O Estado de São Paulo, n. 46035, 01/11/2019. Política, p. A12

 

Caso Marielle: perícia foi feita em 2h25

Caio Sartori

Roberta Jansen

01/11/2019

 

 

Análise de áudios do Condomínio Vivendas foi realizada um dia após divulgação de material pelo ‘JN’ e ficou restrita à casa de um dos acusados

MP. As promotoras Leticia Petriz, Simone Sibilio e Carmen de Carvalho durante coletiva realizada anteontem no Rio

A perícia nos áudios dos interfones do Condomínio Vivendas da Barra no dia do assassinato da vereadora Marielle Franco só foi feita um dia após a divulgação do caso pelo Jornal Nacional, da TV Globo, e ficou pronta em cerca de 2h25. A análise das conversas entre um funcionário da portaria e moradores da casa 65/66 foi solicitada oficialmente às 13h05m11s de anteontem. Por volta das 15h30, após a perícia, o Ministério Público (MP) afirmou que o porteiro mentiu ao dizer, em depoimento, que um dos acusados do homicídio, Elcio Queiroz, havia pedido para ir na casa 58, que pertence ao presidente Jair Bolsonaro.

Além disso, todas as sete perguntas feitas pelo MP para os peritos fazem referência à casa 65/66, de Ronnie Lessa, acusado de participar do crime junto com Queiroz. Os dois estão presos desde março de 2019. No ofício do MP, encaminhado anteontem à coordenadora de Segurança e Inteligência do MP do Rio, Elisa Fraga de Rego Monteiro, não há nenhuma questão sobre a casa 58 – como é presidente, Bolsonaro só pode ser investigado com autorização do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista ao Jornal Nacional na noite de anteontem, o procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que, “provavelmente” no mesmo dia analisou e arquivou informações sobre a suspeita de que Bolsonaro autorizou a entrada de um suspeito de matar Marielle no condomínio onde tem uma casa.

O MP tem os áudios com as conversas entre a portaria e as casas pelo menos desde o dia 14 de outubro. Durante a entrevista coletiva de anteontem, promotoras do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) disseram que os áudios da portaria mostram que a autorização para Queiroz entrar no condomínio foi dada por Lessa e afirmaram que não havia qualquer gravação da suposta conversa entre o porteiro e algum morador da casa 58.

Sobre a possibilidade de algum áudio do computador da portaria ter sido excluído ou renomeado, o MP respondeu ontem à noite: “Na mídia enviada não há indícios de adulteração no dia 14/03 ou qualquer outro dia dos analisados entre os meses de janeiro e março. Todos os registros de entrada constantes nas planilhas foram confrontados com os registros de voz”.

A integridade da gravação e a possibilidade de adulteração é a primeira das seis perguntas feitas pelas promotoras aos peritos. Elas também perguntam se a voz que autoriza a entrada de Queiroz é mesmo de Lessa e pedem todas as ligações atendidas pelo suspeito.

Na mesma nota, o MP confirmou que formalizou os quesitos da perícia no dia 30, mas que o material tinha sido enviado para análise em 15 de outubro.

Na terça-feira, reportagem do Jornal Nacional mostrou que Queiroz teria pedido para ir à casa 58 quando chegou ao condomínio, horas antes do assassinato de Marielle. Ainda segundo o JN, o porteiro teria anotado que “seu Jair” dera autorização para que o suspeito entrasse. Bolsonaro estava em Brasília no dia. O Estado não teve acesso ao livro de ocorrências do condomínio, onde estariam as anotações do porteiro.

Áudios

“Na mídia enviada não há indícios de adulteração no dia 14/03 ou qualquer outro dia analisado entre janeiro e março.”

Ministério Público do Rio

EM NOTA

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AGU quer investigar vazamento do processo

01/11/2019

 

 

Advocacia-Geral aponta indício de improbidade de agente público e cita até crimes previstos na Lei de Segurança Nacional

BRASÍLIA

Inquérito. Advogado-geral da União, André Mendonça

Em mais uma reação à citação do nome do presidente Jair Bolsonaro na investigação sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, o advogado-geral da União, André Mendonça, solicitou à Procuradoria-Geral da República que apure o vazamento de informações do inquérito sobre o crime.

No despacho, Mendonça cita eventual prática de improbidade administrativa cometida por agentes públicos.

A investigação sobre o duplo homicídio, em março de 2018, está sob responsabilidade da Polícia Civil do Rio. Bolsonaro atribuiu ao governador do Estado, Wilson Witzel, o vazamento do depoimento de um porteiro, divulgado pela TV Globo, na terça-feira. Witzel nega. Após dizer que um dos acusados pelo crime teria entrado no condomínio com autorização de “seu Jair”, o porteiro foi desmentido ontem pelo Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro.

O advogado-geral da União também enviou o pedido ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, sugerindo a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para apurar os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.

Mendonça cita o artigo 26 da lei para justificar a medida. “Constitui crime ‘caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação’, incorrendo na mesma pena aquele que, ‘conhecendo o caráter ilícito da imputação, o propala ou divulga’”, escreveu o advogado-geral.

No documento, divulgado em sua conta no Twitter, Mendonça cita o fato de o processo ser sigiloso e que o “referido vazamento foi utilizado para relacionar a pessoa do presidente da República aos possíveis envolvidos no crime sob investigação”. Bolsonaro também compartilhou o documento em sua conta no Facebook. “O porteiro é aquele que menos tem culpa nesse novo crime”, escreveu o presidente, referindo-se ao vazamento. “Muitas autoridades tiveram acesso a um processo que corria em segredo de Justiça.”

A iniciativa da AGU é diferente da investigação solicitada ontem pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O MP do Rio vai apurar em quais circunstâncias foram tomados os depoimentos do porteiro e se houve “tentativa de envolvimento indevido” do nome de Bolsonaro no caso.

Porteiro

“Muitas autoridades tiveram acesso a um processo que corria em segredo de Justiça. O porteiro é aquele que menos tem culpa.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE