas anteriores, sem as manchas.

Houve ainda a colaboração de uma empresa privada, a HEX, com sede em Brasília. Segundo relatório técnico da HEX, só o navio Bouboulina passava por aquele ponto na data anterior à constatação do vazamento. A presença de um navio fantasma, uma das hipóteses anteriores, estaria descartada. “Não existe margem de erro. Somente uma embarcação atravessou o polígono da mancha naquela data”, afirmou o presidente da empresa, Leonardo Barros.

A HEX identificou uma mancha de óleo de 200 quilômetros de extensão na origem do vazamento.

A empresa teria sido procurada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para repassar dados para a PF. O estudo foi feito com imagens e dados de satélites das agências espaciais americana (Nasa) e europeia (ESA) e da Airbus.

Intenção. Não é possível dizer se o vazamento foi intencional ou acidental. “Apesar de já ser possível falar sobre materialidade, autoria e circunstâncias de crime, ainda restam dúvidas sobre as circunstâncias, não sendo possível afirmar categoricamente se tal crime foi doloso ou culposo, se houve motivação, assunção de risco, negligência, imprudência ou imperícia, conclusões que poderão ser alcançadas no decorrer das investigações ora requeridas e de outras possíveis já na fase ostensiva da apuração”, dizem os procuradores na ação. Mais de 100 megabytes de informações foram apreendidos durante as diligências de ontem nas empresas Lachmann e Witt O Brien.

Segundo a Marinha, o Bouboulina ficou detido nos EUA por quatro dias, por “incorreções de procedimentos operacionais no sistema de separação de água e óleo para descarga no mar”. Já a Polícia Federal informou que o petroleiro atracou na Venezuela em 15 de julho, onde permaneceu por três dias. Depois seguiu rumo a Cingapura, pelo Atlântico, tendo aportado na África do Sul.

Procuradas, a Lachmann afirmou ao Estado que não é alvo da investigação, ao passo que a Witt O Brien alegou que “jamais” teve como cliente a empresa Delta Tankers, dona do Bouboulina. Segundo o delegado Agostinho Cascardo, um dos responsáveis pela investigação no Rio Grande do Norte, as empresas não são suspeitas em princípio, mas poderiam ter arquivos, e dados úteis.

“Nem a Delta Tankers nem o navio foram contactados pelas autoridades brasileiras em relação à investigação”, disse a dona do petroleiro em comunicado. O diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, afirmou que todos os envolvidos foram procurados e foi pedido auxílio nas investigações aos governos da Grécia, da Venezuela, da Nigéria, de Cingapura e da África do Sul. 

Peixe inteligente

O secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Júnior, disse que a população pode continuar consumindo pescados. Segundo ele, “o peixe é um bicho inteligente”, que foge ao perceber o óleo.

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Empresa prestou serviço à Petrobrás

Fábio Grellet

02/11/2019

 

 

A empresa Delta Tankers tem 30 navios-tanque e já chegou a trabalhar para a Petrobrás, com o próprio navio Bouboulina, em ao menos duas ocasiões, em 2011 e 2016. Em 2011, o uso do navio custou US$ 1,84 milhão (R$ 7,34 milhões, em valor atual). Sua última operação para a Petrobrás ocorreu em agosto de 2016, conforme a petrolífera brasileira. A Delta Tankers operou outros quatro navios para a Petrobrás, entre 2011 e 2013, por US$ 9,4 milhões (R$ 37,5 milhões).

As informações constam de documentos recolhidos pela força-tarefa da Operação Lava Jato, que investigou esquema de favorecimento de navios gregos. Em agosto, essa denúncia deu origem a um processo, mas a Delta Tankers e sua frota não estão envolvidas nas irregularidades.

Segundo a petrolífera, desde julho de 2018 a empresa grega não presta serviços à Petrobrás. A petrolífera informou que em todos os contratos está previsto o “atendimento rigoroso de requisitos internacionais relacionados ao transporte marítimo”. 

