O Estado de São Paulo, n. 46060, 26/11/2019. Política, p. A8

 

Bolsonaro sugere usar GLO em áreas rurais

Mateus Vargas

Ricardo Galhardo

26/11/2019

 

 

Presidente quer autorizar o uso das forças federais em reintegrações de posse no campo

Em gesto para agradar a proprietários rurais, o presidente Jair Bolsonaro disse ontem que vai apresentar um projeto de lei para permitir ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em reintegrações de posse no campo. O objetivo é liberar as forças federais de segurança, como Exército e Polícia Federal, para retirar invasores de propriedades rurais. À noite, o presidente sugeriu que pretende dar garantia legal a quem reagir armado dentro de casa contra invasor. “Dentro de casa, você tem de ser dono de você.”

Sem esclarecer detalhes da proposta sobre a GLO, Bolsonaro disse que a ideia é que o presidente possa determinar a ação após uma decisão da Justiça para retomar o controle da propriedade rural. Um dos argumentos é de que há lentidão de governos estaduais na retomada das propriedades mesmo após decisões judiciais. “Como sempre os governadores protelam (para cumprir a decisão judicial)”, afirmou, ao anunciar a medida.

As operações de GLO são realizadas exclusivamente por determinação do presidente da República nos casos em que há esgotamento das forças tradicionais de segurança, em situações graves de perturbação da ordem. Neste ano, Bolsonaro autorizou o emprego das Forças Armadas na região amazônica durante a crise das queimadas.

Ao tratar do assunto ontem, Bolsonaro batizou o emprego das forças federais no campo como “GLO Rural”. O presidente disse que a medida não será imposta, pois passará pelo Congresso. “Se o Parlamento assim achar que deve ser tratada a propriedade privada, eles aprovam. (Se) Achar que não vale nada, daí não aprova”, disse.

Bolsonaro citou a “GLO Rural” uma semana após o governo enviar ao Congresso um projeto que prevê excludente de ilicitude – instrumento que ameniza e até isenta de pena agentes que, por exemplo, matam em serviço – para participantes de ações de GLO. A Câmara já rejeitou por duas vezes neste ano medidas semelhantes, sob o argumento de que seriam uma espécie de “licença para matar”.

A medida é defendida por deputados ligados ao agronegócio no Congresso – na Câmara, 247 integrantes, quase metade dos 513 deputados, são ligados ao agronegócio. No Senado, 38 dos 81 senadores fazem parte deste grupo. “A gente vê questões indígenas, invasão de propriedade por MST, sei lá o quê. E muitas vezes governos estaduais não têm agilidade, demoram para resolver”, afirmou o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), vice-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio, o nome oficial da bancada ruralista.

Violência. Na avaliação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, a proposta vai aumentar a violência na zona rural. Para Kelli Mafort, da coordenação nacional do MST, o anúncio é uma forma de “requentar” a proposta de ampliação do excludente de ilicitude. “É uma licença para matar”, disse. “A pergunta que a gente faz é: Bolsonaro pretende usar essa GLO para expulsar grileiros e madeireiros que invadem terras indígenas ou áreas da União ocupadas ilegalmente ou vai continuar fingindo que isso não está acontecendo?”, questionou.

Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT, disse que a GLO Rural vai formalizar a violência contra quem luta pela reforma agrária. “Isso vai legalizar a violência do Estado.”

’Dia D’

O PSL analisa hoje procedimentos que podem causar a expulsão de Eduardo Bolsonaro (SP). A Comissão de Ética da Câmara dará início a processo que avalia declaração dele sobre o AI-5.

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Falta de detalhes em proposta divide juristas

Vinicius Passarelli

26/11/2019

 

 

A proposta de fazer reintegração de posse por meio de ações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) divide juristas. Eles argumentam, por um lado, que a responsabilidade por esse tipo de processo é do Poder Judiciário, que, em geral, solicita apoio da Polícia Militar ao Estados. A GLO é uma prerrogativa da Presidência e só deve ser empregada caso outras alternativas policiais não tenham dado resultado. Há quem defenda, porém, que propriedades rurais produtivas invadidas podem ser enquadradas como algo necessário à ordem econômica nacional, o que justificaria o emprego de Forças Armadas.

“A reintegração de posse é um processo (judicial). Quem coordena e comanda é o Poder Judiciário, e não o Executivo”, afirmou Marcos da Costa, expresidente da OAB de São Paulo. Segundo ele, como o Judiciário não tem força policial, muitas vezes o juiz solicita à Polícia Militar apoio para garantir o cumprimento da sua decisão. Na proposta de Bolsonaro não ficou claro como o Executivo escolheria em que caso as Forças Armadas seriam chamadas.

Terence Trennepohl, pósdoutor em Direito Ambiental pela Universidade de Harvard, destaca que a propriedade privada é um dos princípios da ordem econômica nacional previstos na Constituição, que também define que a função das Forças Armadas é garantir a lei e a ordem.

“A propriedade privada tem que ser protegida.” Segundo ele, hoje os proprietários de terra são prejudicados quando um Estado deixa de cumprir as ordens judiciais.