O Estado de São Paulo, n. 46061, 27/11/2019. Política, p. A8
Após citar AI-5, Guedes vira alvo de críticas
Beatriz Bulla
Pedro Venceslau
Renato Onofre
Ricardo Galhardo
Ricardo Leopoldo
27/11/2019
Toffoli diz que afirmação é ‘incompatível com democracia’; Maia cita ‘insegurança’
Defesa. Ministro da Economia, Paulo Guedes, recuou após fala nos EUA
O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi alvo de críticas ontem após dizer que as pessoas não deveriam se assustar se alguém defendesse o AI-5 no caso de radicalização de manifestações de rua. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), líderes partidários e a oposição criticaram a citação ao mais duro dos cinco atos institucionais da ditadura militar (19641985) e apontaram para possíveis riscos para a imagem do País frente a investidores. Horas depois, Guedes baixou o tom e defendeu que se pratique uma “democracia responsável” no País.
“O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado”, afirmou Toffoli. O presidente do Supremo havia sido criticado por ter demorado a se posicionar, no fim de outubro, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) defendeu “um novo AI-5” para conter eventuais manifestações de rua, caso “a esquerda radicalizasse”.
A declaração de Guedes foi dada no fim da noite de anteontem, em Washington. O ministro comentava os discursos feitos recentemente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que incitou a militância a “seguir o exemplo do povo do Chile”, onde protestos de rua contra o governo causaram mortes e deixaram centenas de feridos, e declarou que “um pouco de radicalismo faz bem à alma”. Guedes e a política econômica do governo de Jair Bolsonaro têm sido os principais alvos de Lula, que já chamou o ministro de “destruidor de sonhos”.
“Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo pra quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5”, afirmou o ministro da Economia anteontem. “Chamar o povo para a rua pra dizer que tem o poder, para tomar... Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta. Acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça”, concluiu.
Apoiador da pauta econômica de Guedes, Maia também criticou o ministro. “Ele gera uma insegurança na sociedade e, principalmente, nos investidores. Usar dessa forma, mesmo que sendo para explicar o radicalismo do outro lado, não faz sentido. Por que alguém vai propor o AI-5 se o ex-presidente Lula, que acho que está errado também porque está muito radical estimula manifestação de rua?”
Líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM) disse que a declaração de Guedes foi “absolutamente inadequada”. Líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP) afirmou que é “inadmissível que novamente se considere um novo AI-5 como caminho viável”. “(Guedes) precisa ter cautela. Tudo que ele fala tem consequências na questão econômica”, afirmou.
A oposição ao governo Bolsonaro pretende usar a declaração de Guedes para atacar o discurso de que a agenda econômica estaria blindada das declarações polêmicas de outros setores do governo. “Não tem essa. O governo é um só. Essa divisão que se faz de que o Bolsonaro é um louco e o Paulo Guedes toca uma agenda racional não existe”, disse o deputado Rui Falcão (PT-SP), ex-presidente do PT.
Bolsonaro não comentou as declarações de seu ministro ontem. “Eu falo de AI-38”, disse, em referência ao número que escolheu para seu novo partido.
Oposição
O PSOL protocolou ontem representações contra Paulos Guedes na Comissão de Ética Pública da Presidência e na PGR.
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Dircurso aumenta desconfiança dos investidores
Marco Aurélio Nogueira
27/11/2019
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou se defender, mas só conseguiu atiçar o fogo. Ao responder às promessas de Lula de que mobilizaria o povo para contestar a política econômica do governo Bolsonaro, saiu-se com a frase infeliz: “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”.
Pode não ter querido defender a medida que, durante a ditadura militar, permitiu que o regime suspendesse direitos e reprimisse manifestações de oposição. Mas a frase foi suficiente para tumultuar um pouco mais o já deteriorado ambiente político. Inflamado, o ministro esclareceu que jamais defenderia medidas de repressão. Deixou claro que o governo está disposto a dobrar a aposta diante das bravatas de Lula.
A declaração veio se somar a outras semelhantes, que nos últimos meses têm composto a preocupante narrativa governamental.
Guedes é ministro de um governo que não disfarça sua vocação autoritária. Procura se encaixar nesse arranjo com uma política econômica fortemente liberal, que deseja “desregulamentar” a economia e abri-la completamente ao mercado. Acredita que o liberalismo econômico leva automaticamente ao liberalismo político.
Com o episódio, Guedes exacerbou a animosidade oposicionista, que despreza, e aumentou a desconfiança dos investidores que tanto preza. Ele mantém um relacionamento frouxo com a política, não sabe assimilar críticas e é intolerante com a contestação.
Atitudes que não cabem em uma república democrática e espalham toxinas que empurram o País para os anos de chumbo de triste memória.
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Conselho de Ética abre processos contra Eduardo Bolsonaro
Renato Onofre
27/11/2019
Filho do presidente terá de explicar fala em favor do AI-5 e ataques contra a deputada Joice Hasselmann
Defesa. Deputado afirma que não cometeu ‘crime nenhum’
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados abriu dois processos contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que podem terminar na cassação do mandato. O filho do presidente Jair Bolsonaro agora responde por quebra do decoro parlamentar por sugerir a convocação de “um novo AI-5” para reprimir manifestações no País e por ter ofendido a ex-líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), pelas redes sociais, em meio à disputa por espaço dentro do partido.
Já o Conselho de Ética do PSL deve pedir, hoje, a suspensão de Eduardo por seis meses.
O colegiado analisou três representações contra Eduardo ontem. Por determinação do presidente do conselho, Juscelino Filho (DEM-BA), duas representações contra o parlamentar foram juntadas em um só processo por se tratarem de uma mesma acusação: apologia ao Ato Institucional (AI-5) que fechou o Congresso e retirou de direitos civis.
Os pedidos foram feitos pela Rede Sustentabilidade, PT, PSOL e PCdoB. “O que está sendo ameaçado aqui é a democracia brasileira. Não podemos aceitar que um membro do Parlamento brasileiro atente contra o próprio Parlamento”, afirmou o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP).
De acordo com as representações, a declaração “atenta contra a democracia”. A outra ação foi apresentada pelo PSL durante a disputa pela liderança do partido na Câmara envolvendo o grupo político ligado ao presidente da legenda, Luciano Bivar (PE), e o de Bolsonaro. Em retaliação ao apoio de Joice ao ex-líder, Delegado Waldir (PSL-GO), Bolsonaro destituiu a deputada da liderança do Congresso e Eduardo a atacou nas redes sociais. O processo é assinado por Bivar.
“Não cometi crime nenhum”, afirmou Eduardo após a decisão do conselho. A instauração dos procedimentos é a primeira etapa do processo.