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Multa é de R$ 50 milhões, mas cabe indenização até a pescadores

Fábio Grellet

02/11/2019

 

 

Segundo especialistas, valor depende do prejuízo, que vem aumentando; navio tinha obrigação de informar vazamento

A empresa grega Delta Tankers, dona do navio Bouboulina, apontado ontem como responsável pelo vazamento do óleo que atingiu o litoral brasileiro, pode ser condenada a pagar multa de até R$ 50 milhões aos órgãos ambientais brasileiros por crime ambiental. Além disso, pode ter de indenizar todos os trabalhadores afetados pela sujeira, incluindo pescadores e donos de pousadas, de acordo com o prejuízo de cada um, e os governos federal, estaduais e municipais, conforme o gasto que tiveram com a operação de contenção e recolhimento do óleo, segundo advogados consultados pelo Estado.

O valor total que pode ser cobrado da empresa, portanto, ainda é impossível de calcular, porque os prejuízos vêm aumentando. “Esse tipo de acidente envolve tanto o Direito Ambiental como o Direito Marítimo, cujas regras acabam se entrelaçando, e o foco principal é o prejuízo ambiental. Os processos devem tramitar na Justiça Federal, e cabe à empresa acusada a responsabilidade de provar que não foi ela. Claro que a investigação precisa apontar algum nexo causal, como por exemplo a constatação de que esse navio foi o único que transportava petróleo e passou pela região atingida, em datas compatíveis. Apontada essa ligação, o ônus da prova passa aos acusados, a quem caberá demonstrar que não foram eles os responsáveis pelo acidente”, afirma Flávia Limmer, professora de Direito Ambiental e Direito do Petróleo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Notificação. O advogado Godofredo Mendes Vianna, sócio do escritório Kincaid e presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, afirma que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, lançada na Jamaica em 1982 e ratificada pelo Brasil, prevê que os navios têm obrigação de informar aos países costeiros próximos a ocorrência de vazamentos como esse que atingiu a costa brasileira. Vianna lamenta que o Brasil ainda não tenha ratificado uma outra convenção, lançada em 1992, que estabelece um fundo internacional de compensação para acidentes envolvendo petróleo. “Se o Brasil estivesse nessa convenção, teria uma verba imediata para essa emergência, além da expertise de um grupo especializado nesse tipo de acidente”, afirma.

- LIMPEZA

“O governo tem obrigação de continuar a limpeza, e depois poderá cobrar do dono do navio o ressarcimento dos gastos.”

Flávia Limmer

PROFESSORA DA PUC-RIO

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Inpe estima rota da poluição, que poderá chegar ao Rio

Giovana Girardi

02/11/2019

 

 

Convidado pela Marinha só no dia 25 para colaborar com as investigações sobre o derramamento de óleo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem uma tecnologia que permite estimar por onde alguns bolsões com óleo podem estar se deslocando. Isso abre a possibilidade para tentar contê-lo antes de chegar às praias.

É assim que o instituto, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, deve colaborar a partir de agora. Especialista em monitoramento por satélite, o Inpe confirma o que vem sendo dito pelo governo federal, de que não tem sido possível ver por satélite o óleo se deslocando. O oceanógrafo Ronald Buss de Souza, interinamente como vice-diretor do Inpe, afirma que foram checadas as imagens disponíveis – e referentes às áreas mais próximas da costa – e não foram detectadas as manchas. Isso corrobora a ideia de que o deslocamento se dá na subsuperfície.

A partir de agora, o órgão vai fazer um direcionamento específico do satélite CBERS para obter imagens de alto-mar em áreas específicas. Além disso, o núcleo de oceanografia consegue analisar, a partir de dados de ventos e correntes marítimas, para onde o óleo pode estar indo – podendo chegar ao Espírito Santo e ao Rio. “O ponto é que existe mais óleo para vir e podemos mostrar onde está, antes que chegue às praias.”